Deputados da oposição duvidam da eficácia da isenção do IVA nos bens alimentares
Assembleia da República debate IVA zero nos bens alimentares essenciais, com a oposição a lembrar o (mau) exemplo de Espanha e o Governo a falar em “confiança”
Assembleia da República debate IVA zero nos bens alimentares essenciais, com a oposição a lembrar o (mau) exemplo de Espanha e o Governo a falar em “confiança”
A generalidade da oposição duvida da eficácia do corte do IVA nos bens alimentares essenciais que o Governo propõe e que está a ser discutida esta quarta-feira, dia 29, na Assembleia da República.
Coube ao secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, António Mendonça Mendes, defender a proposta do Governo de isenção temporária do IVA em bens alimentares essenciais – um tema que lhe é próximo já que Mendonça Mendes foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais até há pouco tempo.
E o governante defendeu como pode a sua dama dos disparos dos deputados de fora do grupo socialista. Garantiu que tem “confiança” que a descida do IVA será traduzida nos preços e que a riqueza amealhada com o ciclo económico favorável está a ser “redistribuída”.
Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, abriu as hostilidades e pôs em perspetiva os “oito euros” que os portugueses podem vir a poupar, “se correr tudo bem”, no cabaz de produtos alimentares essenciais estimado em 126 euros.
O problema, sinalizou, é que mesmo que os preços baixem na proporção do IVA (que passa de 6% para zero em 44 produtos), as compras básicas passaram a custar “mais 26 euros do que há um ano”.
Mas este não é o pior cenário. “Se tudo correr mal, são 410 milhões de euros” que vão para os bolsos dos hipermercados e supermercados, alertou a deputada bloquista. E reforçou ainda que a medida “tem tudo para correr mal”, olhando para o exemplo em Espanha “em que a descida do IVA foi comida [pela distribuição] em 15 dias”.
Para a deputada do Bloco impõe-se o controlo dos preços e das margens. Catarina Martins mencionou que a prova de que isso funciona está em algumas medidas adotadas pelo Governo durante a pandemia de covid-19, em que, por exemplo, os preços das máscaras de proteção individual foram limitados.
Já André Ventura atribuiu ao partido Chega a autoria da proposta em discussão e atirou ao Governo “as cinco vezes” que chumbou a descida do IVA nos alimentos sugerida pelo seu grupo parlamentar. “Só a IL votou a favor, todos os outros grupos parlamentares se abstiveram e o PS chumbou”, recordou Ventura. “O que mudou desde janeiro?”, questionou, afirmando que o Executivo quis fazer “um brilharete à custa do IVA de 23%, um dos maiores da União Europeia (UE) e registar o segundo maior excedente orçamental da comunidade à custa da cobrança de impostos aos portugueses que trabalham”.
Ventura quis ainda saber em que consiste “o acordo de cavalheiros entre o Governo e a distribuição” e “quais são as garantias de que vai funcionar”, desprezando o anúncio do Executivo de que será criada uma comissão de acompanhamento para os preços.
Do lado do PSD, Paulo Rios de Oliveira também assinalou o volte-face do Governo em relação a esta matéria ao passar “de uma medida de pouco alcance para esta realidade de isenção do IVA”. “O que mudou? Qual vai ser o impacto na bolsa de um português médio?”, perguntou o social-democrata. Rios de Oliveira considerou, igualmente, diminuta a ajuda do IVA face à dimensão dos impostos arrecadados pelo Estado “à custa da inflação”.
Paula Santos, do PCP, colocou a tónica no “aproveitamento” dos grandes grupos económicos primeiro com a pandemia e, depois, com a guerra. “A inflação resulta disto”, afirmou, acusando que o Governo “encolhe os ombros” enquanto salários e pensões reduzem de valor. Há que “recuperar os rendimentos”, sustentou Paula Santos, alertando que “a proposta apresentada não dá garantia de controlo dos preços”. Repetiu ainda que “deviam ser protegidos os salários e as pensões, mas o Governo opta por proteger os lucros dos grupos económicos”.
Três milhões de pessoas vulneráveis que existem em Portugal: foi este o número chave da intervenção de Carlos Guimarães Pinto, da IL - Iniciativa Liberal. “O Governo orgulha-se de estar a ajudar três milhões de pessoas vulneráveis em Portugal”, criticou o deputado, acrescentando que “há algo de profundamente errado na estratégia económica seguida nos últimos anos”.
“Antes tínhamos os novos ricos, agora temos os novos pobres, que apesar de terem uma educação superior e de virem de famílias de classe média estão condenados a viver, episodicamente, dependentes do Estado para coisas tão básicas quanto a alimentação”, disse.
Rui Tavares, do Livre, começou por uma certeza: esta medida “resulta dos 3600 milhões de euros de folga no défice que era esperado”. Não havia dinheiro, mas, pelos vistos, agora já existem cerca de 400 milhões de euros para acomodar a ‘borla’ no IVA, analisou, sem deixar de referir que “a distribuição sai muito beneficiada” deste contexto.
A criação da comissão de acompanhamento é, na opinião de Rui Tavares, uma boa medida, para a qual o Livre quer contribuir com propostas do seu reforço para que venhamos a ter uma espécie de “Infarmed para os preços dos bens alimentares”.
Já do lado do Governo, Mendonça Mendes começou por falar no aumento dos rendimentos dos portugueses nos últimos anos e reforçou que a isenção do IVA é apenas mais uma medida de combate da perda do poder de compra.
“Entre 2015 e 2022, o salário mínimo nacional subiu 40%, enquanto o salário médio aumentou 26%, enquanto isso a inflação foi de 13%”, declarou o secretário de Estado Adjunto, reiterando que “a medida do IVA é uma peça para ajudar ao controlo da inflação”, ou seja, “uma medida complementar aos restantes apoios ao rendimento” e enumerou alguns, como o apoio extraordinário de 240 euros, os 125 euros para os não pensionistas com rendimentos até 2700 euros anuais brutos, bem como as medidas de redução das contas da eletricidade e do gás e os recentemente anunciados 30 euros mensais para ao agregados mais vulneráveis.
O governante socialista lembrou ainda que nos combustíveis tem-se, igualmente, conseguido limitar a subida dos preços e sobre os 3 milhões de famílias vulneráveis indicadas pela IL ripostou com outro dado, com origem nos reportes do Instituto Nacional de Estatística, de que “foram retiradas 730 mil famílias da pobreza e ou de situação de exclusão social”, em 2022. Falou ainda no crescimento económico de 6,7% no ano passado e de termos o “maior” PIB per capita da série, uma geração de riqueza acompanhada pela criação de emprego e que está a ser “redistribuída”. Garantiu ainda que o Governo tem “confiança de que a descida do IVA seja toda refletida nos preços”.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ASSantos@expresso.impresa.pt
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes