Biólogo, doutorado em Evolução, Luís M. Vicente estuda o comportamento animal há mais de quatro décadas. Ao longo destes anos, estabeleceu amizade com um polvo “que vivia perto da fortaleza da Berlenga”, uma moreia na muralha vulcânica da Praia da Luz “que se vendia por uma salsicha”, uma osga na Selvagem Grande e “com uma aranha nervosa numa ilha perdida no meio do nada”. Agora, em “Touro como nós” (Pergaminho), um “livro triste” sobre o sofrimento animal, faz uma abordagem científica de um tema polémico e fraturante. “Seria muito desagradável se ainda tivéssemos gladiadores ou autos de fé no Rossio, que faziam parte da cultura de Lisboa no século XVIII. Toda a gente ia ver queimar bruxas ao Rossio. A mutilação genital feminina em certas zonas de África é cultura e é algo contra o qual lutamos. Nem tudo o que é cultura ou tradição cultural pode ser apoiado e preservado. Há todo um conjunto de direitos que têm de ser garantidos”, diz-nos.
O que é que o levou a escrever sobre os touros e aquilo a que chama “o espetáculo da dor”? Este livro era para mim muito improvável. Sou professor universitário, tenho projetos mais prementes. Aqui há uns meses, quando na Assembleia da República se voltou a debater [o fim dos apoios públicos às] touradas, senti que os argumentos utilizados, fosse do lado dos defensores, fosse do lado dos críticos, não tinham qualquer sustentação científica credível. E então pensei que talvez devesse escrever alguma coisa sobre isto. Um livro que era bastante improvável tornou-se inevitável por uma questão de consciência científica, transformou-se numa necessidade. Foi escrito num ápice, em poucos meses.
Sou professor de comportamento animal, professor de Neurobiologia, lido com estas questões no meu dia a dia. De certa forma, é tentar compreender o outro, que neste caso é um animal não humano. Nunca trabalhei diretamente com touros, mas trabalhei com várias outras espécies. Tenho uma experiência profissional que senti que me habilitava a escrever este livro.
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