Tecnologia

O maravilhoso mundo dos computadores gigantes (e o traiçoeiro exercício de futurismo)

Conjunto de unidades de disco dos nos 1970 com uma capacidade de memória inferior à que muita gente hoje tem no bolso
Conjunto de unidades de disco dos nos 1970 com uma capacidade de memória inferior à que muita gente hoje tem no bolso
Rui Ochôa

Isto foi dito há umas décadas: “Não há nenhuma razão para que alguém queira ter um computador em casa”. Eram dias de computadores monstruosos - o futurismo, sempre traiçoeiro, não tinha como antever estes dias em que o mundo inteiro anda nos nossos bolsos, dentro de um telefone, ou em cima das nossas secretárias, em computadores cada vez mais pequenos. Estima-se que sejam vendidos 571 mil portáteis e três milhões de smartphones em Portugal este ano - o maior número de sempre. Este é o 17.º artigo da série “30 Retratos” que o Expresso está a publicar diariamente. São 30 temas, 30 números e 30 histórias que ilustram o que Portugal é hoje em vésperas de eleições

Recuemos até 1943. Um dia, Thomas John Watson, fundador da IBM, que então produzia máquinas de escrever e calculadoras eletromecânicas, disse: “Penso que haverá um mercado mundial para talvez cinco computadores”. Avancemos para 1977, quando, a propósito da anunciada emergência dos computadores pessoais, Ken Olson, fundador da Digital Equipment Corporation (DEC), o maior fabricante mundial de minicomputadores dos anos 1970, afirmou: “Não há nenhuma razão para que alguém queira ter um computador em casa”.

Os dois momentos ilustram como, quando se fala de tecnologia, “as coisas avançam mais depressa do que estamos preparados para perceber”, diz António Dias de Figueiredo, investigador e professor catedrático aposentado do departamento de Engenharia Informática da Universidade de Coimbra (UC).

Já em 2015, segundo os números da consultora IDC Portugal, estima-se que sejam vendidos 571 mil portáteis, 165 mil computadores desktop e quase 70 mil “2in1”, ou seja, os novos modelos que juntam tablet e portátil num só. E é esse segmento que tem vindo a aumentar, assim como os smatphones, ao contrário dos computadores desktop e tablets, que têm descido.

“Os desktop são hoje um pequeno nicho, já que grande parte das vendas são tablets e portáteis. Claramente, e a partir de 2002, verificamos que as funcionalidades, performance e preços dos portáteis vieram fazer decrescer as vendas de desktop”, afirma Gabriel Coimbra, diretor-geral da IDC Portugal.

A consultora também prevê uma queda nas vendas de tablets em 2015 e 2106. “A introdução dos 2in1 e o crescimento dos smartphones com ecrãs com mais de 5 polegadas são as duas principais razões.”

Os primeiros computadores em Portugal

Muito fica para trás na história da utilização de computadores em Portugal. Para contar a história, há que ir até anos 1940, altura em que já havia calculadoras eletromecânicas, permitindo fazer cálculos complexos. “Eram máquinas enormes, baseadas em peças mecânicas (eixos, rodas dentadas,) e em mecanismos elétricos, um pouco como as antigas rotativas dos jornais", explica António Dias de Figueiredo.

“A CUF (Companhia União Fabril), por exemplo, já tinha, na década de quarenta, uma calculadora eletromecânica com programação externa e outro equipamento eletromecânico, das marcas Bull e IBM”, conta o professor da UC, referindo que na década de 1960 a CUF adquiriu dois computadores eletrónicos.

“As grandes construções de barragens hidroelétricas, que marcaram os anos 1960 em Portugal, foram provavelmente os maiores consumidores de poder de cálculo dos primórdios da informática no nosso país.” Também o LNEC, que apoiava esses trabalhos, viria a ter computadores eletrónicos nessa altura.

Eram precisos “milhões de dólares” para comprar um destes computadores, mas havia outros que rondavam os 500 mil dólares. “Em Portugal, a capacidade para comprar máquinas dessas estava nas grandes empresas (CUF, EDP, outras hidroelétricas) e no LNEC, este por causa da sua relevância para as grandes construções: barragens e pontes.” À administração pública também viriam a chegar, mas um pouco mais tarde.

No início da década de 1970, os computadores que existiam nos serviços públicos estavam sobretudo concentrados em Lisboa. “Dos 65 computadores instalados, 54 dedicavam-se a atividades de gestão, estando sete dedicados a cálculo científico”, lê-se no artigo “Engenharia Informática, Informação e Comunicações”, escrito por Dias de Figueiredo.

O desempenho de um computador nos anos 1980, considerado “vertiginoso”, era inferior ao dos smartphones mais modestos de hoje
Getty Images

“As principais funções dos primeiros computadores em Portugal foram o cálculo e processamento financeiro, contabilístico e de salários, nas empresas; e o cálculo científico, para aplicação às grandes estruturas de construção civil, com destaque para barragens hidroelétricas e pontes.” Aos poucos começaram a ser desenvolvidas outras utilizações mais sofisticadas, como o processamento dos “check in” nos aviões ou a aplicação ao bilhete de identidade no Ministério da Justiça.

Eram computadores tão grandes que ocupavam uma sala e precisavam de sistemas de ar condicionado para retirar o calor que produziam e para manter a humidade a níveis compatíveis com a extrema sensibilidade das partes mecânicas, explica Dias Figueiredo. “O seu desempenho, na altura considerado vertiginoso, era inferior ao dos smartphones mais modestos da nossa época.”

3 milhões de smartphones por ano

Justin Sullivan/Getty Images

Dando o salto para os dias de hoje, é precisamente o mercado de smartphones que tem vindo sempre a aumentar. As primeiras vendas registadas pela IDC são de 2003. “Em 2015 prevemos que sejam vendidos mais de 3 milhões de unidades em Portugal (o maior número de sempre). É o dispositivo de acesso a informação com mais vendas em todo o mundo e em Portugal.”

A maior taxa de crescimento registou-se em 2007, “que coincide com o lançamento do iPhone a nível mundial, apesar de em Portugal a comercialização apenas ter iniciado em 2008”. Só em 2009 é que se verificou “uma retração pontual no mercado nacional em função da crise financeira e económica”, segundo Gabriel Coimbra. Já em 2014, o mercado cresceu 24% e a consultora prevê que cresça 12% em 2015.

Quando se trata de comprar um telemóvel ou um computador, os critérios de escolha dos portugueses são diferentes. “No caso dos smartphones vemos um segmento muito claro onde a maior preocupação é a performance, imagem e o status social”, explica o diretor-geral da IDC, avançando que entre 10% a 12% das vendas de smartphones em Portugal são topo de gama, ou seja, equipamentos acima dos 500 euros.

“Contudo, há também um segmento onde a preocupação é o preço, já que mais de 40% das vendas são equipamentos de entrada de gama (menos de 100 euros). Já no caso dos computadores, claramente o preço é um dos principais fatores na escolha e na dinâmica do mercado.”

Um smartphone hoje, um computador nos anos 1980

“Hoje nem sequer podemos distinguir o que é um computador do que não o é. Os smartphones dos nossos dias são computadores muito mais potentes do que a generalidade dos computadores dos anos oitenta”, realça Dias de Figueiredo.

“O Portugal que saiu da revolução de Abril era um país justificadamente cheio de sonhos e vontade de mudança e aderiu com muita rapidez ao fenómeno dos computadores pessoais.” Pouco depois, nos anos 1980, chega “um período extraordinário de implantação dos computadores pessoais”.

Em 1985, havia mais de 150 mil computadores pessoais no país, registando-se uma das mais elevadas taxa de penetração por família em toda a Europa.

A partir de então, os números começam a aumentar. Gabriel Coimbra destaca que em 2010 as vendas de smartphones ultrapassam pela primeira vez as dos computadores portáteis. “Entramos claramente na 3ª plataforma tecnológica, onde a mobilidade tem vindo a dominar os dispositivos de acesso à informação.” Três anos depois, as vendas de tablets ultrapassaram os portáteis.

E ainda que, um dia, Ken Olson, fundador da DEC, tenha dito não ver razões para alguém querer ter um computador em casa, mais tarde viria a ter noção da mudança. Em 1998, com a empresa em falência por incapacidade de concorrer com o mercado, a DEC foi vendida à COMPAQ, um destacado fabricante de computadores pessoais.

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