O grupo Jerónimo Martins (JM) fechou 2023 com um crescimento de 28,2% nos lucros, para os 756 milhões de euros, acompanhado de uma subida de 20,6% nas vendas, para os 30,6 mil milhões de euros, anunciou hoje a empresa dona do Pingo Doce em comunicado enviado à CMVM- Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. O grupo vai propor o pagamento de um dividendo de 0,655 euros por ação, o que representa um aumento de 19,1% face a 2022.
A preparar a entrada na Eslováquia este ano e um investimento total de 1,2 mil milhões de euros, em linha com 2023, a JM apresenta nos números-chave do exercício o crescimento de 17% no EBITDA, para os 2,2 mil milhões de euros (+13,7% a taxas de câmbio constantes), com a margem a fixar-se nos 7,1% (7,3% em 2022). O Cash Flow de 345 milhões de euros compara com os 706 milhões do exercício anterior. A dívida líquida no final do ano era de 2,1 mil milhões de euros.
Por geografias e negócios, em Portugal, onde a inflação alimentar foi de 10%, tendo registado “uma substancial desaceleração ao longo de todos os meses de 2023”, o rendimento das famílias esteve, ainda assim, sob pressão e “o contexto de consumo permaneceu frágil”, a JM considera que a dinâmica no turismo em Portugal foi o motor de crescimento do sector de cash & carry.
“O Pingo Doce registou um sólido crescimento das vendas, reforçando a competitividade da insígnia e o desempenho de volumes, em resultado da sua assertiva política de preços e promoções, do contributo da área de meal solutions e do diferenciador layout de loja que está a ser implementado no âmbito do programa de remodelações”, com as vendas a crescerem 7,9% para 4,9 mil milhões de euros, ou 7,7% numa base comparável, (excluindo combustível). Para além da remodelação de 60 lojas, o Pingo Doce abriu 11 novas localizações e encerrou uma.
“Notável progressão” da Biedronka
“O Recheio entregou um forte crescimento de vendas no ano, alavancando as propostas de valor específicas para cada um dos segmentos de clientes-alvo" e teve um crescimento de vendas de 15,1% para 1,3 mil milhões de euros.
“O EBITDA da Distribuição Portugal cifrou-se em 355 milhões de euros, 9,7% acima do ano anterior, tendo a respetiva margem ficado nos 5,7%, em linha com 2022. No Pingo Doce, a margem EBITDA foi de 5,8% versus 5,9% em 2022, com o desempenho das vendas a mitigar o impacto do investimento em preço e o efeito do trading down no mix de margem” enquanto no Recheio, a margem EBITDA fixou-se nos 5,4% versus 5,1% em 2022.
Na Polónia, onde “apesar da trajetória descendente, a inflação manteve-se elevada durante boa parte o ano e os consumidores adotaram um comportamento progressivamente mais sensível ao fator preço e com elevada orientação para as promoções”, “a Biedronka liderou a atividade promocional no mercado polaco, tendo registado uma inflação no seu cabaz inferior à inflação alimentar observada no país” o que permitiu “uma notável progressão da quota de mercado”: as vendas em moeda local cresceram 18,2%, e, em euros atingiram os 21,5 mil milhões, mais 22,3% do que em 2022.
Num ano em que a insígnia somou mais 174 lojas (203 aberturas e 29 encerramentos), a que juntou 375 remodelações, o EBITDA aumentou 19,4% (+15,4% em moeda local) e a respetiva margem foi de 8,5% (8,8% em 2022), com a evolução a refletir o investimento em preço, conjugado com a inflação de custos.
Na Hebe, as vendas em moeda local cresceram 26,6%, somando 469 milhões de euros (+30,9%). As vendas online aumentaram 47,6%, representando 17% das vendas totais do ano, o EBITDA cresceu 31,5%, com a margem a atingir 9,1% e foram abertas 32 lojas na Polónia, mais duas no mercado checo que “visam dar rosto à presença da marca neste país onde o crescimento se fará através da operação de e-commerce".
Ara cresce 42,7%
Na Colômbia, a inflação alimentar reduziu-se ao longo de 2023, tendo sido de 14,8%, mas “os níveis elevados dos preços continuam a pressionar o rendimento disponível e a deterioração do consumo ao longo do ano foi notória, com as famílias a revelarem uma diminuta capacidade para reagir a oportunidades de preço e a cingirem-se a um cabaz alimentar totalmente focado nas necessidades básicas”, num contexto que trouxe queda de volume no mercado, mas em que a Ara reforçou o seu posicionamento de preço. Em moeda local, as vendas cresceram 42,7%, e em euros subiram 37,7%, para os 2,4 mil milhões.
A insígnia abriu 200 lojas, terminando o ano com 1.290 espaços no país, um EBITDA de 45 milhões de euros (60 milhões de euros em 2022), e a margem nos 1,9% (3,4% em 2022).
Vender mais 5 mil milhões
No comentário ao desempenho do último exercício, em que o grupo acrescentou mais de 5 mil milhões de euros às suas vendas e superou a fasquia dos 30 mil milhões no volume de negócios, presidente da JM, Pedro Soares dos Santos, recorda que o ano começou “antecipando que as taxas de juro continuariam elevadas e que os preços dos produtos alimentares tenderiam a manter a sua trajetória de subida, ainda que, a partir do 2.º semestre, se esperasse uma redução da inflação alimentar, com especial incidência no último trimestre do ano”.
Quanto ao arranque de 2024, diz que a esquipa está “consciente de que a deflação alimentar que estimamos para o 1.º semestre será o nosso maior desafio. Uma deflação que tenderá a levar à priorização do crescimento dos volumes por parte de todos os retalhistas e, consequentemente, a uma crescente intensidade concorrencial nos mercados em que operamos".
"Num contexto de grande incerteza associada às tensões geopolíticas crescentes e de pressão acrescida para o negócio resultante da perigosa combinação entre a deflação alimentar e a elevada inflação de custos, utilizaremos a solidez das nossas posições de mercado para não nos desviarmos do nosso foco estratégico”, avança.
“Preparados para a intensificação do ambiente concorrencial”
“As nossas equipas continuarão a dar prioridade ao crescimento das vendas em volume, pela oferta de qualidade ao melhor preço e à maximização da eficiência dos processos operacionais como ferramentas para proteger a rentabilidade em todos os países”.
“Com marcas reconhecidas e apreciadas pelos consumidores, modelos de negócio eficientes e um balanço sólido a suportar as nossas escolhas estratégicas estamos preparados para a intensificação do ambiente concorrencial que se faz sentir desde o início do ano e tudo faremos para continuar a dar aos consumidores todas as razões para nos preferirem”, conclui.
Nas perspetivas para 2024, a JM destaca o impacto da deflação. “Com os nossos negócios de retalho alimentar a operar, desde o final do ano transato, com deflação nas principais categorias – commodities, carne, laticínios, frutas e vegetais -, ao iniciar 2024, o Grupo enfrenta um período no qual se conjuga, numa intensidade sem precedentes, uma rápida redução dos preços de venda com uma elevada inflação de custos, o que irá continuar a pressionar as nossas margens”, afirma.
A incógnita das eleições nos EUA
“A um contexto crescentemente competitivo e desafiante, especialmente no mercado polaco, acresce o contraste com o ano passado, que apresenta comparativos muito exigentes, principalmente nos dois primeiros trimestres, devido ao excelente desempenho das nossas insígnias e aos aumentos significativos de preços registados nesses períodos”, continua.
“Para a inflação nos custos contribuem, essencialmente, e, desde já, a subida dos salários e das rendas nos países em que operamos e, em menor grau, as circunstâncias específicas de cada país no que toca a outras linhas de custos”, explica o comunicado antes de afirmar que “a validade e diferenciação das nossas propostas de valor para os consumidores reforçam, no entanto, a nossa confiança de que estamos preparados para responder ao desafio".
Sobre o contexto geopolítico, “marcado por instabilidade e complexidade”, a JM refere que “a União Europeia tem perdido influência e competitividade, com o seu quadro regulatório cada vez mais intricado e burocrático a tirar capacidade às empresas europeias para competir à escala mundial com as suas congéneres asiáticas ou norte-americanas". Mas não esquece as eleições para o Parlamento Europeu nem as presidenciais nos Estados Unidos, “cujo desfecho é, para já, incerto, podendo ditar um volte-face em termos geopolíticos”.
“É, assim, difícil e prematuro, neste momento, antecipar como se comportarão as economias mundiais de referência e como isso influenciará os mercados em que operamos. Nesta conjuntura, a evolução do comportamento dos consumidores será determinante para o desempenho dos negócios e a dinâmica dos ambientes competitivos”, nota.
Mais 150 lojas na Polónia e 10 novas localizações em Portugal
Por países, na Polónia, espera que “ao longo do ano, o consumo possa beneficiar de uma recuperação do poder de compra”, com a “Biedronka a manter a liderança de preço e a dar prioridade ao crescimento de vendas, alavancando na sua força comercial para criar ainda melhores oportunidades de poupança e de valor para os consumidores polacos”, não excluindo que a margem EBITDA da Biedronka “possa vir a sofrer maior pressão do que a registada em 2023” num ano em que a maior insígnia do grupo prevê adicionar 130 a 150 localizações líquidas à sua rede de lojas. No caso da Hebe, o grupo admite a abertura de 30 novas localizações.
Em Portugal, onde “persistem sinais de pressão sobre as famílias relacionados com taxas de juro elevadas, esperando-se, por isso, que o consumo continue pouco dinâmico”, o Pingo Doce mantem a dinâmica comercial e “prossegue com a implementação do novo conceito de loja que evidencia a diferenciação da insígnia, a nível de meal solutions e perecíveis e oferece inovadoras soluções de serviço valorizadas pelos clientes”. O plano no país é remodelar 60 a 80 lojas e inaugurar 10 novas localizações. No Recheio, o foco é “garantir que as propostas de valor desenhadas para cada um dos segmentos de clientes continuam a conquistar mercado”.
Na Colômbia, o contexto de consumo “deverá manter-se muito desafiante embora se perspetive um menor nível de pressão sobre os consumidores do que o observado em 2023” e a Ara “continuará centrada em proteger a liderança de preço e a preferência dos consumidores, e em executar o seu programa de expansão” com a abertura de 150 novas lojas e investimento na capacidade logística para 2024 e 2025.
Tudo isto, “num momento em que reconhecemos as dificuldades acrescidas que advêm do desequilíbrio gerado pelo cruzamento entre baixa inflação alimentar e alta inflação de custos. Neste contexto de pressão sobre as Companhias, manteremos o foco no desempenho de vendas ao mesmo tempo que aprofundaremos a disciplina de custos e os ganhos de eficiência operacional para proteger a rentabilidade”, diz o grupo.
Mais investimento em capital circulante
O plano de investimentos para este ano será de 1,2 mil milhões de euros, em linha com o realizado em 2023, o que contempla Portugal, Polónia e Colômbia, mas também o investimento para lançar a operação na Eslováquia, com arranque previsto para o final deste ano.
“Prevemos também um maior investimento em capital circulante, num cenário de deflação ao qual se somam o abrandamento do crescimento, a manutenção de taxas de juro elevadas e os constrangimentos no acesso ao crédito que continuarão a pressionar também os nossos parceiros comerciais locais, principalmente nas categorias de marca própria e perecíveis, o que poderá levar a reduções nos prazos de pagamento”, conclui.