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Luís Delgado apresenta em 27 de dezembro plano de reestruturação da Trust in News: "Não sei como vai acabar a empresa"

Luís Delgado apresenta em 27 de dezembro plano de reestruturação da Trust in News: "Não sei como vai acabar a empresa"
Nuno Botelho

Proprietário do grupo que detém 17 meios de comunicação social, entre os quais as revistas Visão e Exame e o Jornal de Letras, vai propor conversão de 50% das dívidas em publicidade e corte de 25%. Sindicato dos Jornalistas fala em irresponsabilidade da gestão e Comissão de Trabalhadores diz que houve inação. Todos pedem apoio ao Estado para que se encontre uma solução para a empresa antes da assembleia de credores que se realiza a 29 de janeiro

Luís Delgado apresenta em 27 de dezembro plano de reestruturação da Trust in News: "Não sei como vai acabar a empresa"

Pedro Lima

Editor-adjunto de Economia

O presidente da Trust in News (TIN), Luís Delgado, anunciou esta terça-feira que vai apresentar em 27 de dezembro um plano de reestruturação, com "medidas diretas específicas".

Luís Delgado falava na comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, no âmbito dos requerimentos dos grupos parlamentares do Livre e do PS sobre a situação em que se encontra o grupo, que detém 17 meios de comunicação social, entre as quais a Visão mas também a Exame, a Caras e o Jornal de Letras. A TIN tem uma assembleia de credores marcada para 29 de janeiro, determinante para o seu futuro, após ter sido declarada insolvente no início deste mês.

"Este plano, com medidas diretas específicas, vai ser apresentado no dia 27 de dezembro junto do tribunal e, previamente a isso, junto do administrador de insolvência que, tanto quanto nos disse a nós, diretamente, não tem nenhum plano", acrescentou.

"Também acho que não está muito interessado em conhecer os planos de reestruturação, mas ser-lhe-á mostrado na altura", asseverou Luís Delgado.

"Não sei como vai acabar a empresa, até pode acontecer como já ouvi que o administrador de insolvência até final deste mês" se não tiver dinheiro para pagar os ordenados, a envie imediatamente para liquidação, referiu.

Ou seja, "liquida imediatamente a empresa e eu não posso fazer nada", enfatizou Luís Delgado.

Agora, "o que eu posso fazer, e vai ser apresentado a 27 de dezembro, é um plano de reestruturação que me comprometi a fazer e entregar no tribunal, porque se for assim ao menos existiu ali um plano de reestruturação", anunciou o gestor, acionista único da TIN.

A ideia é “manter os pilares das medidas que tomámos [em 2023]”, prosseguiu, referindo que uma das decisões passou pela conversão das assinaturas da Visão em papel para a versão digital.

"Fizemos a conversão, percebemos que era única saída que tínhamos para poupar, não havia outra solução e muitas pessoas, centenas, dezenas, milhares aderiram a essa solução, muitas desistiram", mas "sabíamos que isso iria acontecer, que iríamos ter uma quebra de 50%, estava previsto", relatou.

Contudo, "aos poucos", as assinaturas digitais, sem custos, "estão a voltar" e esse era "um pilar do plano".

O segundo era que "quem quisesse sair, saía e não preenchíamos o lugar", e o terceiro "foi conseguir reduzir em 44% aquilo que eram os custos de produção: papel e impressão", acrescentou, contando que tinha transferido a impressão das publicações para uma outra gráfica de forma a poder reduzir custos.

A ideia é também continuar a cortar naquilo que fosse possível. "Se eu tivesse gestão corrente, desde o dia 4 de dezembro teria dito ao senhor administrador de insolvência o seguinte: 'Vamos suspender de imediato as publicações que tenham margem de contribuição negativa'".

Essas publicações não seriam encerradas mas sim suspensas, de forma a estabilizar a empresa. Isso levaria à saída de algumas pessoas mas outras poderiam ser transferidas para as publicações rentáveis. “Seria concentrar os esforços em todas as revistas que ficassem”. Além disso, outra medida defendida por Luís Delgado passa pelo redimensionamento do espaço físico, atendendo a que hoje muito do trabalho pode ser feito à distância, em teletrabalho.

Por último, o proprietário da TIN considera propor aos credores privados, às quais deve cerca de 15 milhões de euros, a conversão de 50% das dívidas em publicidade tanto em papel como em digital e um corte dessas dívidas em 25%, sendo os restantes 25% pagos num prazo alargado até a empresa estar estável. De fora deste plano estariam as dívidas ao Estado (Autoridade Tributária e Aduaneira e Segurança Social) e os trabalhadores.

“Não comprei o que estimava que estava a comprar”

O presidente da TIN afirmou também aos deputados que a compra das publicações ao grupo Impresa, em 2018, não foi o que "estimava que estava a comprar" e que tinha como objetivo fazer crescer o grupo.

"Eu não comprei o que estimava que estava a comprar, eu não comprei o que queria comprar, eu não comprei o que pensava que estava a comprar", afirmou, por mais do que uma vez, o proprietário da TIN, referindo que quando assumiu o negócio não tocou "em nada", nem em "ninguém", pelo contrário "as mesmas" pessoas continuaram no projeto, pelo que "alguma coisa estava mal para trás".

Contou que quando comprou os títulos reuniu-se com as pessoas referindo que "todos em conjunto" deveriam trabalhar com administração para atingirem o caminho certo, até porque detesta "crises" e "intranquilidade".

Luís Delgado foi questionado pelos deputados sobre como chegou aos 32 milhões de dívida que levaram a que tivesse em maio de recorrer a um processo especial de revitalização (PER), chumbado pelo Estado - o que depois deu origem à declaração de insolvência no início deste mês.

Explicou que em 2018, aquando da compra à Impresa, a "nossa dívida era 18 milhões, 10 milhões era logo o preço da compra", onde se incluía também o 'factoring' do Novo Banco. Depois houve obras para mudar do edifício da Impresa para a Quinta da Fonte, no concelho de Oeiras.

Em 2019, o passivo era de 16 milhões de euros, em 2020, ano em que começou a pandemia, passou para 20 milhões de euros, e em 2021 atingiu cerca de 27 milhões de euros. Atualmente, dos 10,2 milhões de euros acordados para comprar os títulos à Impresa, há uma dívida de quatro milhões de euros.

O passivo do grupo "resulta de não bom funcionamento que era expectável funcionar, no nosso mercado de papel e digital as coisas estão dificílimas, nenhuma administração consegue responsabilizar-se pelas receitas", apenas pode fazê-lo nos custos, argumentou.

Luís Delgado referiu por várias vezes que "todos sabiam" como estavam as vendas dos títulos do grupo.

"Temos uma estimativa mensal" feita pela Vasp sobre as vendas das revistas em banca: "Há uma revista muito importante que na passada quinta-feira vendeu 7.000 exemplares", apontou.

O gestor salientou que quando comprou o grupo, embora "não sendo aquilo que esperava", tinha como aposta crescer.

"Fazer mais revistas - comprei 12 à Impresa, temos 17 -, era importante crescer em papel e digital, apostar muito nos nichos de mercado de alto valor", explicou, adiantando também a importância de "apostar tudo naquilo que são as tendências digitais".

Sobre as propostas de compra de títulos que recebeu durante o PER, uma foi de 400 mil euros - o administrador judicial disse "que não" - e a segunda proposta de 550 mil euros por seis revistas, também foi rejeitada - significava "fatiar a empresa".

A covid e as "consequências dramáticas" da guerra na Ucrânia levaram a que se deixasse de "faturar cinco milhões de euros", com grande impacto em termos de tesouraria.

“Administração tentou encontrar saídas”

Luís Delgado começou a audição pedindo desculpa aos trabalhadores e às suas famílias pela situação que a empresa atravessa.

Adiantando que a administração tentou "encontrar saídas", referiu que havia a convicção de que teriam tempo para encontrar o equilíbrio entre os custos e as receitas da empresa.

"Não conseguimos, não fomos nós que levamos a empresa ao pedido de insolvência", salientou Luís Delgado, ou seja, só se avançou para isso porque a Autoridade Tributária e a Segurança Social recusaram a aprovar o PER.

Questionado sobre quando percebeu que a TiN não era rentável, Luís Delgado disse que percebeu logo depois da sua compra.

"Quando é que percebi que tinha um grupo que não era rentável? Percebi um mês depois de ter comprado, dois meses, cinco anos depois, percebi sempre", afirmou.

“Alguma irresponsabilidade da gestão”, diz o Sindicato dos Jornalistas

Também o presidente do Sindicato dos Jornalistas (SJ), Luís Simões, foi ouvido no Parlamento, tendo lembrado que estão 94 salários de outubro por pagar na TIN, todos os de novembro e os últimos subsídios de férias e de Natal, assim como os últimos seis subsídios de refeição.

O grupo conta com 137 trabalhadores neste momento, indicou.

Luís Simões apontou os efeitos da crise que a TiN tem na distribuição de publicações. "A certa altura, neste processo, falei com a Vasp porque esta manifestou alguma preocupação com a quebra que será muito grande nas receitas", de "200 mil euros", o que terá impacto na imprensa regional, prosseguiu.

Até porque a Vasp terá dito que "não consegue manter preços sem a TIN", pelo que se aumentar os preços isso vai refletir-se na imprensa regional e local.

Questionado como chegou este grupo de comunicação social à atual situação, respondeu: "Acho que houve em alguns momentos alguma irresponsabilidade na gestão, porque não se pagou à Segurança Social e à Autoridade Tributária", que são os dois maiores credores da dona da Visão e chumbaram o PER.

Luís Simões salientou que é preciso "ter algumas soluções" antes de se chegar à assembleia de credores a 29 de janeiro. Algumas dessas soluções podem passar pelo levantamento dos penhores por parte da Autoridade Tributária e da Segurança Social.

"O Estado não pode perdoar dívidas, mas haverá formas de permitir que a Visão seja um título viável", que se levante penhores e que esta "possa ser vendida, ser sustentável", defendeu.

"Acredito que a solução possa passar por aí, tive a garantia que dentro do quadro legal o Governo está disposto a tudo fazer para salvar títulos" por estes "serem fundamentais à democracia" e é importante ter "uma imprensa livre e forte", reforçou.

Esse é um caminho para a AT e a Segurança Social encontrarem formas de "não serem carrascos", "temos que ter soluções" antes da assembleia de credores, insistiu.

Luís Simões disse ainda que uma das questões que gostaria de colocar a Luís Delgado, dono da TiN, era porque não apresentou o plano quando estava a decorrer o PER.

"Porque é que o plano não avançou antes de chegarmos aqui", questionou.

“Inação”, diz a Comissão de Trabalhadores

Já a Comissão de Trabalhadores (CT) da TIN disse aos deputados que houve "inação" da parte da administração. "Não sabemos se houve má gestão", mas houve "uma inação", disse Carolina Almeida, da CT, referindo que ao longo do tempo deveriam ter sido "tomadas algumas ações".

O sentimento é de que "deveria ter sido feito mais alguma coisa para não chegarmos a este ponto, as decisões deveriam ter sido mais duras" para "não colocar os trabalhadores nesta situação", acrescentou.

Rui da Rocha Ferreira, também membro da CT, disse que foi dado "sempre o benefício da dúvida", sublinhando que "Luís Delgado sempre teve abertura tanto com CT" como com os delegados sindicais e outros representantes.

"Sempre houve abertura para falar" com Luís Delgado, "sempre fomos alertando para os problemas que eram óbvios e nunca sentimos da parte da administração o mesmo nível de preocupação", disse.

A CT apelou à intervenção do Governo na mediação junto dos credores, já que há marcas de revistas que foram dadas como garantias à Segurança Social e à Autoridade Tributária para em caso de haver interessados "essa questão das garantias não vir a ser um entrave".

Já "é altura de os deputados discutirem de forma séria o que querem da comunicação social, tem de ser definido como setor crítico", defendeu Rui da Rocha Ferreira, apontando que em caso de "crise, por exemplo, haver um fundo que possa intervir" e uma "vigilância às contas" das empresas do setor.

Aliás, "pode e deve-se começar a olhar de forma mais estrutural para as empresas de comunicação", defendeu, rematando: "Se é para a TiN cair, que se aprenda alguma coisa" com isso.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: PLima@expresso.impresa.pt

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