As contas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) de 2021 e de 2022 já foram homologadas pelo Governo, depois de ter sido pedida uma revisão a ambos os exercícios. Os relatórios foram enviados para o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) no passado dia 19 de março, tiveram, entretanto, a respetiva aprovação e já estão disponíveis na página da SCML. E a situação é pior do que foi antecipado pela ministra da pasta, Ana Mendes Godinho, no Parlamento em abril de 2023, poucos dias antes de Ana Jorge substituir Edmundo Martinho enquanto provedora da instituição.
Em vez de resultados positivos de 10,9 milhões de euros, em 2022, a instituição teve prejuízos de 12,4 milhões de euros, enquanto, em 2021, os resultados negativos foram de 39,8 milhões de euros, muito acima dos 20,1 milhões de euros negativos inicialmente estimados.
A atual mesa da SCML tomou posse em maio de 2023 e deparou-se com uma “situação financeira de tesouraria preocupante”, tendo avançado, por sugestão da tutela, com um “diagnóstico financeiro preliminar”, que foi enviado, em junho, para o gabinete de Ana Mendes Godinho, conforme é descrito no relatório e contas de 2022.
Foi nesse contexto que a ministra mandatou a administração da SCML para que fosse realizada uma auditoria externa à Santa Casa Global (SCG), entidade criada em 2020 (durante o mandato de Edmundo Martinho) para se dedicar à internacionalização da atividade dos jogos, e devolveu as contas de 2021 e 2022 da instituição “para que as mesmas pudessem refletir os factos que viessem a ser apurados em sede de auditoria”. Recorde-se que, em 2020, a SCML teve prejuízos de quase 53 milhões de euros.
A auditoria está a cargo da consultora BDO e, segundo fonte oficial avançou ao Expresso, está concluída (embora os prazos tenham derrapado) e deverá ser entregue à tutela nos próximos dias. As dificuldades em obter informação sobre os projetos da SCG, em particular no Brasil, justificam, segundo a SCML, a demora.
Uma das correções feitas nas contas de 2021 e de 2022 diz respeito à valorização dos imóveis da SCML, com especial impacto nas propriedades que se encontram arrendadas, cujo valor foi apurado “no pressuposto de que os respetivos contratos de arrendamento seriam denunciados, sendo de imediato efetuadas obras de beneficiação, seguidas da negociação de novas rendas a valores de mercado”.
Tal pressuposto conduziu a que as demonstrações financeiras anteriormente apresentadas “tivessem evidenciado expectativas de rentabilidade não consentâneas com a realidade da SCML”. A revisão deste critério implicou, assim, uma redução de 57,9 milhões de euros no valor dos imóveis arrendados.
Adicionalmente, indica o relatório, “a exposição financeira da SCML perante as suas participadas, tanto em termos de valores já despendidos, como de garantias prestadas, também não tinha sido devidamente refletida nas demonstrações financeiras de 2021 e 2022, dado que não refletia os riscos associados a tal exposição, apesar da informação disponível nessa data”.
Em relação à SCG foram reconhecidas imparidades “associadas ao esforço financeiro efetuado na SCG”, que foi canalizado para investimentos nas participadas desta sociedade, que abriu atividade e fez parcerias no Brasil, Peru e Reino Unido. “Dadas as expectativas da sua não recuperação” houve necessidade de proceder a reforços de provisões e o valor das participações financeiras em 2022 foi reduzido em 37,7 milhões de euros.
Um dos problemas associados à SCG (que pode tornar ainda mais pesadas as perdas com este projeto, que se estimam em 50 milhões de euros) é a hipótese de a SCML ter de arcar com potenciais indemnizações ou penalizações por terem sido travadas operações da empresa nas diferentes geografias, por ordem da atual mesa. No relatório é dito que não se dispondo da versão final da auditoria forense não foi possível “nesta data concluir sobre a eventual existência, ou não, de responsabilidades potenciais decorrentes de ações judiciais que possam ainda vir a ser suscitadas, relacionadas com estes investimentos”.
Em consequências destes ajustamentos é referido que, em 2022, o resultado líquido reduziu-se em 23,3 milhões de euros, passando de resultados positivos de 10,9 milhões de euros para resultados negativos de 12,4 milhões de euros.
Por sua vez, o ativo total diminuiu 95,6 milhões de euros, passando de 835,5 milhões de euros para 739,8 milhões de euros, enquanto o capital próprio reduziu-se em 84,1 milhões de euros, passando de 743,2 milhões de euros para 659,1 milhões de euros.
As receitas correntes da SCML aumentaram, em 2022, 16,5 milhões de euros para os 241,2 milhões de euros, num aumento de 7,4%, que é justificado, “sobretudo, pelo acréscimo em 8,6 milhões de euros da distribuição de resultados dos jogos sociais”.