Web Summit

A “Nação Startup” da política não existia sem a Web Summit

A “Nação Startup” da política não existia sem a Web Summit
Nuno Botelho

Começa esta segunda-feira aquele que é o maior evento mundial de empreendedorismo de base tecnológica. Depois de um primeiro ano em que o país parecia tomado pela febre da Web Summit, nota-se, nesta segunda edição, um claro arrefecimento da opinião pública em relação à vinda da empresa de Paddy Cosgrave para Lisboa num contrato que terminaria no próximo ano, mas que tudo faz crer será estendido até 2020.

O “tudo faz crer” lê-se nas entrelinhas das notícias nos jornais que vão revelando mais alguns pormenores do longo namoro entre o irlandês CEO da Web Summit e o Estado português. Aliás, verdade seja dita, esta é uma relação win-win (para usar os estrangeirismos tão típicos do ecossistema das startups).

O anterior governo e o atual não pouparam esforços para mostrar a Cosgrave que Lisboa tinha tudo para ser o destino de eleição para a “feira” que junta quem tem ideias a quem tem o dinheiro para as executar. A Web Summit conseguia fugir à chuva de Dublin e à falta de Internet crónica do evento – seria a principal queixa de quem frequentava o certame. E Paddy Cosgrave terá gostado das muitas benesses que lhe foram dadas para fazer as malas e rumar a sul.

Lá para fora, Portugal assume maior relevância no ecossistema europeu, e mundial, do empreendedorismo, mas não só. Também se reveste de características de destino moderno e inovador. Quanto custaria uma daquelas campanhas do Turismo de Portugal para conseguir este efeito? Aliás, o tipo de pessoa que vem para a Web Summit não é o mesmo que vem para jogar golfe no “Allgarve” (sem desprimor para quem gosta de jogar golfe ou do Algarve).

Assim, Lisboa enche-se esta semana com os mais de 60 mil que vêm para participar na Web Summit. Pessoas, na sua maioria, com formação académica e com capacidade de influência. Porquê? São ávidos utilizadores de tecnologia e, logo, das suas veias comunicantes. Cada um deles é um influenciador junto da sua rede de contactos. Ou seja, as fotos, vídeos e posts que vão fazer nas redes sociais são verdadeiros postais ilustrados de Lisboa. De Portugal.

Mais uma vez, qual seria o orçamento para ter este target (tão específico) a comunicar proativamente para a sua rede de contactos? Podem parecer minudências, mas não são. São formas muito eficientes de passar a imagem do país. E é isso que o Governo se prepara para aproveitar usando a AICEP e o Turismo de Portugal como pontas de lança com presença garantida no evento. Além disso, todos os membros do executivo terão, segundo o Dinheiro Vivo, sido orientados para alinhar numa mensagem única que pretende cativar entidades estrangeiras.

O lastro da Web Summit

Em Lisboa, num ano, muito mudou em direção a criar aquilo a que convencionaram, os políticos, chamar “Nação Startup”. Há novos centros de empreendedorismo espalhados pela cidade e aguardamos a abertura do Hub Criativo do Beato – algo que será uma LX Factory 2.0 dedicada ao empreendedorismo de base tecnológica. Aliás, em Lisboa já temos a Second Home (desde dezembro do ano passado), uma das maiores incubadoras inglesas, que vai abrir até 2019 um novo escritório na capital, num investimento de 10 milhões de euros.

Também ao Beato já chegaram os alemães da Factory – a organização que controla o maior campus de startups da Alemanha. A empresa vai receber 500 profissionais em Lisboa e abre portas no final do próximo ano. Também será para aí, para o Beato, que pode rumar o Digital Delivery Hub. O centro de competências na área do digital da Mercedes-Benz que, para já, está alojado na Second Home. Estamos perante 3 000 postos de trabalho (a capacidade instalada no Hub Criativo do Beato) que podem ser criados e onde vamos ter uma mescla de pessoas de todo o mundo. Uma troca de conhecimentos e de experiências incrível.

É desta forma que o Hub Criativo do Beato, com os seus 35 mil metros quadrados, pode assumir-se, caso sejam cumpridas as expectativas criadas, como um dos mais importantes núcleos de empreendedorismo na Europa. Isto seria possível sem a conquista para Lisboa da Web Summit? Não, não era.

Mas há muito por fazer para cumprir o desígnio da “Nação Startup”. A escassez de mão de obra qualificada é um dos maiores desafios na Europa e em Portugal tem pormenores muito preocupantes. Faltam pessoas formadas nas STEM (Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemática), e os que existem são aliciados com melhores salários pagos na emigração para países como a Alemanha e a Inglaterra. Este ano, há milhares de postos de trabalho que vão ficar por ocupar nestas áreas. Muitos mais na Europa. E, em termos de recursos humanos, o que fazer a toda uma geração que ainda não é velha, mas que esta “geração startup” perceciona como tal? É preciso misturar experiência com disrupção. Mas onde estão as políticas para o conseguir?

Depois, é necessário, em Portugal, ter políticas fiscais mais interessantes para investidores e para startups. No Reino Unido, por exemplo, quem investe numa startup tem uma redução no IRS. Por cá, também falta um acesso mais facilitado ao dinheiro. Ou seja, que a banca empreste a quem está a começar o negócio e que se criem as condições para que o capital de risco surja em maior quantidade. E, claro, ainda nos falta ter uma cultura económica onde o erro não seja o carrasco de novas ideias. Falhar faz parte da vida de qualquer empreendedor. Uma realidade que hoje já passa melhor na sociedade portuguesa. E também isso é um efeito colateral da Web Summit em Lisboa.

Por isso, daqui a pouco, às 20 horas, quando Paddy Cosgrave partilhar o palco com o edil de Lisboa e com o primeiro-ministro de Portugal na abertura oficial da Web Summit, espero que todos percebam a importância de ter o evento em Lisboa até 2020. Depois disso, até. Para sempre, se possível. Esta é a porta que, ao abrir-se desta forma, torna possível a transformação de Portugal em algo que possa ser alcunhado como “a Califórnia da Europa”. Neste caso, não servindo apenas como barriga de aluguer para startups que depois seguem para Sillicon Valley. Mas criando as condições para que essas empresas fiquem no país. Que paguem os seus impostos em Portugal, que atraiam mão de- obra qualificada e que se tornem, assim, motores da economia nacional.

Tudo isto, esta transformação digital do país e das mentalidades, começou muito antes da Web Summit, é certo, mas foi a empresa de Paddy Cosgrave que nos mostrou que era possível ambicionar ser mais. E este é o lastro que fica do evento que começa hoje em Lisboa.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: poliveira@impresa.pt

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