Legislativas 2022

BE troca caravana por comboio no Algarve, onde o Governo anda “muito devagar”

Bloco centrou quinto dia de campanha no tema das alterações climáticas, em particular da ferrovia, com uma viagem numa linha do Algarve ainda por eletrificar. Numa altura em que as sondagens mostram a distância entre esquerda e direita a encolher, é altura de mobilizar o voto à esquerda. “A escolha não é entre António Costa e Rui Rio: é entre as maiorias que se formam na Assembleia da República”

A viagem entre Alcantarilha e Portimão, no Algarve, dura perto de meia hora, e é feita numa locomotiva a diesel, não eletrificada. À espera da comitiva do Bloco de Esquerda está João Varela, candidato independente, número cinco da lista do partido pelo círculo de Faro. “A única forma de as pessoas com deficiência irem do Algarve para Lisboa é apanhar o Alfa Pendular em Faro ou o avião.” Varela, que depende de uma cadeira de rodas, teria feito o trajeto Alcantarilha-Portimão de comboio com os camaradas do Bloco. “Não fez por motivos óbvios”, nota Catarina Martins, depois de criticar o Governo por ter estado “muito lento” na questão da ferrovia no Algarve, como no resto do país. Os comboios falham em termos de horários, de preços e de acessibilidade, critica a coordenadora do Bloco.


Ao quinto dia de campanha, o Bloco de Esquerda centrou-se no quarto tema-chave: além da saúde, do trabalho e das pensões, que estão no centro do debate desde a discussão do Orçamento do Estado, as alterações climáticas. E em particular, a mobilidade.


A geografia era sugestiva. Há cerca de dois meses, o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, esteve em Vila Real de Santo António a assinar o contrato de consignação da empreitada de eletrificação da Linha do Algarve, num investimento total a rondar os 80 milhões de euros. Questionada sobre o trabalho do ministro socialista, Catarina Martins chutou para longe. “Não analisamos a atuação de ministros”, responde apenas. Sem deixar de dizer que “temos andado devagar de mais” na ferrovia. “E não podemos.”

Sobre o PS, aliás, pouco quis falar. Depois de, durante a manhã, ter ouvido António Costa insistir, no debate nas rádios, na ideia de governação “à Guterres”, isto é, afastando mais uma vez a hipótese de uma geringonça 2.0, Catarina Martins não se desviou um milímetro. Insistiu que “não vale a pena estarmos sempre a discutir o mesmo”: se o PS quer maioria absoluta, que a tente. Entre as hostes do Bloco, a crença é outra: Costa falhará o objetivo e será obrigado a dialogar. No encerramento do dia, num comício no Museu de Portimão, a coordenadora do Bloco voltaria ao tema para dizer que “é o voto que decide”. “É um voto à esquerda, é um voto fora do bloco central que vai fazer a diferença no dia seguinte.”

Faro é a quinta paragem da semana. E é um dos círculos onde o Bloco mantém a esperança de reeleger um deputado à Assembleia da República, que já não será o mesmo – João Vasconcelos está de saída. Para a noite estava reservada essa espécie de passagem de testemunho, com Vasconcelos a inaugurar as intervenções no comício, antes de passar a palavra a José Gusmão, o homem que se segue (que já foi deputado, em 2009, antes de chegar ao Parlamento Europeu) e que lembrou que o Bloco “é a única força fora do bloco central que elege no Algarve”. O primeiro tiro era então para a direita e para a necessidade de travar a eleição de deputados da extrema-direita na região.

Com as sondagens a darem uma aproximação da direita à atual maioria de esquerda no Parlamento, o dia servia também para lembrar que o líder dessa direita, Rui Rio, “faz campanha sem uma única ideia para o país”. “A não ser”, dizia Gusmão, “a vaga ideia de que vamos baixar os impostos”, mas “para as grandes empresas”. Ou o “ataque ao salário e às pensões” de toda a direita, “do qual não fazem segredo”. A campanha aproxima-se do final e, numa altura em que a esquerda parece desgarrada e a geringonça pouco mais do que uma memória vaga, é preciso mobilizar o voto à esquerda. “A escolha não é entre António Costa e Rui Rio: é entre as maiorias que se formam na Assembleia da República.”

Tal como tinha começado, o dia acabou com Catarina Martins, repetindo uma história que tinha contado aos jornalistas durante a tarde, enquanto fazia a viagem de comboio na linha por eletrificar. “Assim que cheguei a Faro, encontrei uma senhora que me disse que o passe dela, que custava 40 euros, passou a custar 70.” Era o mote para lembrar os problemas de uma região onde os preços sobem alavancados pelo turismo, uma região que é “das que produz mais riqueza” no país, e onde se pagam “salários tão baixos”, e uma região onde os efeitos das alterações climáticas já se sentem, como “a escassez de água, com que tantos agricultores se deparam já hoje”. Antes de fechar, tempo para lembrar uma das propostas que o Bloco inscreveu no programa eleitoral de 2022: a criação de sistemas comunitários de produção fotovoltaica descentralizada, financiados pelo Estado. Com um duplo ganho, nas contas do Bloco: com a poupança de energia, o Estado precisa de pouco tempo para recuperar o investimento; e a fatura da eletricidade das comunidades que adiram ao programa, como empresas ou serviços públicos, veem a conta da luz descer.

Em Portimão, antes dos discursos, a cortina subiu ao som de Vicente Palma, filho de Jorge Palma, a voz quase a mesma, como se o comício do Bloco tivesse recuado 20 anos. Entre músicas próprias e canções celebrizadas pelo pai, Palma não deixou de lado a letra que nos últimos seis anos entrou para o imaginário da geringonça. “Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar. Enquanto houver ventos e mares, a gente não vai parar.” Não vão?

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