23 dezembro 2016 8:00
As fotografias do assassínio do embaixador russo na Turquia foram imediatamente disseminadas na internet, nas redes sociais e em sites dos jornais, muitos dos quais as reproduziram nas edições impressas. Aliás, não é preciso publicá-las para que muitos leitores desta página saibam qual é a fotografia que não está aqui. É também por isso que não a publicamos: pela reflexão que convoca
23 dezembro 2016 8:00
A publicação de fotografias como esta não é habitual na comunicação social não sensacionalista, para evitar o choque gratuito e respeitar as vítimas. E mereceu reflexão na redação do Expresso, que não as divulgou online. Não se trata de esconder o mal, mas de não transformar o horror em acirramento nem correr o risco de glorificar assassinos. Basta ver que, no mesmo dia, morreram 12 pessoas em Berlim num ataque reivindicado pelo Daesh e não houve fotografias publicadas dos corpos esfacelados.
Esta é uma das fotografias do ano e a decisão do Expresso de a não publicar não é sequer um ato crítico, é um ato de consciência; e de alerta para tempos em que uma desintermediação da informação pode acelerar os extremismos que se pretende combater. Esta fotografia específica tem elementos inéditos: é uma fotografia espetacular, com grande carga cénica e até glamorosa; e é uma fotografia centrada no assassino, não no assassinado; no atacante, não na vítima. E isso em si mesmo não só cumpre os objetivos típicos de terroristas — ter grande impacto no espaço mediático — como pode estimular comportamentos de assassinos de lobos solitários.
Tipicamente, os jornais escolhem imagens que, mostrando o mal, evitam o sangue e sublinham o simbolismo. Há exemplos em contrário e o mundo dos jornais é feito também de decisões em tempo curto, acertadas e erradas. O cadáver do menino Aylan Kurdi numa praia na Turquia foi publicada contra as regras habituais, porque se entendeu que seria necessário uma imagem assim tão forte para que a opinião pública europeia despertasse para o drama dos migrantes que todos os dias morrem no Mediterrâneo, o que até aí não acontecia. Na famosa fotografia “execução em Saigão”, de 1968, é a gratituidade da morte e a vítima anónima que é sublinhada. No “homem em queda” do 11 de Setembro é também a “vítima anónima” da barbárie terrorista que nos desperta. Já no “Charlie Hebdo”, poucos jornais reproduziram o fuzilamento de um polícia no chão, e muitas televisões, que começaram por dá-las, retiraram-nas depois. Nas decapitações do Daesh de há dois anos não foram difundidas imagens da degola, precisamente para não cumprir os objetivos da propaganda terrorista.
Esta nota editorial explica a decisão do Expresso, mesmo admitindo o valor-notícia da fotografia e assumindo que a decisão é controversa. Mas, mais do que partilhar com os leitores as nossas razões, ela pretende provocar reflexão, antecipando uma tendência preocupante para a nossa sociedade, que se agravará com o possível crescimento do número de ataques terroristas na Europa, a facilidade de captura de imagens e o espaço desintermediado da internet: o da brutalidade expressa e do que ela representa para vítimas, atacantes e reação social, numa época de sementeira do medo e crescimento dos nacionalismos. É também por isso que hoje não publicamos a fotografia que o mundo inteiro já viu: não para a esconder mas, precisamente, para a mostrar.