Um acórdão de 16 de março deste ano do Tribunal Constitucional criou nas empresas de energia a esperança de um fim à vista na Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), ao dar razão aos argumentos apresentados pela Lisboagás para não ter de pagar aquele tributo desde 2018. Só que pouco mais de dois meses depois, a 25 de maio, um outro acórdão, num processo de uma outra empresa, veio dar razão ao Estado, decidindo que a CESE é constitucional. O acórdão, noticiado esta terça-feira pelo “Jornal de Negócios”, e consultado pelo Expresso, foi votado favoravelmente por quatro juízes conselheiros, com o voto contra de um quinto juiz, que integrava o coletivo que em março havia declarado a inconstitucionalidade.
Os dois processos não são exatamente iguais, mas têm alguns pontos em comum. Um deles é que os contribuintes que recorreram até ao Constitucional não são do setor elétrico (são empresas do setor do gás natural), e invocaram, em ambas as argumentações, que desde 2018 deviam estar isentas do pagamento da CESE, na sequência de decisões judiciais anteriores que indicavam que desde aquele ano deixou de haver justificação constitucional para vigorar a CESE.
No processo decidido em março estava em causa um recurso da Lisboagás (empresa do grupo Floene, hoje controlado pela Allianz, depois de durante anos ter pertencido à Galp), e o acórdão proferido levou a Floene a admitir que novas ações de outras empresas do grupo poderiam vir a ter um desfecho similar.
No processo decidido em maio sabe-se para já, apenas, que se trata de uma empresa que impugnou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja a liquidação de CESE no valor de 48 mil euros. Aquele tribunal não deu razão à empresa (não identificada pelo Constitucional), que recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, que manteve a decisão da primeira instância. Por essa razão, a empresa visada recorreu para o Constitucional, pedindo a fiscalização dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do Regime Jurídico da CESE.
Neste caso, o contribuinte argumentava que a CESE violava os princípios da capacidade contributiva e da equivalência, da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, e da liberdade de iniciativa económica, entre outros.
A decisão dos juízes do Constitucional, a 25 de maio, foi “não julgar inconstitucional o artigo 2.º, 3.º e 12.º, todos do Regime Jurídico da Contribuição Extraordinária do Setor Energético”. O acórdão foi aprovado pelos juízes António José da Ascensão Ramos, Assunção Raimundo, José Eduardo Figueiredo Dias e Mariana Canotilho. Já Gonçalo de Almeida Ribeiro votou vencido, emitindo uma declaração em que classifica como “improcedente” o argumento usado pelos seus colegas.
Gonçalo de Almeida Ribeiro foi o juiz relator do acórdão de março, que havia decidido a favor da empresa Lisboagás, nessa altura com uma sentença subscrita também por outros três conselheiros do Constitucional, Joana Fernandes Costa, Afonso Patrão e João Pedro Caupers.
Naquele acórdão o Tribunal Constitucional havia concluído que “a partir de 2018, o legislador reduziu os objetivos a que a CESE se dirige em termos tais que deixou de ser possível afirmar que as concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural podem ser consideradas responsáveis pela sua concretização, e muito menos presumíveis causadoras ou beneficiárias das prestações públicas que ao FSSSE [Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético] incumbe providenciar”. E assim o Tribunal considerou que a CESE violava o princípio constitucional da igualdade.
A decisão de maio, todavia, teve um entendimento distinto, notando que “o encargo a que a recorrente fica sujeita por via da CESE não se pode entender descontextualizado ou desproporcionado face às contrapartidas de que beneficia”. O acórdão refere que se as empresas de gás natural fossem excluídas da CESE isso é que “representaria um tratamento tributário desigual e injustificado entre operadores”.
Recorde-se que a CESE foi criada no final de 2013 como uma contribuição extraordinária a cobrar às empresas de energia, aplicando uma taxa sobre o valor dos seus ativos líquidos em Portugal. Nessa altura o objetivo do Governo de Pedro Passos Coelho era angariar anualmente mais de uma centena de milhões de euros para deduzir aos custos do sistema elétrico nacional, contribuindo para a redução da dívida tarifária.
A CESE teve depois várias extensões, incluindo às empresas de gás natural, e continua a ser cobrada até hoje pela Autoridade Tributária. Alguns grandes contribuintes sempre contestaram o pagamento, como foi o caso da Galp. Recentemente a EDP, outro grande pagador de CESE, desistiu de litigar em torno da contribuição, mas a elétrica vem insistindo na necessidade de o Governo português honrar o compromisso de progressivamente reduzir a CESE à medida que a dívida tarifária da eletricidade vai diminuindo.
O Governo liderado por António Costa não assumiu, contudo, nenhum compromisso sobre o ano em que deixará de cobrar a CESE. No ano passado o Estado arrecadou 125 milhões de euros por esta via.