Sistema financeiro

Stiglitz: Falência do SVB foi resultado da política monetária e fraca supervisão da Fed

Stiglitz: Falência do SVB foi resultado da política monetária e fraca supervisão da Fed
Kacper Pempel

O prémio Nobel da Economia Joseph E. Stiglitz defende que a abordagem de bancos centrais como a Fed e o BCE está errada, e responsabiliza a subida acelerada das taxas de juro pela quebra do SVB

Neste novo ataque à política da Fed de aumento rápido das taxas de juro para combater a inflação, o prémio Nobel da Economia Joseph E. Stiglitz reafirmou que a inflação está a ser combatida da forma errada, com uma abordagem que pode até ser nociva para as economias globais - como prova o colapso do Silicon Valley Bank (SVB), vítima de uma gestão de risco errada da sua carteira de ativos.

Não foi o malparado que arruinou o Silicon Valley Bank (SVB), nem uma política de crédito que desvalorizasse os potenciais riscos; mas sim a subida hiperrápida das taxas de juro pela Reserva Federal dos Estados Unidos, disse o economista, professor da Universidade de Columbia e prémio Nobel da Economia em 2001.

As considerações foram feitas no âmbito de um debate organizado pelo Comité Sindical Consultivo (TUAC no acrónimo em inglês) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), sob o tema “As causas e as respostas de políticas públicas para a inflação elevada de hoje”. Intervieram Stiglitz e Álvaro Santos Pereira, economista-chefe da OCDE e antigo ministro da Economia.

O SVB faliu “não por mau crédito, mas sim porque a estrutura das taxas de juro estava a mudar”, descreveu. “O que aconteceu ao SVB foi uma espécie de perturbação no nossos sistema financeiro previsível (...) o rápido e excessivo aumento das taxas de juro” provocou um “trauma ao nosso sistema económico”, “ainda maior” depois de tanto tempo com taxas perto do zero.

Perante um aumento dos levantamentos de depósitos, o SBV vendeu obrigações de longo-prazo do Tesouro norte-americano abaixo do preço no mercado secundário para garantir liquidez imediata. O resultado foram falhas de capital na ordem dos 2 mil milhões de dólares que o banco pretendia solucionar com um aumento de capital; e perante uma corrida aos depósitos, as autoridades norte-americanas optaram pela resolução do banco e proteção da totalidade dos depósitos.

“Há poucas dúvidas de que o que aconteceu foi resultado da Fed”, sublinhou, acusando-a de fraca supervisão dos bancos mais pequenos. “Decidiram não regular os bancos que não eram os maiores bancos. Precisamos de regulação, incluindo testes de stress, para ver se poderia haver este tipo de perturbação”, disse.

E ironizou com os que acusaram a Fed e o Tesouro dos EUA de “risco moral” ao decidirem proteger integralmente os depósitos, além do limite de 250 mil dólares por depositante. “Um sinal de uma sociedade civilizada é que se põe o dinheiro no banco e devemos esperar recuperar o dinheiro. Diziam que era moral hazard [risco moral de garantir os depósitos na íntegra], dizendo que os depositantes deviam perder tempo das vidas a ver o balanço do banco quando nem a Fed o tinha feito”.

“Greedflation” é fator inflacionista

Subidas aceleradas das taxas de juro não são a solução para problemas provocados por falta de oferta, defendeu; e reconheceu haver razões para acreditar na existência de greedflation, palavra criada a partir da junção de greed (ganância em inglês) e inflation, para descrever inflação motivada pelo reforço das margens de lucro das empresas.

“O alvo de 2% [de taxa de inflação da Fed] é totalmente arbitrário, tal como o tempo para lá chegar e o custo de de lá chegar pode ser muito alto”, disse. Para uma crise com estas características, “a política monetária não é o instrumento certo; piora na verdade a situação”. Stiglitz acrescentou que simpatiza com o argumento de que taxas altas podem ter impactos positivos: “a inflação alta facilita a realocação de recursos, agora necessária para grandes reajustes estruturais”.

“O choque subjacente é o do lado da oferta”, disse Stiglitz, com “problemas na oferta originados pela pandemia”, como quedas na produção e perturbações nas cadeias de abastecimento. E também por “mudanças na procura”, com os consumidores a canalizarem a sua despesa a outros bens e serviços.

Os preços começaram a subir e a reação da política monetária norte-americana foi de aumentar as taxas de juro para conter o surto. “Aumentar as taxas de juro não levou a soluções para a falta de chips”, ironizou Stiglitz, que recordou que “neste momento temos um excesso de chips, temos o stock de carros a subir e os preços dos carros a descer”. “Foi uma crise incomum, não sabíamos quanto tempo ia durar, mas foi um choque temporário”.

O argumento de subir as taxas de juro para “arrefecer” o mercado de trabalho também não colhe, disse o economista, não se vislumbrando nos EUA uma temida espiral de preços e salários, na qual os primeiros sobem para compensar os maiores custos que as empresas têm com o pagamento de ordenados.

“Não me parece que a Fed e de outros bancos centrais tenham tomado em conta esta dinâmica de ajustamento do mercado de trabalho. Num mercado quente, os rendimentos reais deveriam subir”, o contrário do que está a acontecer: “um bom teste sobre o que está a acontecer nos mercados laborais é ver se os rendimentos reais estão a subir”, disse.

Já um fator de subida dos preços, e que se mantém até agora, foi “o enorme exercício de poder de mercado” de empresas incumbentes de cada setor, "com aumentos enormes e nos mercados e setores onde havia poder de mercado antes da crise”, criticou Stiglitz, dizendo que os markups “podem e devem descer”.

Reconhecendo que tende a "evitar termos normativos como greedflation”, crê mesmo assim que é um termo que descreve a situação atual. “A concorrência irá gradualmente erodir esses lucros, mas não vai acontecer do dia para a noite”, até porque quem vende não tem agora pressão para competir. Ou: “se eu baixar os preços, o meu concorrente também vai”, na descrição de Stiglitz.

Apoio às crianças com mais impacto no PIB do que cortes no IRS

Uma forma de promover o regresso ao mercado de trabalho, e as pressões inflacionistas criadas pela pandemia, passa pela diminuição dos custos das famílias com creches e cuidados infantis, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). A redução do peso desta despesa no orçamento familiar tem inclusive um efeito multiplicador maior no produto interno bruto dos países do que cortes nos impostos sobre os rendimentos, os efeitos de maior concorrência, e abertura ao comércio internacional, por ordem decrescente.

Numa apresentação significativamente mais rápida do que a do seu colega de painel Joseph E. Stiglitz, Álvaro Santos Pereira, economista-chefe da OCDE e antigo ministro da Economia do governo liderado por Pedro Passos Coelho, concordou com a tese do do prémio Nobel da Economia de que “nos devíamos focar em problemas estruturais” do lado da oferta no combate à inflação.

Reconheceu que “a inflação começou claramente do lado da oferta, é inquestionável”. Mas ressalvou que atualmente é resultado de pressões tanto do lado da procura como da oferta em várias economias. E elencou as áreas que devem ser alvo de reforma para aumentar a participação laboral, fortemente afetada depois do impacto da pandemia.

Santos Pereira reconheceu que os aumentos de preços “são grandes em muitos países”, ecoando as críticas de Stiglitz. Recordou o papel da imigração na inflação, dizendo que se registaram reduções “muito fortes” da entrada de estrangeiros em vários países da OCDE; e aludiu às discrepâncias de género, dizendo que “a redução desses “fossos” é muito importante de forma a aumentar a produção”.

O economista-chefe apelou a um comércio internacional livre. Nos próximos tempos, “manter os mercados abertos vai ser muito importante”, apesar de “haver sinais de aumento do protecionismo, algo com que nos preocupamos. Se voltarmos a um mundo mais protecionista, isso terá um impacto imediato em todas as partes do mundo”.

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