Economia

Estudo: restringir contratos a termo penaliza o emprego e os trabalhadores

Portugal restringiu em 2009 o uso de contratos a termo para empresas com mais de 750 trabalhadores. Mas, a reforma não levou ao aumento da contratação permanente e diminuiu o emprego nas maiores empresas. Mais ainda, reduziu o emprego total na economia, conclui o estudo “Employment effects of restricting fixed-term contracts: Theory and evidence”

Negociado no primeiro Governo de António Costa, pelo então ministro do Trabalho, José Vieira da Silva, o acordo da concertação social para alterar o Código do Trabalho, que entrou em vigor em outubro de 2019, apertou o cerco à utilização de contratos a termo. Em causa estiveram medidas como a diminuição da duração máxima dos contratos a termo certo para dois anos, com limite de três renovações; a eliminação da justificação da contratação a termo apenas porque o trabalhador é um jovem à procura de primeiro emprego ou um desempregado de longa duração; ou a limitação da contratação a termo em caso de lançamento de um novo estabelecimento às empresas com menos de 250 trabalhadores (anteriormente era permitida às empresas com menos de 750 trabalhadores). Foi criada também uma contribuição adicional para a Segurança Social no caso de empresas com contratação a termo superior à média do sector, a chamada taxa de rotatividade, que devia ter sido operacionalizada em 2020, começando a ser paga em 2021. Mas, tem vindo a ser adiada, com o Governo a justificá-lo com a crise provocada pela pandemia de covid-19.

O objetivo anunciado pelo Governo foi diminuir o recurso à contratação a termo no país – que afeta sobretudo os jovens – e estimular a contratação permanente. E o segundo Executivo de António Costa retomou o tema na Agenda do Trabalho Digno, aprovada em Conselho de Ministros em outubro do ano passado, mas que a dissolução do Parlamento deixou em suspenso.

Contudo, o estudo “Employment effects of restricting fixed-term contracts: Theory and evidence”, assinado por Pierre Cahuc, Pauline Carry, Franck Malherbet e Pedro Martins, publicado esta segunda-feira no portal Vox, sinaliza que restringir a contratação a termo pode não ter os efeitos desejados. Analisando uma alteração às leis do trabalho em Portugal, em 2009 – que vedou o recurso a contratos a termo no lançamento de novos estabelecimentos às empresas com 750 ou mais trabalhadores, quando até aí todas os podiam usar nessa situação – o estudo conclui que esta alteração reduziu o número de empregos com contratos a prazo, mas, em contrapartida, não aumentou a contratação permanente e diminuiu o emprego nas grandes empresas. Mais ainda, apesar de alguns efeitos positivos nas pequenas empresas, aponta que reduziu o emprego total na economia e teve efeitos negativos no bem estar-estar dos trabalhadores e desempregados.

Os autores recorreram aos dados dos Quadros de Pessoal, compilados pelo Ministério do Trabalho e que retratam a realidade das empresas em Portugal, e descobriram que “a reforma reduziu com sucesso o número de contratos com termo em novas grandes empresas. Contudo, isto deveu-se, em parte ao facto de o número de novas empresas a serem estabelecidas também ter diminuído”, lê-se no artigo. “Mais ainda, o número de contratos permanentes em novas grandes empresas não aumentou e, em algumas das nossas especificações, até diminuiu”, destacam os autores, acrescentando que quando se considera o número de contratos a termo e permanentes, em conjunto, “descobrimos que diminuíram significativamente”.

“Concluímos que empresas maiores diminuíram a contratação a termo, mas também diminuiu a contratação total. Ou seja, não cresceram tanto. Houve apenas redução da contratação a termo, sem substituição por contratação sem termo”, explica ao Expresso Pedro Martins, co-autor do estudo, professor da Nova SBE e antigo secretário do Estado do Emprego no Governo PSD/CDS-PP de Pedro Passos Coelho. E chama a atenção de que na alteração ao Código do Trabalho que entrou em vigor em 2019, a possibilidade de contratação a termo em caso de lançamento de um novo estabelecimento voltou a ser restringida, passando a aplicar-se apenas às empresas com menos de 250 trabalhadores.

“Os nossos resultados indicam que a restrição do uso de contratos a termo não encorajou as grandes empresas a contratar de forma permanente em alternativa. Isto indica que há um grau limitado de substituibilidade entre contratos a termo e contratos permanentes”, salienta o estudo.

Trabalhadores “empurrados” para as pequenas empresas

Os autores também encontraram evidências de repercussões nas pequenas empresas, que não são afetadas diretamente pela alteração à legislação laboral: “Pequenas empresas mais expostas às grandes empresas – por causa da sua localização geográfica e sectorial comum – tendem a beneficiar mais da redução da contratação a termo das grandes empresas, já que as pequenas empresas acabam por contratar mais trabalhadores”, escrevem. O modelo desenvolvido pelos autores “mostra que as pequenas empresas beneficiam indiretamente da reforma: elas criam mais empregos e mais estabelecimentos. A presença de pequenas empresas que competem com as grandes na contratação de trabalhadores amplifica, assim, o impacto negativo desta reforma no emprego das grandes empresas”, destaca o estudo.

Como resultado desta alteração à legislação laboral, “vimos deslocação de trabalhadores para empresas mais pequenas. As empresas grandes passaram a contratar menos, ‘empurrando’ os trabalhadores para empresas pequenas”, aponta Pedro Martins, chamando a atenção para uma consequência negativa deste movimento: “As empresas mais pequenas são, em regra, menos produtivas e pagam salários mais baixos”.

Somando contratos a termo e contratos permanentes, os autores chegam a uma redução do emprego nas maiores empresas da ordem dos 1,3% (com uma diminuição de 1,3% no número de contratos permanentes e uma redução de 1,5% no número de contratos a termo). Contudo, “como as pequenas empresas representam cerca de 85% do emprego total, a sua reação [aumento do emprego] tem um efeito relevante nas mudanças no emprego total induzidas pela reforma: as estimativas do impacto da reforma no emprego total (…) são cerca de 13 vezes mais baixas”, vinca o estudo. Ou seja, a diminuição do emprego total fica pelos 0,1% (com uma diminuição de 0,1% no número de contratos permanentes e uma redução de 0,3% no número de contratos a termo).

Os autores também chegam a conclusões ao nível do bem-estar. “Descobrimos que restrições à criação de contratos a termo são prejudiciais ao bem-estar dos trabalhadores desempregados porque terão menos oportunidades de encontrar empregos”. Esta queda no bem-estar dos trabalhadores desempregados “aumenta os custos associados a um potencial desemprego futuro dos próprios trabalhadores empregados”, explica Pedro Martins. E o estudo estima que expandir as restrições ao uso de contratos a termo a todas as empresas “tem um impacto negativo muito maior no bem-estar dos trabalhadores desempregados: o seu bem-estar cai 5,4% comparado com quando a reforma se aplica apenas a grandes empresas, em que o seu bem-estar cai 0,7%”. Este resultado indica que “permitir às empresas contratar trabalhadores de forma temporária melhora significativamente a eficiência do mercado de trabalho no nosso contexto”, rematam os autores.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate