Exatamente no mesmo dia, mas nos escritórios da Autoridade da Concorrência, na Avenida de Berna, também em Lisboa, os bancos também eram protagonistas. Ali decidia-se a abertura de um inquérito: os bancos andavam a trocar, entre si, informações confidenciais sobre o crédito que concediam e podiam ter feito os clientes pagar mais do que deviam num mercado concorrencial. Um mês antes, o Barclays tinha feito uma denúncia sobre o esquema.
Tudo isto no final de 2012. Entretanto passou-se quase uma década. A TAP já foi privatizada, readquirida parcialmente pelo Estado, e depois nacionalizada totalmente.
Longe de um desfecho está o inquérito aos bancos, que passou por buscas, recursos, e saiu da Concorrência com coimas de 225 milhões de euros com 14 visados. Razão? A participação dos bancos “num intercâmbio de informações comerciais sensíveis, com o objeto de restringir e falsear de forma sensível a concorrência”. As impugnações levaram o caso para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. E é lá, em Santarém, que esta semana têm lugar as sessões de julgamento mais relevantes: aquelas onde estarão presentes os responsáveis de cada banco.
Como o Público contou, só o BPI leva o seu líder máximo, o atual presidente da administração, Fernando Ulrich, que, à data dos factos, era o presidente executivo do banco. É esta segunda-feira que falará no tribunal, bem como Manuel Preto, há anos o administrador financeiro do Santander em Portugal. Na quarta-feira, é a vez de José Pessanha (administrador do BCP), e na sexta-feira são os representantes da Caixa Geral de Depósitos (o administrador José João Guilherme) e do Montepio (o administrador José Carlos Mateus) a prestar esclarecimentos.
Os argumentos dos bancos
São eles que vão tentar explicar ao tribunal as suas contestações à Concorrência, que considera que há e-mails trocados entre funcionários dos bancos com informações sigilosas. Havia dados a circular sobre as ofertas comerciais e a produção de crédito, a acontecer no crédito à habitação, ao consumo e até a empresas.
“A troca de informação sensível tinha lugar regularmente, nomeadamente por email, fazendo parte do quotidiano dos colaboradores dos departamentos de marketing ou dos departamentos comerciais das visadas, apresentando-se de forma institucionalizada e sendo, de resto, geralmente do conhecimento das respetivas hierarquias”.
Autoridade da Concorrência, decisão final, versão não confidencial
Entre as justificações que vêm sendo avançadas pelos bancos, há várias repetidas: o mercado de crédito é competitivo, com preços esmagados, pelo que não há qualquer sintoma de troca de informação sensível. Havia dados trocados entre funcionários de cada banco – e há e-mails a prová-lo –, mas àquilo que a Autoridade da Concorrência diz que é confidencial e segredo de negócio, os bancos respondem que eram dados não privados.
No caso do BPI, por exemplo, a primeira resposta à acusação da Autoridade da Concorrência apontava para vários argumentos: havia compilações de informações que nada provam; a proposta que surge num e-mail não foi seguida por nenhum banco, pelo que nada está provado; as trocas de dados sobre spreads não davam sequer tempo para que os concorrentes adequassem a sua política de preçário.
Não é muito diferente do que é dito pelos restantes bancos: muita informação “apanhada” pelas buscas era de mudanças já feitas; os preçários são públicos; os spreads são negociáveis com os clientes; os e-mails nem eram trocados ao mais alto nível; houve uma crise financeira naquela altura que levou à subida de spreads; os dados não tinham qualquer carácter estratégico.
Muitos recursos para trás
Na Concorrência, o processo demorou por muito tempo (passou por três presidentes, tendo sido decidido pela atual líder, Margarida Matos Rosa), e houve até prescrições (o Abanca escapou a condenação porque as alegadas infrações são já demasiado antigas). Infrações que são um receio para o futuro, tendo em conta que, diz a Concorrência, estenderam-se de 2002 a 2013, e o primeiro mês de 2022 já quase passou.
Houve recursos e impugnações das entidades bancárias – contestavam as buscas, argumentavam pela confidencialidade dos dados, apontavam para inconstitucionalidades – e houve até a suspensão do inquérito por cerca de um ano. A decisão final só veio a 9 de setembro de 2019. Ficou conhecido como o cartel da banca, mas não havia essa classificação na decisão final; havia, sim, o intercâmbio de informação sensível.
A resposta a estes temas vai continuar, então, esta semana a ser dada pelas testemunhas apresentadas pelos bancos, para tentarem evitar as coimas conjuntas que ascendem a 225 milhões de euros (variam consoante a dimensão da entidade, das provas obtidas e da situação concreta). Aliás, o Banco de Portugal chegou a alertar a Concorrência para o risco de montantes muito elevados das coimas colocarem em causa a estabilidade financeira.
Denúncia do Barclays, ajuda do Montepio
Do leque de bancos apanhados, o Santander sofreu duas coimas, uma delas por ser relativa ao Popular, banco que comprou. O BES – em liquidação ficou com a sanção, ainda que o negócio comercial tenha transitado para o Novo Banco na resolução, em 2014.
O Barclays também se livrou da sanção por ter dele partido a denúncia (no âmbito do chamado regime de clemência) – aquando da acusação, vendera já a área de retalho comercial ao Bankinter. O Banco Montepio também apresentou um pedido de clemência em 2014, trazendo mais informações para o processo, beneficiando de dispensa de metade da coima (de 26 para 13 milhões de euros).
Aos bancos, se vierem a ser condenados com trânsito em julgado (é possível o recurso para instâncias superiores), foi aplicada ainda a sanção acessória que os obriga a publicar a sentença em jornais. Se acontecer, não será no imediato. Será que uma decisão final sobre o já longo processo do cartel da banca virá antes da também demorada reprivatização parcial da TAP, que o Governo anunciou ser uma hipótese até 2025?