CDS. A assunção inevitável de uma derrota em toda a linha
Nuno Botelho
Não valia a pena maquilhar o óbvio: o CDS perdeu em grande e, se vinha prometendo ser a surpresa da noite, acabou surpreendido com o resultado do PAN. Nuno Melo tentou livrar a líder de contaminações, oferecendo-se para ser o “sacrificado”. Mas a curta distância até às legislativas de outubro pode ser um problema
Por muita imaginação que tivessem Nuno Melo, Assunção Cristas e toda a comissão executiva do CDS, que passou a tarde deste domingo reunida, não haveria forma de vender o resultado destas eleições de outra forma que não esta: uma derrota em toda a linha. Foram os centristas que fizeram questão, há muito, de traçar o seu principal objetivo: voltar a eleger, como em 2009, dois eurodeputados, garantindo um assento a Pedro Mota Soares em Bruxelas. Depois, Nuno Melo, como numa vaga de confiança de última hora, acrescentou já durante a campanha que ambicionava ficar à frente dos partidos de esquerda. Não cumpriu nenhuma das duas metas. E nem sequer tentou disfarçar.
Não valia a pena. Desde o final da tarde, ainda nem as primeiras projeções eram conhecidas, que no Largo do Caldas (sede do CDS, em Lisboa) se respirava um ar pesado. Cheirava a derrota. Na sala onde estava montado o púlpito para declarações e conferências de imprensa não seria preciso usar os dedos das duas mãos para contar o número de militantes presentes. De responsáveis e dirigentes, nem rasto. Assunção Cristas e Nuno Melo tinham chegado antes da hora marcada para a imprensa - a líder pelas 17h, o cabeça de lista pouco depois das 18h -, indo diretos para a sala onde a Comissão Executiva do partido estava reunida. Por lá ficariam até ao último minuto.
Ficaram quando se conheceram as primeiras projeções - negras para o CDS, taco a taco com o PAN, numa liga bem diferente da que os centristas sonhavam disputar. Ficaram enquanto, na televisão, desfilavam responsáveis dos outros partidos, Ana Catarina Mendes pelo PS, José Silvano pelo PSD, e por aí fora, e do CDS nem uma palavra. Uma réstia de esperança: as projeções abriam uma pequena margem para que o segundo eurodeputado continuasse a ser uma possibilidade ao fundo do túnel, embora cada vez mais magra.
Nuno Botelho
Na sala em tons de azul no Largo do Caldas, as horas passavam e os jornalistas continuavam a conversar apenas uns com os outros. Da meia dúzia de militantes presentes, as conversas que se ouviam, em tom de incredulidade, tinham a ver com a vitória do PAN, que colocada ao lado da derrota do CDS dava aos centristas um amargo de boca muito maior. Foi só no limite dos adiamentos, e quando o Expresso já ouvia a vários responsáveis ou militantes centristas avaliações como “muito mau” e “muito complicado”, que Cristas e Melo surgiram na sala, já passava das 22h30. Objetivo? Assumir a derrota, mas proteger a líder o mais possível.
Não contaminar Cristas
Nuno Melo tentou como pôde não contaminar Cristas, para quem se virou e olhou ao assumir assim a derrota: “Se alguém tem de ser julgado, sou eu mesmo”. Mais tarde, aos jornalistas, intensificaria o tom: em vez de julgado, “sacrificado”. Teve consigo todo o apoio do partido, da líder e da ‘jota’, que o acompanhou em toda a volta ao país, explicou Melo. Por isso, só há uma responsabilidade a imputar: a sua.
Cristas ainda ensaiou duas explicações para o desaire: a abstenção - como resumiria depois Melo, “a direita tende a ir à praia e a esquerda a ir às urnas” - e a distribuição dos votos à direita, tendo em conta o aparecimento dos novos partidos. Mas não havia maneira de contornar o óbvio, nem a presidente do partido o tentou fazer. Forte aplauso para Mota Soares, que ficou à porta de Bruxelas mas ainda pior, graças a esta candidatura não teve lugar nas listas para as legislativas de outubro. Fica assim por resolver o futuro de uma das caras mais conhecidas e queridas do partido, ex-ministro, deputado e, agora, ex-candidato.
Nuno Botelho
Uma série de tropeções
A sala esvaziou rapidamente: só esteve cheia, com a presença de dirigentes, deputados e muitos ‘jotas’, enquanto Melo e Cristas falaram. A noite em que o CDS prometia ser “a surpresa” tornou-se de surpresa para o PAN, que ficou em pé de igualdade com os centristas e os deixou com um resultado por explicar, a poucos meses das legislativas. Por isso mesmo, Melo esforçou-se por desviar as atenções de Cristas. Mas a verdade é que a líder vem de uma série de semanas atribuladas - da polémica com as passadeiras arco-íris à crise dos professores, passando pelas declarações de Melo sobre o Vox - e de explicações, recuos e emendas em série.
Há meses que Cristas ensaia o discurso do crescimento, jurando que quer ser primeira-ministra, que o CDS tem condições para ser a primeira força à direita ou que, com o recentramento do PSD de Rui Rio, é mesmo a única opção possível para os eleitores de direita. Mas acaba de receber um sinal amargo para as legislativas. O Caldas está vazio e a noite será de muitas contas de cabeça e cálculos para o futuro - tanto de Cristas como dos seus críticos.