Sem "geringonça" a limitar o discurso político, os candidatos da CDU destravaram a língua para mostrar que a batalha se faz taco a taco com o adversário socialista. É hora de acertar contas com António Costa, acusado de penalizar as autarquias comunistas e de favorecer "com pedaços da sua bazuca os candidatos do seu partido". "Será que o PM vai aplicar a ética e a lei?", questionou Maria das Dores Meira
Primeiro foi na Moita, depois em Almada e, já quase se fazia noite, chegou a vez de Palmela. Num só dia, três candidatos autárquicos da CDU usaram os palcos da campanha para acusar o Governo e o PS, ora de penalizar a gestão das Câmaras comunistas, ora de "ficar com os louros" que lhes são devidos ou ainda de usar "de forma abusiva" os fundos europeus que tem para distribuir pelo País. Jerónimo de Sousa não fugiu do tom e garantiu "não se calar" perante os "incumprimentos do Governo" em áreas "essenciais" como a saúde, a educação ou a segurança.
Os comunistas estão "numa batalha importante", diz e repete o líder. E o adversário direto é só um: o PS, que nas últimas eleições ficou com 9 das dez câmaras que os comunistas viram cair do seu mapa autárquico numa só noite eleitoral. Perderam Almada, Alcochete e Barreiro, só para falar no distrito de Setúbal e nas zonas bem às portas de Lisboa, onde a caravana comunista concentra agora grande parte do seu poder de fogo.
Mas muita coisa mudou em quatro anos. Desde logo, caiu o compromisso político escrito e assinado, que formava a geringonça e, nas entrelinhas, limitava o discurso das campanhas da CDU. Agora, sem 'papel passado' com o PS, os candidatos à reconquista das Câmaras perdidas - ou aqueles que as tentam segurar com unhas e dentes - estão à vontade para apontar o dedo ao adversário socialista. Rui Garcia, na Moita, vai a caminho do seu terceiro e ultimo mandato como autarca do concelho e não tem dúvidas em afirmar que a região de Setúbal tem sido "muito penalizada" na distribuição de fundos europeus. Cinco das nove autarquias da região estão nas mãos da CDU e é dessas que o autarca fala, mesmo sem as mencionar, quando se refere às "limitações" e no "prejuízo" quando se trata de receber os financiamentos diretos e a fundo perdido disponibilizados pelo Governo.
Pouco depois, era Maria das Dores Meira a voltar ao assunto. Na praça da Liberdade, em Almada, a candidata que veio de Setúbal para reconquistar este bastião perdido, referiu-se mesmo à "forma abusiva com que o primeiro ministro traz o saco às costas" das verbas da bazuca europeia para ir "ajudando os seus candidatos". "É preciso estarmos atentos", quando se vê António Costa "retirar à hora do almoço a gravata de primeiro ministro para vir oferecer aos candidatos do seu partido pedaços da sua bazuca".
O alerta feito pela Comissão Nacional de Eleições ao primeiro-ministro para que se contivesse na utilização eleitoralista deste maná vindo de Bruxelas serviu de pretexto para que a candidata soltasse a língua. Este "dislate" ou "abuso" por parte de António Costa tem de ser reparado, diz Dores Meira. "Será que o primeiro-ministro vai aplicar a ética e a lei?" - questiona a autarca.
"A CDU está bem", disse na manhã deste sábado Jerónimo de Sousa. Mas todo o cuidado é pouco, porque se "a confiança cresce para a vitória", também é certo que "sabemos que a demagogia, o sofisma e a promessa fácil andam por aí à solta", diria mais tarde o líder comunista.
Com uma semana de campanha pela frente, torna-se óbvio que "a opção é entre a CDU e o PS", pelo menos nos palcos por onde passa a conquista de votos de Jerónimo de Sousa. Em Palmela, os comunistas sempre tiveram a gestão da Câmara, desde que a democracia existe em Portugal. Mas, "não descansemos sobre o trabalho realizado", avisou o líder do PCP, na sessão pública que juntou umas centenas de pessoas no largo principal do Pinhal Novo. Na corrida à autarquia, há agora nove candidatos, (entre eles um ex-comunista, dinossauro em Palmela e depois em Setúbal, que vem disputar a câmara aos antigos camaradas) e todas as cautelas são poucas. "Fizemos muita obra", diz Álvaro Amaro, atual presidente de Palmela e de novo candidato ao lugar. "Alguns até me chamam o Manuel do alcatrão", mas a verdade é que "fizemos muito trabalho que o Governo devia fazer" e que dos quais depois "vem retirar os louros".
O PS, mais uma vez o PS, é o alvo principal e o adversário mais temido. Jerónimo vem encerrar a sessão política e o dia de campanha reforçando o rol de queixas contra os socialistas e o Governo. "Há responsabilidades diretas do poder central que são supridas pelas Câmaras" , a que se junta um conjunto de medidas "de emergência nacional" ou "essenciais" que teimam em ficar por cumprir. Do aumento de salários às alterações da lei laboral, o PS "tem aqui uma nova oportunidade para dizer ao que vai: se no caminho para os braços do patronato e do PSD e CDS, ou se se posiciona ao lado dos trabalhadores". A pergunta fica no ar. Mas, no Largo do Pinhal Novo, já todos conhecem a resposta e nem precisam de indicações de voto. A Carvalhesa começa a tocar e a corrida é mesmo para chegar ao pé do líder comunista e conseguir uma selfie. De preferência, sem máscara.
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