Economia

Troca de dados sobre créditos acabou e nada mudou: como o BCP defendeu que não havia “cartel”

Troca de dados sobre créditos acabou e nada mudou: como o BCP defendeu que não havia “cartel”

Em tribunal, administrador do BCP José Pessanha diz que não há lesados pelo intercâmbio de informações sobre créditos

“Quando se suspenderam as trocas de dados, não houve alteração da estrutura do mercado, as quotas [no crédito] não se alteraram”. Este é um dos argumentos de defesa do Millennium BCP no âmbito do julgamento ao intercâmbio de informação sensível na banca, que foi transmitido esta sexta-feira, 18 de fevereiro, ao tribunal de Santarém por José Pessanha, administrador executivo chamado a depor como representante do banco.

No Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, o gestor do BCP frisou que a informação trocada “não teve efeito material sobre a concorrência” para tentar desmontar o processo em que a Autoridade da Concorrência (ao qual o Ministério Público aderiu) aplicou coimas de 225 milhões de euros a 14 bancos -, das quais 11 recorreram – por considerar que houve intercâmbio de informação sensível entre 2002 e 2013. Ao BCP, coube uma coima de 60 milhões de euros.

Para mostrar que o banco que tem a Fosun como principal acionista respeita a lei, José Pessanha informou que mal a AdC transmitiu que aquela troca de informação que estava a acontecer era desadequada, ela foi extinta. “Quando se tornou clara a posição da AdC sobre a natureza dos contactos, foram dadas informações para o banco para suspender esta prática”, adiantou, acrescentando que houve até formações internas obrigatórias sobre o direito da concorrência (“esta ação em concreto teve o envolvimento das áreas de marketing e toda a alta direção e estrutura de decisão, que respondia à administração, incluindo a comissão executiva”), e que estes temas foram até incluídos no código de conduta.

Não houve lesados

Se houvesse troca de informações secretas sobre o crédito entre os bancos portugueses, então tinha havido queixas de clientes, e, até agora, não houve, disse José Pessanha. “Apesar de o processo ser público, não houve qualquer reclamação de clientes associada às práticas dos bancos”, afirmou – a defesa das instituições de crédito é precisamente que não houve lesados, enquanto para a AdC interessa frisar que houve a prática de troca de informação que poderia vir a criar lesados, mesmo que não tenha havido de facto lesados.

“Apesar de o processo ser público, não houve qualquer reclamação de clientes associada às práticas dos bancos”.

José Pessanha, administrador do BCP

Porém, a juíza Mariana Machado lembrou o administrador de que houve uma ação popular entregue em tribunal por conta deste caso, precisamente para obter uma eventual indemnização por possíveis lesados.

Informação não mudava nada

Que houve informação trocada, sim, não há dúvidas, mas o gestor do BCP diz que era uma “prática aberta”, que envolvia dezenas de pessoas, apenas com vista a “saber a quota de mercado e qual o posicionamento de preço face à concorrência”, disse José Pessanha.

“Admito que desse mais trabalho [aceder aos dados sem essa troca que estava estabelecida], mas a informação seria sempre acessível”, continuou. “A troca de informação era para facilitar o trabalho das áreas de marketing. Era mais fácil do que ir pedir aos outros bancos essa informação. Podia obter-se a mesma informação fazendo de cliente-mistério”, explicou.

A juíza contestou esta ideia, lembrando que alguns dos dados eram grelhas de spreads e preços e não apenas os números que eram públicos.

Miguel Maya, CEO do BCP. Foto: Ana Baião

“Entendemos que a informação trocada não era sensível – era acessível de fontes públicas; não eram fundamentais. Vi serem trocadas grelhas de spreads e dizem muito pouco sobre os preços em cada operação, que são em função de muita coisa, desde o relacionamento com o banco, às características de risco dos clientes”, explicou o administrador da equipa liderada por Miguel Maya. “Era para obtermos a informação do sistema. Não creio que houvesse interesse na produção de cada banco e que fosse determinante na decisão de cada banco”, acrescentou José Pessanha, que apontou também para a agressividade no mercado de crédito à habitação.

De qualquer forma, a informação sobre as quotas de mercado dos bancos permite aos bancos “perceber os critérios [de concessão] independentemente do preço”. “Grandes oscilações de quota só existem pela alteração dos critérios de concessão”, adiantou.

Sem partilha de mercado

“Na experiência bancária, que já vai longa, não tenho sinais de qualquer prática de partilha de mercado, de arranjo de quota, de combinações sobre a atuação de cada banco no sentido de articular a estratégia de venda”, declarou o administrador do BCP, que esteve no BPA, integrado depois no banco agora sob o comando por Miguel Maya, do qual é gestor executivo desde 2015.

A AdC fechou o processo que ficou conhecido como cartel da banca (apesar de não haver a acusação de cartel no seu desfecho) por considerar que havia troca de informação sensível, confidencial, que os bancos usavam para assegurar as respetivas trocas de informação. Às coimas de 225 milhões de euros, 11 instituições de crédito reagiram com recursos para o Tribunal da Concorrência, num julgamento que está agora no seu fim.

As alegações finais deste caso são na próxima semana, sendo que a sentença deverá chegar em abril.

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