Economia

Global Media: salários começaram a ser pagos, greve no ‘Jornal de Notícias’ vai mesmo avançar

Global Media: salários começaram a ser pagos, greve no ‘Jornal de Notícias’ vai mesmo avançar

Administração lamenta que a compra pelo Estado da posição da Global na Lusa não tenha ido para a frente devido a “pressões e interferências”. ERC continua a "analisar e a averiguar" as informações que lhe foram remetidas pelo fundo que controla o grupo e enviou questões ao representante da sociedade gestora

Global Media: salários começaram a ser pagos, greve no ‘Jornal de Notícias’ vai mesmo avançar

Pedro Lima

Editor-adjunto de Economia

Os salários dos trabalhadores do grupo Global Media, cujo pagamento estava em atraso desde o final de novembro, começaram a ser pagos esta terça-feira mas não houve ainda qualquer indicação sobre quando os trabalhadores vão receber o subsídio de Natal. Por lei, este subsídio tem de ser pago até quinta-feira, 7 de dezembro.

Em face do que dizem ser a ausência de resposta por parte da administração sobre o plano de reestruturação do grupo que detém meios de comunicação social como o 'Jornal de Notícias' (JN), o 'Diário de Notícias' (DN) e a TSF, os trabalhadores do JN vão mesmo avançar para a greve esta quarta e quinta-feira. Em causa está um despedimento coletivo que dizem que lhes foi comunicado e que a administração da Global diz, em resposta ao Expresso, que ainda não foi decidido.

“Continuamos sem esclarecimentos por parte da administração. Não houve qualquer evolução. A greve vai acontecer”, disseram ao Expresso as delegadas sindicais do JN. Esta quarta-feira os trabalhadores vão concentrar-se em frente à sede do jornal, no Porto, a partir das 9h30. E no dia seguinte a concentração será feita em frente à camara municipal do Porto a partir das 14h30.

Esta terça-feira estavam previstas reuniões com as direções do grupo que acabaram por ser canceladas. Sobre a data de divulgação do plano de reestruturação, a Global Media tinha dito ao Expresso, em respostas enviadas na segunda-feira à noite, que “o plano de reestruturação está a ser ultimado e, antes de ser dado a conhecer externamente, será previamente apresentado aos colaboradores do grupo”.

A administração explicou no final da semana passada que o grupo está numa “situação financeira gravíssima” e que o pagamento dos salários estava a ser assegurado até recentemente pelo empresário Marco Galinha, que vendeu há dois meses parte significativa do capital ao fundo World Opportunity Fund, detido pela gestora de fundos Union Capital Group (UCAP), que tem sede na Suiça e capitais norte-americanos. Desde essa transação passou a ser o fundo a pagar os salários dos trabalhadores. Dificuldades no processamento da transferência internacional do dinheiro terão levado ao atraso que se verificou e que agora estará já então resolvido, pelo menos no que respeita aos ordenados de novembro.

A contribuir para a situação financeira difícil está o facto de o acordo de compra pelo Estado da posição do grupo na agência Lusa ter abortado. O Governo estava a negociar a compra dos 23,36% detidos pela Global Media e também dos 22,35% detidos pela empresa Páginas Civilizadas, que controla o grupo, mas acabou por desistir do negócio com o argumento de que "não há consenso político" para o realizar.

“No momento atual, não existindo um consenso político alargado, a operação revelou-se inviável”, disse o ministério da Cultura no final da semana passada. Em comunicado, adiantava que “caberá ao próximo Governo assumir as suas responsabilidades e encontrar uma solução que garanta o salutar pluralismo, independência e salvaguarda do serviço público prestado pela Lusa - essencial para o conjunto da comunicação social”.

Já antes o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tinha de alguma forma questionado a operação ao dizer “nada saber” sobre o negócio. O que lhe valeu críticas do atual presidente executivo da Global Media, José Paulo Fafe, que declarou ao jornal Eco que “um dia havemos todos de perceber qual a razão que levou o professor Marcelo Rebelo de Sousa a imiscuir-se, da forma insólita como o fez, em todo o processo em redor da entrada do fundo no capital da Global Media”. Em causa a tomada de controlo do grupo pelo World Opportunity Fund.

A Global Media diz, em declarações ao Expresso, que “lamenta profundamente que, apesar de existir pleno e total acordo com o Estado para a compra das participações detidas na agência Lusa, à última hora o negócio não se tenha efetuado devido a pressões e interferências que foram públicas, e que apenas contribuíram na prática para o atraso no processamento de salários referentes ao mês de Novembro, situação essa que lamentamos profundamente, mas que neste momento já está a ser ultrapassada”.

ERC pediu mais informações

A 12 de outubro a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) fez saber que o World Opportunity Fund passou a deter 51% da Páginas Civilizadas que por seu lado detém 50,25% da Global Media. A propriedade do fundo tem suscitado dúvidas - rejeitadas pela administração, que sofreu alterações na sequência dessa tomada de posição. O PS chegou a pedir à ERC, no início de outubro, que esclareça, ao abrigo da lei da transparência dos media, quem são os novos donos da Global. O regulador diz que continua a analisar os elementos que lhe foram enviados e adianta que colocou algumas questões ao representante da gestora de fundos.

"A ERC esclarece que continua a analisar e averiguar o conjunto de elementos que lhe foram comunicados pelo World Opportunity Fund. Adicionalmente, informa-se que, no quadro das diligências em curso, a Entidade dirigiu algumas questões ao representante da sociedade, estando a aguardar a remissão das respostas", diz o regulador dos media ao Expresso.

Também recentemente o Sindicato dos Jornalistas perguntou ao responsável pela UCAP se concorda com a “estratégia de diminuir e desprezar um produto ímpar” como o JN. Numa carta dirigida a Clément Ducasse, o sindicato diz que “custa a entender” a opção da administração da Global Media de despedir 150 trabalhadores, nomeadamente 40 no JN, 30 na TSF e 56 nos serviços partilhados do grupo.

O Expresso também contactou a UCAP através dos endereços de correio eletrónico indicados na página do grupo na internet, questionando a empresa sobre a estratégia para a Global mas até à publicação deste artigo não recebeu respostas.

Pressão por todos os lados

Além da greve de dois dias, que se junta a outra greve feita em setembro na TSF, os trabalhadores do JN avançaram com uma petição em defesa do jornal, realçando a sua importância histórica para o Porto, a região Norte e todo o país, e procuram o mais possível tornar visível aquilo que consideram uma "machadada" de consequências dramáticas para o jornal.

O Sindicato dos Jornalistas anunciou, por seu lado, que ia “denunciar formalmente” à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) o atraso no pagamento dos salários.

E a situação do grupo começa a colher cada vez mais atenção da parte dos partidos políticos. A começar pelos vereadores da câmara do Porto, com o presidente da autarquia a declarar que é “com tristeza e preocupação” que assiste à situação. Rui Moreira destacou os “dados muito positivos” do JN ao nível da circulação e audiência digital, lembrando que o jornal sempre deu dinheiro ao grupo, é líder de audiências em vários segmentos e sempre fez história no Porto, na região e no país. Também o PCP, Bloco de Esquerda, PAN e mais recentemente, esta terça-feira, o PSD expressaram preocupação com a situação do JN.

Recomposição no DN

Os processos pesados de reestruturação não são novidade no grupo. O outro jornal histórico do grupo, o DN, teve um corte significativo no número de trabalhadores e chegou a acabar com a edição diária impressa, em junho de 2018, mantendo a publicação em papel apenas aos domingos mas no final de 2020 voltou a ser impresso todos os dias quando Marco Galinha comprou uma percentagem significativa do capital e começou a gerir os destinos do grupo. O empresário proprietário do grupo BEL afastou-se de funções executivas após ter reduzido a sua participação mas entretanto comprou duas revistas à Global, a 'Evasões' e a 'Volta ao mundo'.

A descapitalização do DN nos últimos anos tem sido, aliás, assumida pela atual administração da Global como uma situação a corrigir e nesse sentido foram feitas contratações recentemente, havendo inclusivamente jornalistas do Tal & Qual a trabalhar para o DN. José Paulo Fafe participou no relançamento do Tal & Qual em junho de 2021 como acionista e administrador da empresa proprietária, mas em maio deste ano abandonou essa participação. O atual presidente executivo do grupo - cargo que assumiu a meio de novembro - entrou na administração da Global no início de setembro, indicado pelo World Opportunity Fund.

Sobre esta questão, a Global Media refere que "a situação em que se encontrava o DN, vítima de uma estratégia editorial asfixiante ao longo dos últimos anos, implicou uma rápida intervenção de forma a impedir a sua ‘morte’ anunciada, e que passou obviamente por reforçar uma redação que, com pouco mais de 20 jornalistas, assegurou a sua publicação diária, bem como a sua versão digital".

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: PLima@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate