Sistema financeiro

Tribunal de Santarém destrói cartel dos seguros: não há condenações e coimas de €42 milhões são reduzidas a nada

Tribunal de Santarém destrói cartel dos seguros: não há condenações e coimas de €42 milhões são reduzidas a nada
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Recursos da Lusitania e Zurich foram aceites. Regime de confissão (utilizado pela Tranquilidade e Fidelidade) foi muito criticado pela juíza, que declarou que as companhias acabaram por conduzir o processo de investigação da Autoridade da Concorrência

O Tribunal da Concorrência, em Santarém, não deu como provado a existência de um cartel dos seguros que envolvesse a Zurich e a Lusitania. As coimas de quase 42 milhões de euros que estavam a ser contestadas pelas duas companhias e quatro seus diretores e administradores foram anuladas, já que não houve condenações. A Autoridade da Concorrência, de onde vinha este caso, sai derrotada e com fortes críticas à condução do processo. Para a história, ficam, ressalva a entidade, a admissão de culpa da Fidelidade, Multicare e Tranquilidade, que assumiram ter participado no cartel.

“O tribunal considerou não provados o essencial dos factos”, resumiu a juíza Mariana Gomes Machado. “Julga totalmente procedentes os recursos apresentados pelas recorrentes”, continuou a juíza esta segunda-feira, dia 24 de abril de 2023, sobre um processo que teve início em 2017.

A Lusitania e a Zurich estavam condenadas a 20,5 e 21,5 milhões de euros, mas, como os factos da AdC foram dados como não provados na sua esmagadora maioria, não há qualquer tipo de condenação. Além das seguradoras, também os quatro ex-administradores e diretores que tinham sido condenados pela AdC saem sem sanções (Fernando Nogueira, Artur Martins e Paulo Conceição, da Lusitania, e Nuno Catarino, da Zurich).

Primeira absolvição

É a primeira absolvição total num dos grandes processos saídos da AdC desde que o Tribunal da Concorrência foi criado. E tal absolvição acontece naquele que era o primeiro cartel que a AdC tinha detetado no sector financeiro (havia já a investigação no caso da banca, mas aí, embora tenha ficado conhecido como cartel da banca, não havia cartel, a imputação era de troca de informação sensível).

A sentença que declara que, afinal, não houve cartel dos seguros entre as cinco companhias foi lida esta segunda-feira, 24 de abril, no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. A AdC, que ressalva que a decisão judicial só retira duas empresas do cartel (já que Fidelidade, Tranquilidade e Multicare assumiram a participação, abdicando de luta judicial) pediu extensão do prazo para poder recorrer desta decisão, mas ainda não há certezas sobre o próximo passo.

A Autoridade da Concorrência começou a investigar o cartel dos seguros em 2017, após uma denúncia feita pela Tranquilidade, tendo chegado a uma condenação final em 2019: “As empresas envolvidas no cartel combinavam entre si os valores que apresentavam a grandes clientes empresariais na contratação de seguros de acidentes de trabalho, saúde e automóvel, apresentando sempre valores mais altos, de modo a que a seguradora incumbente mantivesse sempre o cliente”, referiu a AdC.

No entanto, nem todas foram para tribunal, já que a Tranquilidade, por ter feito a denúncia (no âmbito do chamado programa de clemência), beneficiou de uma dispensa total da coima. A Fidelidade e a Multicare, que fazem parte do mesmo grupo, chegaram a um acordo, contando para a investigação, enquadrado num processo de transação, “no qual as empresas reconhecem a culpa e abdicam da litigância judicial”.

Ou seja, neste ponto, as três companhias assumiram a sua participação num cartel e, entre estas, a Multicare e a Fidelidade pagaram uma coima de 12 milhões, que corresponde a um corte de pelo 50% face à que seria aplicada se fossem para tribunal.

A Lusitania e a Zurich contestaram, por não admitirem essa participação, e foram esses recursos que foram decididos esta segunda-feira.

Fortes críticas à AdC

No tribunal, e em relação a tais recursos, a juíza Mariana Machado deu os factos imputados pela AdC como não provados, mas criticou a utilização dos pedidos de dispensa e de redução das coimas que foram apresentados pela Fidelidade e pela Tranquilidade pela forma como incriminavam as restantes concorrentes.

“Suscita-nos sérias dúvidas a circunstância de ter sido permitido às requerentes de clemência a apresentação sucessiva de requerimentos complementares do pedido inicial de clemência. Em concreto, as requerentes apresentaram, cada uma, quatro pedidos complementares ao pedido inicial, distendendo a sua interação com a recorrida e com isso assumindo o domínio da investigação, na medida em que condicionaram a recorrida [AdC] à sua estratégia de apresentação, segmentada no tempo e a trechos, da informação tida por incriminatória”, declarou a juíza.

Entretanto, a Zurich Portugal já quis reagir: “O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão confirmou que, tendo por base toda a prova apresentada, a Zurich Portugal não celebrou qualquer tipo de acordo de preços com outros seguradores, em prejuízo dos seus clientes”.

“A decisão reforça que os colaboradores da Zurich agem sempre de acordo com a lei e com todas as regulamentações do mercado, que honram sempre os princípios e valores da Zurich, que defendem o que é correto e que atuam segundo os mais altos padrões legais, regulamentares e profissionais. A decisão enfatiza também o compromisso da Zurich com a proteção de dados dos seus clientes e a confiança na forma como gere e lidera o seu negócio”, continuou a empresa em declarações enviadas ao Expresso.

AdC defende processo

Apesar da derrota em tribunal relativamente aos recursos da Lusitania e da Zurich, a AdC sublinha que isso não mostra que o cartel dos seguros não existiu.

“É importante sublinhar que a existência de um cartel entre seguradoras em Portugal não foi posta em causa por esta sentença do TCRS, que diz respeito a 2 das 5 seguradoras acusadas pela AdC”, indica fonte oficial, referindo-se à Tranquilidade, Fidelidade e Multicare que admitiram a participação nesse cartel quando fecharam acordos “ao abrigo do Programa de Clemência e do Procedimento de Transação”.

Aliás, a AdC, que na reação oficial não refere se vai recorrer desta decisão do Tribunal de Santarém, lembra que a Fidelidade pagou 12 milhões de euros - face aos 42 milhões que agora foram anulados.

Esta é uma decisão do tribunal que é tomada agora que é presidente Nuno da Cunha Rodrigues, o novo presidente da AdC, sendo que este é um caso decidido na autoridade na liderança de Margarida Matos Rosa.

(notícia atualizada pela última vez com mais informações e reações da Zurich e AdC pelas 17h20)

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

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