O Banco Central Europeu (BCE) pode não voltar a subir os juros “se não houver outros choques significativos” com impacto na inflação, admitiu esta segunda-feira Christine Lagarde em resposta ao eurodeputado português Pedro Marques, do Partido Socialista e do Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu.
Mas, mesmo que os juros tenham já atingido o pico deste ciclo de subidas iniciado em julho do ano passado, a presidente do banco central garantiu aos eurodeputados que o corte dos juros não foi sequer ainda discutido, e que o horizonte é para as taxas se manterem por “um tempo suficientemente longo” até que a inflação regresse ao objetivo de 2% na zona euro. Lagarde adiantou que essa meta só se vislumbra para o terceiro trimestre de 2025, segundo as mais recentes previsões dos economistas do banco central.
A presidente do BCE respondeu aos eurodeputados da Comissão de Assuntos Económicos e Monetários no âmbito do “diálogo monetário” entre o banco central e o Parlamento que se realiza quatro vezes por ano. A audição desta segunda-feira é a terceira, depois dos diálogos de 20 de março e 5 de junho.
Três ideias-chave de um parágrafo fundamental
Recorde-se que, na reunião de 14 de setembro, o BCE decidiu subir as taxas em 25 pontos-base (um quarto de ponto percentual) prosseguindo o ciclo de aumentos iniciado em julho do ano passado. Em 4,5%, a taxa de refinanciamento, que influencia a Euribor, está num máximo desde outubro de 2020, e a taxa de remuneração da facilidade permanente de depósito (que exclui os depósitos à ordem incluindo as reservas obrigatórias do sector bancário) atingiu um recorde em 4%.
Em resposta a vários eurodeputados que queriam saber se os juros chegaram ao pico, Lagarde respondeu ‘desmembrando’ um parágrafo da comunicação oficial da reunião de setembro que considerou fundamental. O parágrafo diz o seguinte: “Com base na sua atual avaliação, o Conselho do BCE considera que as taxas de juro diretoras atingiram níveis que, mantidos durante um período suficientemente longo, contribuirão substancialmente para o regresso atempado da inflação ao objetivo [de 2%]”.
.A primeira ideia, disse Lagarde, é que a avaliação diz respeito à que foi feita na reunião de setembro. Não é imutável. As avaliações são feitas reunião-a-reunião com base nos dados da evolução da inflação e da transmissão do aperto monetário para a economia real. Por isso, como disse a Pedro Marques, a avaliação só se mantém “se não houver outros choques significativos” com impacto no curso da inflação.
A segunda ideia é que as taxas já atingiram níveis elevados que darão um contributo substancial para a inflação descer. O BCE calcula que a política monetária que tem em curso contribuirá para fazer descer a inflação em mais dois pontos percentuais até final de 2025.
A terceira ideia é que o contributo para a descida da inflação só pode ser substancial se os juros altos forem mantidos por um período suficientemente longo. O que significa que um primeiro corte nos juros ainda não tem data.
O contributo para a descida da inflação só pode ser substancial se os juros altos forem mantidos por um período suficientemente longo.
O “nível dos juros” e o "tempo" em que se vão manter suficientemente restritivos é decisivo na estratégia do BCE, frisou a sua presidente.
Naturalmente que estes condicionalismos não agradam a uma parte do Parlamento Europeu. Pedro Marques, após a audição de Lagarde e durante a apreciação de um relatório de balanço da política do BCE que vai ser apresentado em outubro, concluiu que “a normalização [da política monetária] não pode ser alcançada a qualquer preço”.
Mas a dureza daquelas condicionantes agradam a outros sectores do Parlamento. Para o eurodeputado alemão Gunnar Beck, do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha, “as taxas altas limitam os gastos estéreis do governo alemão” que é formado por uma coligação chefiada pelos social-democratas de Olaf Scholz. E para a deputada espanhola Eva-Maria Poptcheva, eleita pelo Cidadãos (Ciudadanos), os juros altos são um bom freio para “as políticas indiscriminadas como as do governo espanhol” chefiado pelo socialista Pedro Sánchez.
Obsessão pela inflação exige política orçamental austera
Às preocupações de eurodeputados sobre os efeitos sociais e recessivos na economia da politica de juros altos, Lagarde respondeu que “somos obsessivos na missão” que o mandato do BCE obriga, a de garantir a estabilidade de preços no médio prazo em torno de 2%."O que aconteceria se deixássemos a inflação à solta?", perguntou a presidente do BCE aos eurodeputados críticos.
E, no atual período de surto inflacionista, “a política monetária é exatamente para reduzir o fluxo” do crédito às empresas e às famílias, respondeu ao eurodeputado do Bloco de Esquerda José Gusmão.
"O que aconteceria se deixássemos a inflação à solta?", perguntou a presidente do BCE aos eurodeputados críticos
Para isso, a política orçamental tem de ser anticíclica, ou seja, não pode aquecer a economia. Pelo contrário, tem de a arrefecer e, por essa via, fazer baixar a inflação. Por isso, Lagarde é categórica: as políticas orçamentais que estão viradas para aliviar os efeitos da inflação têm um impacto negativo direto na inflação em 2022 e em 2023. “Não estamos a ver uma qualidade contracíclica nos programas de estabilidade”, criticou. A presidente do BCE advoga que sejam descontinuados todos os apoios que não estejam bem focalizados (nomeadamente na área da energia) e que desviem a política orçamental dos objetivos que agora têm de ser fundamentais: fazer descer a dívida pública e não fomentar a inflação doméstica.
A frente da inflação doméstica - a que não é determinada pela oferta mundial de energia e das commodities alimentares, por exemplo - preocupa, agora, o BCE. “Temos de reduzir as componentes da inflação [por via da procura]”. disse em resposta a Joachim Schuster, eurodeputado do SPD alemão, que queria saber como a politica monetária do BCE pode lidar com um surto inflacionista que é basicamente alimentado pelo lado da oferta.
Para por cobro à falta de “qualidade contracíclica" das orientações dos governos em matéria orçamental, Lagarde considera que é fundamental que o novo quadro de regras orçamentais seja aprovado antes das eleições para o Parlamento Europeu em junho de 2024 para que possa condicionar já a apresentação dos orçamentos para 2025.