Economia

“A Santa Casa não tem condições para assegurar os patrocínios como até agora”, diz a provedora Ana Jorge

“A Santa Casa não tem condições para assegurar os patrocínios como até agora”, diz a provedora Ana Jorge
Ana Baião

Área do desporto recebeu garantias de que as verbas não vão sofrer cortes, através de uma solução partilhada entre o Governo e a Misericórdia de Lisboa. Mas os apoios suplementares concedidos pela Santa Casa abrangem muitas outras áreas, como a cultura

Não é só o desporto que está em causa no que respeita aos cortes nos patrocínios concedidos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). Segundo a provedora Ana Jorge, em entrevista esta quinta-feira à SIC Notícias, as cartas a dar conta de necessidade de serem revistos estes apoios não foram enviadas apenas para as entidades desportivas, mas para todas as instituições externas que beneficiam destas ajudas por parte da SCML, explicou a ex-ministra da Saúde e ex-presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, que chegou à Santa Casa em maio passado.

Sobre a reunião de ontem, quarta-feira, com o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Correia, afirmou que “correu bem” e reiterou o que já havia sido comunicado pelo Governo, de que os apoios da SCML à área do desporto se mantêm em 2023 – “até porque a maior parte já estão concedidos e não há mudanças” – e que, em 2024, serão assegurados em parceria com o Governo – ainda não está decidido como –, sem cortes. “O que acontece é que a SCML não tem condições para continuar a fazê-lo como até agora”, explicou a provedora.

Receitas dos jogos sociais dependem de decreto

A provedora fez notar que não estão em causa os cerca de 82 milhões de euros anuais destinados ao desporto nacional que vêm das receitas dos jogos sociais, já que essa fatia está regulada por decreto-lei e não pode ser mexida. Aliás, a SCML é apenas uma das beneficiárias das receitas líquidas de jogos como o Totoloto, Euromilhões ou Raspadinha, com 26,5% do total, segundo decreto-lei nº23/2018, de 10 de abril – a Segurança Social é a área com maior peso nesta distribuição que inclui, igualmente, a saúde, educação, a Presidência, por exemplo, bem como o desporto.

O que a SCML quer reavaliar são os apoios suplementares que abrangem diferentes iniciativas e instituições. “O que está em causa aqui são os apoios suplementares que a SCML atribui a diferentes instituições que não são todas do desporto, apoiamos eventos, como concertos, por exemplo. E dadas as circunstâncias em que a SCML está neste momento importa reduzir despesas e aumentar receitas”.

A diminuição das despesas da SCML faz parte de uma reestruturação que implica olhar “para a renegociação de contratos e para a prestação de serviços. As reduções são transversais”, acrescentou Ana Jorge.

A situação de desequilíbrio financeiro da SCML decorre, sobretudo, da redução das receitas dos jogos sociais, que já se verificava antes da pandemia, mas que sofreram uma enorme contração com a covid-19, e a uma maior despesa assumida pela SCML com a resposta que foi necessário dar, enquadrou a provedora. “Não só em Lisboa, mas para o país a SCML foi o braço armado da resposta na área social”.

Ana Jorge sublinhou, ainda, que a SCML não solicitou a alteração dos 26,5% que lhe cabe dos jogos sociais. “Isto é da competência do Governo, o que nos compete a nós é encontrar outras formas de rendimento para a SCML”, referiu a responsável, adiantando que estão a ser “renegociados alguns contratos, nomeadamente na área da saúde, e em certas áreas sociais que a SCML passou a abranger que não faziam parte do nosso histórico, como as equipas de apoio aos tribunais nas áreas da infância e da juventude nos concelhos de Oeiras, Cascais, Mafra, Sintra e Vila Franca de Xira”.

Estão, igualmente, a ser estudadas formas de rentabilizar o “grande património” da SCML, tarefa para a qual a equipa de gestão conta com o PRR – Plano de Recuperação e Resiliência. A intenção, avançou Ana Jorge, é “recuperar alguns edifícios e espaços que possam ser fonte de rendimento futuro, enquanto prédios para habitação com arrendatários”.

Em relação aos cerca de 6.500 trabalhadores da SCML, Ana Jorge sinalizou que precisam, igualmente, de ser parte da equação. “Necessitam de ser considerados, tendo em conta que têm os vencimentos congelados há cerca de quatro anos e estão sem progressões de carreira”, indicou a provedora, revelando que “temos estado a trabalhar na possibilidade de fazermos o acordo de empresa que é há muito desejado”, que está “praticamente na fase final e de podermos garantir que o vamos fechar com as duas centrais sindicais”. Ana Jorge detalhou que este processo “implica reestruturação, reequilíbrio das carreiras, progressão e atualização de vencimentos” e que, em breve, deverá poder ser anunciado quando entrará em vigor.

Admissões congeladas

O aperto do cinto terá impactos ao nível dos recursos humanos, não escondeu a provedora, e será visível “ao nível das novas admissões que estamos a restringir ao máximo, não há substituições quando alguém sai, estamos a reestruturar os serviços com novas formas de organização e concentrar chefias será outra situação que poderá ocorrer”.

Ficou ainda a garantia de que os serviços não vão ficar em causa com menos pessoas. “Temos o objetivo de não reduzir a prestação de serviços seja qual for a sua natureza. Fazemos cerca de 20 mil atendimentos sociais por ano e isso tem de se manter. Temos um centro de emergência com uma grande atividade, que tem, igualmente, de se manter”, afirmou a provedora, sublinhando que o caminho passa por “encontrar soluções sem aumentar os recursos humanos, mas remunerando melhor, criando maior satisfação e melhores condições de trabalho e formas mais eficientes de trabalho. Há muito peso institucional e com as novas tecnologias podemos facilitar o trabalho das pessoas”.

Em conclusão, Ana Jorge disse ainda que acredita que a SCML será capaz “de ultrapassar as dificuldades, com o sentimento de que pode haver algum sofrimento interno, mas com a esperança de que melhores dias virão”.

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