Produção de arroz em Melides ganha sustentabilidade com projeto apoiado pela condessa Cinzano e Christian Louboutin

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Uma pequena revolução está a ocorrer na Várzea de Melides, onde 70% da produção de arroz passou a ser feita de modo sustentável, graças a uma nova técnica de sementeira que permite reduções nos consumos de água e de fertilizantes, e que decorre da iniciativa do projeto Intertidal Melides.
Nos 70 hectares da Várzea de Melides, onde uma dúzia de agricultores asseguram por ano a colheita de 1 milhão de toneladas de arroz, em dois terços da produção já não se pratica a sementeira em campos alagados, e o consumo de água, químicos e adubos caiu a pique, na sequência dos novos métodos de produção.
“Poupa-se à volta de 30% de água, 30% de adubo e 30% de semente”, adianta Joaquim Chainho, agricultor na Várzea de Melides, com uma produção de arroz que atinge anualmente 450 a 500 toneladas (com a marca Avô Quim), e que tem estado a utilizar as novas técnicas.
“Começamos por semear o arroz em linha para poupar água, não pomos adubo profundo quase nenhum. Costumávamos usar 200 kg de semente, e agora são só 130 kg", detalha Joaquim Chainho.
“Com as alterações climatéricas, e não havendo água, temos de arranjar um método alternativo para usar a água e o fertilizante de outra forma, senão qualquer dia temos de abandonar a seara, e o objetivo é mantermo-nos vivos”, conclui o agricultor.
Estas melhorias na produção de arroz decorrem desde há três anos, na sequência da iniciativa do projeto Intertidal Melides, que procurou mobilizar os agricultores locais para a implementação de métodos menos agressivos, e estudados por especialistas.
O projeto Intertidal Melides surgiu por iniciativa de Noemi Marone Cinzano, condessa italiana herdeira do império de bebidas Cinzano, que mobilizou para esta causa uma série de amigos com residência na região. Entre estes, destacam-se Christian Louboutin, famoso designer de sapatos, mas também Phillippe Stark ou o arquiteto belga Van Duysen.
Os apoiantes do projeto Intertidal reúnem um conjunto de verbas pessoais, que por ano ascendem a cerca de €50 mil, para financiar a produção sustentável de arroz em Melides - dando prémios aos agricultores que usam as novas técnicas, o que é medido por hectare, ou mesmo pagando pelo abandono da produção, em casos onde o ecossistema é mais sensível e o consumo de água e de químicos gera maior impacto. As intervenções do Intertidal não se esgotam na produção de arroz, e em alguns casos tem havido apoios da Câmara de Grândola e de outras entidades.
O problema identificado como o mais crítico é a escassez crescente de água na região. “Está a chover menos, nos últimos anos tivemos menos 10% de precipitação, e temos tido episódios de seca grave e de temperatura elevada”, nota Miguel Vieira, coordenador do Intertidal Melides, realçando que “este ano choveu, mas a lagoa continua a secar”.
Intervenções mais amplas estão na mira do Intertidal Melides, que tem “uma estratégia que passa pela gestão do ciclo da água desde a serra até ao mar, em todas as fases”, conforme avança Miguel Vieira. Esta estratégia contempla desde melhorias nos sistemas de açudes e na floresta de sobreiros, ou a renaturalização da vegetação na ribeira de Melides, até ao projeto de criar uma reserva de água junto à Barragem da Endiabrada, para o qual “há estudos feitos”, assegura o coordenador.
A “produção integrada de arroz” que se pratica hoje em Melides só não é biológica a 100% porque “a única coisa que não se pode dispensar é o uso de herbicida”, um passo que obrigaria a “mudanças mais complexas”, explicita Miguel Vieira. As frentes de intervenção do projeto Intertidal também se estendem à implementação de colmeias de abelhas, de forma a combater a vespa asiática, à produção de pinhões orgânicos ou mesmo à limpeza de praias, entre outras.
É o “futuro” que está em causa, resume Noemi Cinzano, mobilizadora da associação Intertidal Melides, enfatizando o objetivo de “transformar esta terra num nicho de agricultura sustentável” em tudo o que se produz, “seja arroz, mel, uvas, pinhões ou medronho”.
Para Christian Louboutin, fervoroso apoiante do projeto de sustentabilidade em Melides, “o Intertidal tornou-se num exemplo de como podemos preservar um lugar e torná-lo melhor, e que se pode replicar infinitamente em outros lugares”.
Christian Louboutin, famoso em todo o mundo pelas suas criações de sapatos, conheceu Portugal pela primeira vez há 13 anos, e ficou rendido “à beleza natural” do Alentejo.
É em Melides que Christian Louboutin passa cerca de três meses por ano, e onde costuma desenhar as suas coleções de inverno.
“Esta beleza natural inspira o meu trabalho a desenhar sapatos”, assegura Louboutin, frisando que “o significado de luxo é este ambiente, esta paz”.
Na aldeia alentejana, Christian Louboutin abriu em abril do ano passado um hotel de luxo, designado Vermelho Melides, a partir da recuperação de uma casa degradada, e que hoje é frequentado por turistas de segmento alto oriundos de vários países, como Estados Unidos, França, Reino Unido ou Brasil, além de Portugal.
“Quis criar aqui uma homenagem à especificidade de Portugal, à beleza da arquitetura manuelina”, salienta o designer no seu hotel Vermelho Melides, repleto de obras de arte e objetos de coleção pessoal - onde azulejos portugueses se misturam com outros originários da Índia, além de pratos do Egito ou mesas de madre-pérola das Filipinas.
Louboutin prepara a abertura de um segundo hotel de luxo em Melides, com abertura prevista para meados de 2026 (o Vermelho Lagoa, junto à lagoa de Melides), tendo já planos para um terceiro hotel na região.
Foi a primeira vez que o designer investiu no mundo dos hotéis, podendo a marca Vermelho poder vir a estender-se de Melides para outros locais do mundo com significado especial para Louboutin. “Não fiz isto por negócio, mas por prazer, e numa celebração de tudo o que adoro em Portugal”, garante Christian Louboutin.
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