Economia

SNS acumulou €5,2 mil milhões de saldos negativos em nove anos e "continua a enfrentar riscos e incertezas"

SNS acumulou €5,2 mil milhões de saldos negativos em nove anos e "continua a enfrentar riscos e incertezas"
Paulo Vaz Henriques

O Conselho das Finanças Públicas analisou as contas do Serviço Nacional de Saúde e o diagnóstico aponta vários riscos para a sua sustentabilidade. O acumular de saldos negativos é um deles

SNS acumulou €5,2 mil milhões de saldos negativos em nove anos e "continua a enfrentar riscos e incertezas"

Miguel Prado

Editor de Economia

É um Serviço Nacional de Saúde (SNS) que “continua a enfrentar riscos e incertezas que condicionam o seu desempenho de curto e médio prazo, assim como a sua sustentabilidade futura”. A análise é do Conselho das Finanças Públicas (CFP), que no seu mais recente relatório se debruça sobre a saúde, alertando que entre 2014 e 2022 “o saldo orçamental do SNS foi sempre negativo, registando um valor acumulado de -5231 milhões de euros”.

No que respeita apenas ao ano 2022 o SNS teve um défice de 1066,6 milhões de euros, um resultado melhor que o orçamentado (que apontava para um défice de 1260,6 milhões de euros) e também melhor em 214 milhões de euros face ao resultado negativo de 2021.

No relatório, divulgado esta quarta-feira, o CFP nota que para o saldo negativo acumulado de 5,2 mil milhões de euros nos últimos nove anos “contribuiu um valor da despesa do SNS sistematicamente superior ao valor da receita para todos os anos analisados”. “Não obstante ambos os agregados orçamentais registarem crescimentos anuais, a taxa de crescimento médio da despesa (4,6% por ano) supera a da receita (3,9% por ano)”, refere o relatório.

Contudo, 2022 teve um movimento distinto, com a receita a subir 798 milhões de euros (7,1%), ao passo que a despesa aumentou 584 milhões de euros (4,6%).

Apesar da redução do défice de 2021 para 2022, o CFP lembra que “a situação de défice decorreu da própria elaboração do orçamento”, já que “na elaboração do Orçamento do Estado (OE) o montante da receita total prevista para 2022 situava-se num valor inferior ao que seria necessário para financiar as despesas para esse ano”. Essa situação, frisa o CFP, “sugere o incumprimento da regra de equilíbrio prevista no artigo 27.º da Lei de Enquadramento Orçamental”.

“Uma vez que aproximadamente 96% da receita total do SNS é proveniente do OE, seria prudente que neste exercício de previsão orçamental anual se elevasse a previsão da receita (“transferências e subsídios correntes” e “outras receitas do SNS”) para o nível de despesa do ano anterior, sendo-lhe aplicada a mesma taxa de crescimento esperada para despesa, o que poderia evitar os défices persistentes do SNS [...], se acompanhado do respetivo controlo orçamental e de uma mais eficaz revisão da despesa”, aponta também o Conselho das Finanças Públicas.

Dependência do Orçamento do Estado acentuou-se

A análise do CFP também mostra que nos últimos anos o SNS acentuou a sua dependência do Orçamento do Estado. A componente de outras receitas que não o OE valia 9% em 2014, e em 2022 representou apenas 3,8%.

Esta parcela, cada vez menor, de 3,8% inclui receitas das lotarias, apostas e jogo (24%), prestações de serviços e concessões (34%), receitas de capital (16%), taxas moderadoras (10%) e outras receitas correntes (16%).

No caso das taxas moderadoras, suportadas diretamente pelos utentes do SNS, as receitas em 2022 não foram além de 45 milhões de euros (menos 21 milhões que no ano anterior). “Estas taxas têm vindo a diminuir de forma bastante acentuada nos últimos anos devido ao alargamento das isenções”, nota o CFP, lembrando que a 1 de junho de 2022 “foi aprovado o fim das taxas moderadoras para quase todos os serviços do SNS”, mantendo-se o pagamento “apenas nos serviços de urgência, quando os utentes não têm referência prévia do SNS efetuado através de centros de saúde, da linha SNS 24, ou caso não fiquem internados após o episódio de urgência”.

Despesa abaixo do orçamento: porquê?

Sobre a redução do défice do SNS em 2022 e o facto de a despesa ter ficado abaixo do orçamentado, o relatório do CFP refere que odesvio observado na despesa é maioritariamente justificado pela menor execução da despesa de capital em 323,6 milhões de euros face ao previsto no OE/2022, seguida de uma menor despesa corrente em 60 milhões de euros, quando comparada com aquele documento de programação orçamental”.

“A despesa de capital revelou uma execução bastante abaixo do orçamentado”, nota o CFP. De acordo com a Conta Geral do Estado isso é “justificado pelo facto de estas despesas serem cofinanciadas por fundos comunitários cuja cobrança integral nem sempre se concretiza”.

O relatório do CFP refere que essa justificação “mostra a necessidade de uma política de investimento mais eficaz na área da saúde que assegure a disponibilidade atempada dos fundos necessários à sua execução, quando estão em causa financiamentos assegurados por fundos comunitários”.

“Quanto ao comportamento da despesa corrente, encontra-se influenciado, sobretudo, pelo desvio favorável nas rubricas de transferências e subsídios concedidos, outras despesas correntes e de compras de inventários”, contextualiza o CFP.

O relatório lista uma série de riscos orçamentais, lembrando que “o financiamento do SNS depende quase exclusivamente das verbas provenientes do OE” e que “o ritmo de crescimento da despesa do SNS tem sido muito acentuado, sobretudo no que respeita a despesa com o pessoal e com medicamentos hospitalares”. Além disso, o CFP considera que “a implementação de instrumentos de gestão financeira pública conforme previsto na Lei de Enquadramento Orçamental é essencial para reforçar a sustentabilidade do SNS” e realça que “a modernização do SNS depende, em grande parte, do pleno aproveitamento dos fundos do PRR, assim como da concretização atempada das reformas e dos investimentos nele previstos”.

Dívida a fornecedores com novo aumento

Em 2022 a dívida a fornecedores externos do SNS registou um ligeiro aumento, pelo segundo ano consecutivo, continuando a situar-se acima dos 1,5 mil milhões de euros, observa ainda o CFP no relatório agora divulgado.

Sinal positivo tem sido registado na evolução dos pagamentos em atraso, que no final de 2022 eram de 19 milhões de euros, face a 110 milhões de euros em 2021, prolongando uma trajetória descendente desde 2018.

A dívida vencida também recuou, passando de 631 milhões de euros em 2021 para 580 milhões de euros em 2022.

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