Empresa do Estado Parpública tinha uma administração, mas só o presidente lidava com a TAP
Antonio Pedro Ferreira
Carlos Durães da Conceição era mais “testemunha” do que “administrador” da Parpública, resumiu o deputado do PCP Bruno Dias em relação ao ex-vice-presidente da empresa estatal. Parpública exigiu ao Governo de Costa uma instrução expressa para assinar os documentos que permitiram ao Estado assumir a maioria da TAP em 2020
Tanto em 2015, quando a TAP foi vendida ao consórcio liderado por David Neeleman e Humberto Pedrosa, como em 2020, quando o Estado reforçou a maioria do capital da companhia aérea, só o presidente em exercício da Parpública, a sociedade do Estado que exerce o controlo sobre as empresas estatais, lidava diretamente com o tema, deixando de fora os restantes membros do Conselho de Administração. No primeiro caso, tratava-se de Pedro Ferreira Pinto, no segundo é Miguel Cruz.
“O acompanhamento desta participada da Parpública esteve sempre delegada no presidente da Comissão Executiva”. Quem o disse, na audição da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP que decorreu esta quinta-feira, 20 de abril, foi Carlos Durães da Conceição, que naqueles anos tanto foi vogal como vice-presidente da administração da Parpública,
O ex-vice-presidente da Parpública acabou por dizer que os dois administradores que estavam então na Parpública foram colocados à margem da recompra da participação de 22,5% de David Neeleman em julho de 2020.
Aliás, segundo referiu, este afastamento da administração, a favor do presidente, teve mais força em 2020, quando o Governo de António Costa decidiu fazer um aumento de capital na TAP, na sequência do plano de reestruturação, acabando por ditar o afastamento dos investidores privados da companhia aérea. Neeleman acabou por sair, cedendo os seus 22,5%, em troca do pagamento de 55 milhões pelo Estado português.
Isto porque o presidente da Parpública que estava em funções em 2020, Miguel Cruz, era quem liderava todo o processo da TAP, deixando de lado a restante administração.
Em junho, foi ele o escolhido para ir para o Governo como secretário de Estado do Tesouro, quando João Leão substituiu Mário Centeno no Ministério das Finanças. E foi ele que, no Governo, assumiu também o dossiê TAP, deixando os administradores na Parpública em funções sem que estivessem todos dentro do tema. “A Parpública desloca-se para o Terreiro do Paço”, frisou Carlos Durães da Conceição.
“Nessas semanas de trabalho, intenso porque tínhamos outras frentes de trabalho que não só a TAP – é nessa altura que o Governo decide intervir na Efacec –, apercebemo-nos que na interação com a nossa tutela, o secretário de Estado do Tesouro privilegiou os contactos sobre o dossiê TAP com os consultores externos e com o jurista que, na Parpública, anteriormente o assessorava nestas matérias, em detrimento dos administradores que permaneceram em funções”, atacou Durães da Conceição nas respostas que foi dando aos deputados.
O jurista da Parpública era Tiago Aires Mateus, mais tarde presidente da comissão de vencimentos da TAP, qualidade em que foi ouvido na quarta-feira na comissão de inquérito.
Governo Costa cometeu “falta de respeito”
“Sentimos necessidade de realizar um Conselho de Administração em que deliberámos instar o Governo, na pessoa do Secretário de Estado do Tesouro, tendo em atenção o desconhecimento do desenrolar do processo, a condicionar a nossa assinatura à apresentação de uma instrução vinculante. Foi no dia 8 de julho de 2020”, segundo contou Durães de Conceição. Ou seja, queriam ser obrigados a assinar, e assim aconteceu.
Depois, a administração, que estava sem membros suficientes, acabou substituída pelo Governo no fim desse mês de julho de 2020 (mais especificamente por Miguel Cruz, que tinha a tutela), depois de o Estado assegurar a maioria do capital, já não através da Parpública, mas através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF).
Essa substituição foi, disse, “uma enorme falta de respeito pela Parpública”, já que estavam outros trabalhos em curso, como a nacionalização da Efacec.
São críticas a Miguel Cruz, que foi dos únicos responsáveis governamentais até aqui elogiados na CPI, nesse caso pelos antigos presidentes da TAP, Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja.
Governo Passos fez o mesmo
Durães de Conceição saiu da Parpública dez anos depois de entrar, em 2010, pelo mão do Governo de José Sócrates e ali ficou no de Passos Coelho. Mas também no tema TAP estava arredado do que acontecia na companhia aérea em 2015, quando o Governo de Passos Coelho decidiu vender a TAP ao consórcio liderado por David Neeleman e que contava com Humberto Pedrosa.
O presidente era Pedro Ferreira Pinto, mas o perfil “centralizador” era idêntico ao de Cruz, segundo Durães da Conceição. E, portanto, também aí foram assinados documentos por Conceição, mas sem que sobre eles soubesse muito, admitiu. “Houve uma interação forte com a tutela, mas nem eu nem o meu colega da Comissão Executiva tivemos conhecimento do detalhe da operação”.
“Agiu menos como administrador, mas mais como testemunha”, resumiu o deputado comunista Bruno Dias.
Governos acompanharam TAP com “grande proximidade”
Não era uma situação inédita, disse Carlos Durães da Conceição: “O dossiê TAP foi um dossiê em que diversos governos fizeram um acompanhamento de grande proximidade. E todas as assinaturas que obrigam reestruturações, privatizações, nacionalizações, tiveram instruções vinculantes em nome do Governo. Não é uma exceção o ano de 2015, 2017 ou 2020. Em cada ano há as suas particularidades”.
Mas Carlos Durães da Conceição defendeu que um caso único: “O dossiê da TAP teve sempre um tratamento de exceção. Não é a prática. A Parpública tem uma enorme autonomia de gestão, o que não quer dizer não haja um dossiê ou outro que haja legitimamente instruções do Governo, designadamente de natureza estratégica”.
Aliás, por isso mesmo, o ex-responsável – que foi diretor-geral de vários organismos estatais – declarou que “há um padrão em que a Parpública se desloca para o Terreiro do Paço”, onde está o Ministério das Finanças.
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