Web Summit arranca com esposa de Zelensky, atraso por problemas técnicos e €90 milhões para startups portuguesas
Olena Zelenska, primeira-dama ucraniana, abriu a Web Summit de 2022
Piaras � M�dheach / Web Summit /
O primeiro-ministro António Costa não esteve presente, mas Olena Zelenska lembrou que é tempo de usar as tecnologias para salvar pessoas. Ministro da Economia avança com 90 milhões para as startups… e a cerimónia de abertura da Web Summit haveria de sofrer alguns percalços
Quase tão certo como haver abóboras no Halloween é a subida ao palco de Paddy Cosgrave na Altice Arena, em Lisboa, para fazer de mestre de cerimónias de mais uma Web Summit. O contrato firmado com o Governo e a Câmara de Lisboa garante que vai ser assim nos primeiros dias de novembro até 2028 – mas esta terça-feira de todos os santos que também se vai tornando de quase todas as tecnologias não era o momento mais apropriado para falar sobre o futuro do evento, e as atenções acabaram por se centrar na primeira surpresa: a participação de Olena Zelenska, mulher do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, perante uma plateia que encheu o antigo Pavilhão Atlântico – e deverá chegar às 70 mil pessoas nos dias seguintes.
O que fazem dezenas de crianças fechadas numa sala com música animada? Não seria difícil de adivinhar que estavam a fingir que não sabiam que lá fora, algures na Ucrânia devastada, estavam a cair bombas. Olena Zelenska não escondeu, desde os primeiros tempos, que vinha pedir ajuda para a Ucrânia, também através da Fundação a que preside, mas não deixou de fazer o repto: “Há quem diga que a tecnologia é muito simples, mas é simples apenas para matar pessoas e não para as salvar. E é assim porque quem desenvolve tecnologias tem ajudado o terror”.
A frase caiu como uma denúncia e viria a ser repetida em múltiplas variantes, mostrando famílias literalmente destruídas por mísseis, e escolas e hospitais que, segundo Zelenska, têm sido os principais alvos das tropas russas, que iniciaram a invasão da Ucrânia em fevereiro.
“As próteses são a nossa alta tecnologia”, disse depois de mostrar imagens de crianças amputadas após ataques russos.
Aos investidores que se encontravam na plateia, a primeira-dama ucraniana fez um apelo que ajudassem em projetos de solidariedade, mas aos jovens apontou-lhes um caminho. E recordou que as competências tecnológicas que são apuradas durante o currículo podem, mais tarde, acabar na linha da frente da guerra.
Hoje não faltam contas de rede sociais que não são atualizadas devido à morte dos titulares ucranianos, e 40% das unidades de produção de energia foram destruídas, recordou Zelenska, ao mesmo tempo que apelava a soluções e ideias para lidar com os distúrbios mentais que afetam a população assolada pela guerra.
“Acho que (os russos) começaram a perceber a importância de as pessoas estarem conectadas à Internet”, ditou a primeira-dama ucraniana, antes de ser ovacionada de pé por quase toda a Altice Arena, como provavelmente nunca ninguém terá sido nestes anos de evento em Portugal. Antes disso, já Paddy Cosgrave, que surgiu de camisa contra o que é costume, tinha feito uma denúncia contra a alegada conivência do governo e instituições irlandesas com os oligarcas russos.
A espera por Zelenska acabou por ser bem maior que o previsto. Antes da entrada da primeira-dama, uma seleção de negócios inovadores, que a gíria conhece por startups, já havia desfilado à laia de prelúdio das grandes óperas, mas pontuado por vários sotaques possíveis do inglês, consoante a origem de cada empresário.
Ao mesmo tempo, cá fora, bem ao lado das filas com centenas de espectadores à espera de entrar, algo novo surgiu por entre a azáfama: pouco mais de uma dezena de jovens com cartazes lembraram que não é possível construir uma casa para morar na cloud (repositórios de armazenamento e processamento na Internet) e apontaram mesmo o dedo à moda do nomadismo digital que consideram que está a tirar lugar aos jovens nacionais da cidade de Lisboa, através do aumento de rendas e preços de casas. Será moda passageira ou um sinal da crise económica e da gentrificação?
O contraste era notório face a um evento que junta mais de mil investidores dispostos a aplicar dinheiro em capital de risco de retorno incerto – e foi a esse ecossistema que se tentou direciomnar António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, com uma prestação em crescendo até avisar que “o futuro não é o que nos vai acontecer amanhã, mas sim o que vamos fazer agora mesmo”.
Poderia ser um prenúncio para algo que se confirmou que correu mal no arranque do evento, mas na verdade apenas pretendia ser o remate de um pacote de medidas que o governante apresentou no palco principal. Além de ter reafirmado o propósito de lançar legislação específica para criadores de startups, Costa Silva informou a plateia que Portugal está em vias de captar a sede da futura Agência Europeia para as Startups e vai disponibilizar apoios totais de 90 milhões de euros para 3000 startups durante os próximos quatro anos, através da atribuição de vouchers ligados ao desenvolvimento de tecnologias ou projetos ligados à sustentabilidade.Também vai ser lançado um programa de 20 milhões que tem em vista o apoio a incubadoras de startups.
Costa Silva ainda lembrou o progresso feito pelo País nas energias renováveis em tempos de urgência climática, e apelou à mudança de paradigma. “Precisamos das vossas ideias e tecnologias para conseguir isso”, referiu para a plateia.
Se António Costa Silva se abalançou para o futuro, Carlos Moedas fez o balanço do passado, e lembrou que os fazedores de opinião chegaram a apelidá-lo de “louco” quando disse que ia criar uma Fábrica de Unicórnios – e agora tem essa iniciativa já lançada está pronta a captar as primeiras 20 startups.
Também não se esqueceu de piscar o olho aos eleitores lisboetas ao recordar os transportes grátis para crianças e idosos e também um lançamento de um plano de saúde para maiores de 65 anos de idade. Recorrendo ao exemplo de um inventor de aviões elétricos, aconselhou os presentes a rodearem-se de pessoas “que não sabem o que é impossível” – pois será delas a solução para aquilo que nem sempre se consegue resolver.
“Não são os políticos, mas os mais jovens que mudam o mundo”, lembrou, numa cerimónia que notoriamente já estava a acelerar o passo para poder recuperar do atraso e dos imprevistos.
Chagpeng Zhao, líder da Binance, também sabe contornar o impossível. E isso pode ser confirmado tanto pelo sucesso que tem tido na denominada criptoeconomia como também com um investimento de 500 milhões de dólares, que se juntou ao montante desembolsado pelo empresário Elon Musk para comprar o Twitter.
Depois do anúncio de que Musk pretende aplicar tarifas de 8 dólares para efeitos de verificação de contas e daquilo que é dito no Twitter, o líder do banco Binance não se coibiu de prever que, com a entrada do dinheiro e das tarifas, o desenvolvimento da rede social vai acelerar, com novas funcionalidades. Sobre o retorno do investimento no Twitter, limitou-se a dizer que é um investidor de longo termo, e que a rede social haveria de ficar mais forte, depois da entrada em cena de Elon Musk.
Sobre a alegada “bolha” da criptoeconomia, lembrou todas as crises dos últimos cinco anos e recordou que, mesmo assim, o valor das atividades a esta indústria baseada em tecnologias de blockchain não parou de subir. Chagpeng Zhao também repartiu a análise entre países e reguladores e apontou a China como um dos mais restritivos. Mas não deixou de incentivar os consumidores a investigarem as marcas de criptoeconomia, antes de investirem. “Precisamos de educar os investidores”, admitiu ainda.
O evento haveria ainda de contar com a participação de Lisa Jackson, vice-presidente da Apple, que apontou para 2030 como ano em que a marca chegará à neutralidade das emissões de carbono em todos os produtos. E houve ainda Misan Harriman, criador do Southbank Centre e repórter fotográfico, foi a palco lembrar o trabalho feito com as franjas da sociedade em Londres.
Quem assistiu ao evento até ao fim terá notado a ausência dos confetis e do primeiro-ministro António Costa na cerimónia final, em que foi substituído por Costa Silva para figurar lado a Carlos Moedas e Paddy Cosgrave – mas esse terá sido apenas um de vários percalços menos comuns na Web Summit.
Às 19h, Paddy Cosgrave já tinha confirmado um atraso de 15 minutos devido a um “problema técnico”. Esta aparição ocorreu quando um objeto possivelmente ligado a uma câmara usada para captar imagens em plano superior caiu e assustou uma secção das 11 mil pessoas que se encontravam no Altice Arena. E talvez por isso a cerimónia terminou com 45 minutos de atraso e não teve o brilho de outros tempos.
No cardápio de 26 temáticas de conferência que se seguem nos próximos dias são bem visíveis duas tendências tecnológicas: a Web 3.0, que traz a descentralização e pretende funcionar como alavanca da criptoeconomia sobre os primeiros destroços da Web 2.0, ainda a braços com os abusos de dados privados dentro de apps e sites que não facilitam a comunicação com o exterior; e ainda o metaverso, que pretende funcionar como interface digital que vai permitir que milhões de pessoas tirem partido do novo potencial da já referida Web 3.0.
A este pilar junta-se uma nova aposta temática nesta edição de 2022: a estreia de uma linha de conferências dedicada à segurança, que vai contar com a participação de David van Weel, um dos homens fortes do secretariado geral da NATO. A nova linha de conferências vem dar novo impulso a um tema que sempre esteve presente – e nem sempre gera consenso. O que confirma grande potencial para o debate.
No passado, a Web Summit chegou a contar com a aparição, por videoconferência, do denunciante e ex-operacional da CIA Edward Snowden, desta vez o cabeça de cartaz foi remetido para o segundo dia. Chama-se Mark MacGann e ficou conhecido por revelar ao mundo os estratagemas abusivos da Uber. É uma escolha em consonância com a edição passada, que teve a denunciante do Facebook Frances Haugen. A presença dos executivos da Binance, Apple, AirBnB, Revolut, da escuderia Mercedes AMG-Petronas promete animar o que aí vem.
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