Numa entrevista à Lusa, onde fala do "adormecimento" e "saturação" da sociedade portuguesa, o aumento da desigualdade, a necessidade de uma boa gestão política, e lamenta o ataque às grandes empresas, o presidente da Jerónimo Martins, Pedro Soares dos Santos, antevê que a distribuição em Portugal, dentro de dez anos, vai estar "totalmente focada na restauração", ou seja, "muito mais focada em oferecer soluções prontas para as pessoas comerem". E avança, em entrevista à Lusa, que o grupo vai crescer no agroalimentar, a que chama um "novo braço de negócio". Estima por isso que "grande parte do seu negócio e da sua margem vai ser gerada na restauração".
"Não vejo [essa tendência] na Colômbia, mas vejo isso em Portugal", prossegue Pedro Soares dos Santos, que diz ver o grupo "a crescer muito" no agroalimentar e "a tornar esse um novo braço de negócio e, talvez, nalguma indústria alimentar".
A Jerónimo Martins está presente em Portugal, Polónia e Colômbia e em novembro espera entrar na Eslováquia, sendo que esta é a primeira vez que que a Biedronka vai expandir-se como marca.
Pedro Soares dos Santos assegura que o grupo continua empenhado em investir em Portugal, e afasta para já a possibilidade de a Colômbia, mercado onde entrou em março de 2013, vir a ser um centro operacional do grupo para a América Latina. Pedro Soares dos Santos defende que neste momento o objetivo é desenvolver o negócio naquele mercado, de 50 milhões de pessoas.
Tudo isto "leva sempre o seu tempo", prossegue, rematando: "Quando o passo é maior que as pernas caímos. Aqui não vai acontecer".
O grupo tinha manifestado interesse em entrar na Roménia, mas neste momento a prioridade é a Eslováquia.
"Primeiro vamos ter a certeza do que aquilo que vamos fazer na Eslováquia funciona", pragmatiza Pedro Soares dos Santos.
O gestor salienta que o grupo teve a "sorte da Polónia ter corrido muito bem" e de se terem tornado "uma grande e boa empresa".
"Se tivéssemos só ficado em Portugal, nós não estaríamos onde estamos hoje, nem falaríamos desta mesma forma", sublinha.
País não aposta no mar, mas a JM vai reforçar o investimento na aquacultura
Sobre Portugal, o presidente da Jerónimo Martins defende que o país "devia olhar para a economia do mar e tornar-se um líder nessa matéria". Até porque a fronteira do mar portuguesa é os EUA.
"Temos mais mar do que Espanha e do que França", então, questiona, porque não se olha "para a economia do mar" que é de futuro. Aliás, todos andam a "disputar o mar" como o grande futuro investimento, acrescenta, desafiando a que o país se torne "líderes nisso".
"Olhemos para isso como um pilar do futuro do nosso desenvolvimento porque estamos no meio, entre o leste e os EUA, podíamos fazer muito pela economia do mar e tornávamo-nos país único nessa matéria também", insiste, dando o exemplo do que a Jerónimo Martins tem feito.
"Há mais de 10 anos" o grupo percebeu que "o peixe do mar era um problema", pelo que "vamos começar a aquacultura, que é onde "está o futuro".
E a aposta está "a correr bem", trata-se de aquacultura em alto mar, conta.
"A aquacultura sempre foi feita em baías na terra, portanto, vamos olhar para a aquacultura em alto mar e como é que nós poderemos criar peixe que as pessoas continuam a olhar para ele" como sendo "do mar e bom", diz.
Esta é uma "ciência que se aprende com as universidades, com os estudos, envolvendo toda uma sociedade ao redor disto e que nós temos feito e temos investido muito", acrescentou, tecendo críticas ao facto de o Governo não ter olhado para este tema: "E deveria ter tido políticas muito mais agressivas", reforça.
Políticas essas que não passam por dinheiro, mas por "políticas mais agressivas para aqueles que querem investir através de licenças, através de formação, através de investimento nas universidades, para investigar e para estarem mais bem preparados, mas isso nada disso faz", lamenta.
A Jerónimo Martins tem aquacultura na Madeira, no Algarve e em Marrocos para a produção de robalos, douradas, garoupas, entre outros.
Quanto ao projeto-piloto de salmão que tinha em Aveiro falhou, tendo o grupo passado a deter uma participação numa empresa da Noruega que produz salmão 100% sustentável.
As pessoas sentem "certa saturação" porque têm contribuído e não estão a ter o retorno
A "boa gestão é fundamental" na política e nos negócios, defendo Pedro Soares dos Santos, que tem criticado a falta de qualidade dos políticos e o facto de não olharem para o futuro do país num horizonte mais longo. "Falhou nitidamente o que é que nós queremos como sociedade em relação à política, o que é que nós esperamos dos políticos e isso, para mim, é muito preocupante".
Considerando que uma "espécie de egoísmo" tomou conta da sociedade o que provocou "desigualdades e desequilíbrios", as pessoas que não conseguiram "entrar na sociedade civil porque é muito competitiva atualmente" decidiram ir "para o único sítio que é monopólio, que é política", lamenta.
"A boa gestão é fundamental, quer na política, quer nos negócios. Porquê? Porque se quisermos evoluir um negócio, temos que ter muito boa gestão, se não os bancos não nos dão o dinheiro. E quem é o banco do Governo? É o povo", prossegue o gestor.
E as pessoas "começam a sentir uma certa saturação e uma certa pressão que estão a contribuir, mas não estão a ter retorno", trata-se de "má gestão" e não de más políticas, aponta.
Pedro Soares dos Santos dá exemplos: "Queremos toda a saúde pública. Muito bem, venha pública, mas tem que ser muito bem gerida, não pode haver desperdícios. Queremos a água toda pública, muito bem, não há problema nenhum, que o seja, mas bem gerida", com pessoas "com princípios" e que saibam o que é melhor para todos.
Agora, "isto não é um problema de privados ou não privados, isso é um grande erro" e "o tal medo que os políticos gostam de incutir", adverte.
"A boa gestão custa. Custa tempo, custa investimento, é preciso boas pessoas, custa formação e, acima de tudo, custa amor às causas e a maior parte das pessoas hoje" não tem isso, sublinha o gestor.
Sobre se sente desiludido com os políticos, Pedro Soares dos Santos diz que não, que é mesmo com a sociedade.
"Sinto-me desiludido com a sociedade como um todo por se ter deixado adormecer nesta preguiça", porque "os políticos só lá estão porque também permitimos", porque "estamos no conforto da nossa vida" e só quando as coisas correm mal" é que se reage, lastima.
Na Jerónimo Martins "temos que estar permanentemente a antecipar o problema, podemos falhar às vezes, mas não podemos falhar sempre", salienta.
Falta "atitude e vontade do bem-estar de todos", remata, criticando os cortes que foram feitos às reformas, que classifica de "uma enorme injustiça".
"Nenhum país pode fazer o que este país fez, que é condenar quem vai para a reforma para a pobreza. Deviam ter olhado" para essa situação "com muita antecedência", diz.
Combate às grandes empresas é um erro
Pedro Soares dos Santos reitera que Portugal poderia ser a Califórnia: têm o clima idêntico, também tem inovação e turismo.
Aliás, as grandes novas empresas na área da inovação nascem "na Califórnia", lembra, e Portugal poderia "ser o segundo centro" dessas empresas aqui na Europa. "Em vez de ser a Irlanda podíamos ser nós", sugere.
Além disso também têm agricultura moderna e uma indústria de vinho na qual Portugal poderia inspirar-se.
Questionado porque é que a Califórnia é diferente de Portugal, responde que é "a atitude", são "os líderes".
Instado a comentar as críticas que são feitas a grandes empresas como a dona do Pingo Doce sobre os lucros, Pedro Soares dos Santos comenta: "É essa gente que condena o país à pobreza, (...), que quer que sejamos Cuba, (...) que não têm respeito pela opinião contrária e esse é que é o ponto mais importante".
Por exemplo, no Pingo Doce "ninguém ganha menos de 1.100 euros, mais os prémios". Agora, "quantos jornalistas ganham 1.100 euros quando começam a vida depois de se formarem? Quantas empresas de jornalismo estão a falir neste país? E estão a falir porquê?", questiona.
Pode haver "má gestão, mas também pode haver maus conteúdos, o problema não está aí. O problema está é que se o negócio não for rentável, não produzir riqueza, você não pode investir, não pode melhorar a vida das pessoas, não pode servir melhor o consumidor e não pode fazer investimentos", argumenta.
Isso tudo vem da "produção de riqueza" e "quando esta gente não gosta de lucros ou não gosta de grandes empresas - as grandes empresas são cruciais na sociedade porque ao redor das grandes empresas há centenas de pequenas e médias empresas que vivem e que prestam serviços - (...) porque sabem muito bem que as empresas que têm lucro e que não dependem do Estado têm voz ativa e dizem o que pensam", salienta.
Portanto, "atacam-se aqueles que não gostam de ser medíocres" e esse "é o problema que nós vamos ter que lidar e enfrentar", prossegue.
Questionado se isto é uma tendência, Pedro Soares dos Santos admite que sim, "dos inúteis", manifestando "profunda admiração" por aqueles que começam pequenos negócios e que lutam, sobre os quais o Estado pensa "como é que vai sacar dinheiro".
Relativamente às eleições nos EUA, o gestor questiona como "é possível uma sociedade tão grande, com uma riqueza, com a capacidade de inovação que tem, com a capacidade de investimento, com a formação que tem nalgumas elites, não terem gente boa para comandar o país politicamente".
A questão da qualidade das lideranças "começa a ser transversal ao mundo todo", admite, o que é motivo de preocupação.