Têm sido múltiplos os anúncios e promessas de investimento em energias renováveis em Portugal, mas, mesmo assim, o país corre o risco de não conseguir maximizar o retorno económico da descarbonização, alerta o centro de investigação europeu E3G, que, no seu mais recente trabalho, deixa várias recomendações a Portugal, para ampliar as possibilidades de sair a ganhar com a transição energética.
“A falta de políticas tecnológicas nacionais transversais a vários setores coloca Portugal em risco de ficar de fora do impulso global de investimento em tecnologias limpas e do crescente interesse de multinacionais em investir no sudoeste da Europa”, pode ler-se no relatório.
A análise, feita pelos investigadores Artur Patuleia e Aleksandra Waliszewska, deixa um conjunto de recomendações sobre como pode Portugal minimizar o risco de perder para outros países o valor acrescentado da descarbonização.
No seu trabalho, os especialistas do E3G (um think tank europeu que se dedica à análise das alterações climáticas) sublinham que “o forte impulso global em investimento na indústria verde constitui uma oportunidade para Portugal desenvolver cadeias de valor do lítio e do hidrogénio verde”.
Mas referem também que “o caso português é ilustrativo de que países da União Europeia de menor rendimento podem fazer melhor uso das suas vantagens comparativas, contribuindo assim para uma maior convergência económica europeia”. E também defendem que “o quadro de política industrial da UE deverá ser melhorado, de forma a evitar agravar os desequilíbrios económicos e industriais já existentes”.
Os problemas
O relatório do E3G sobre Portugal nota que “as escolhas que Portugal fizer nos próximos anos serão críticas”, diagnosticando alguns problemas. Um dos exemplos é que “a atual carteira de projetos de hidrogénio verde se dedica principalmente à exportação de recursos ou usos de baixo valor acrescentado, como a mistura de hidrogénio verde na rede de gás fóssil”.
Seria mais proveitoso para o país, defende o E3G, centrar a produção de hidrogénio no abastecimento de uma indústria de aço verde, atraindo nova capacidade industrial no fabrico de carros elétricos, ou na produção de equipamentos para as eólicas no mar.
Há, diz o E3G, uma série de “barreiras” que estão a impedir Portugal de adotar uma cadeia de valor integrada para tirar partido das energias limpas.
A análise destaca “a falta de orientação estratégica do quadro de política industrial”, que se traduz na falta de sinais claros sobre as prioridades políticas.
Além disso, os indicadores disponíveis mostram que “Portugal ainda enfrenta desafios na expansão da inovação”. E os autores do relatório também salientam que não há no país uma estrutura dedicada ao desenvolvimento da cadeia de valor das tecnologias limpas.
O relatório refere ainda que “há poucos campeões nacionais de escala suficiente para criar o necessário impulso para as cadeias de valor de indústria limpa”, o que torna a aposta na indústria verde mais dependente de investimento externo.
Adicionalmente, as comunidades locais próximas dos sítios com potencial de extração de lítio enfrentam desafios ambientais, bem como uma incerteza sobre que benefícios podem tirar desta nova indústria.
E as recomendações
O E3G deixa, por isso, um conjunto de recomendações, que poderão ajudar Portugal a não perder o comboio da exploração rentável da descarbonização.
Uma das ideias é a de que o país deve “adotar uma abordagem integrada da cadeia de valor na sua política industrial”, de forma a não ficar de fora dos projetos com maior valor acrescentado na área das energias limpas.
Os especialistas do E3G também recomendam que Portugal deve “fixar metas previsíveis de procura local para desenvolver novas cadeias de valor tecnológicas”, o que pode passar, por exemplo, por incluir requisitos de fornecimento de energia à indústria do aço verde por parte dos promotores que queiram explorar energia eólica no mar.
Outra ideia deixada pelo relatório é a de “melhorar o atual quadro de investimento no lítio para assegurar benefícios para as comunidades locais, desenvolvendo uma capacidade de produção na cadeia de valor das baterias a nível local”. Neste capítulo, o E3G salienta que Portugal corre o risco de perder para outros países os negócios com maior valor acrescentado, ao explorar apenas as fases mais a montante da cadeia das baterias, como a refinação de lítio.
Recorde-se, a este respeito, que a Aurora Lithium (empresa conjunta da Galp e da Northvolt) tem um projeto para refinar lítio em Setúbal, exportando-o depois para mercados que o usarão no fabrico de baterias. Embora os planos da Northvolt não contemplem o fabrico de baterias em Portugal, no nosso país está em fase de licenciamento ambiental uma fábrica de baterias da chinesa CALB.
O trabalho do E3G sugere ainda “maximizar o uso dos fundos europeus disponíveis para apoiar o desenvolvimento de cadeias de valor de tecnologias limpas”, bem como colocar na agenda das cimeiras ibéricas estas cadeias de valor. Os especialistas do think tank sugerem ainda que Portugal participe em alianças internacionais visando a descarbonização.
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