Economia

FMI abre fórum do BCE apelando a mais subidas de juros, mas admite moderação

Gita Gopinath. Foto: FMI
Gita Gopinath. Foto: FMI

Gita Gopinath, a vice-diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, agitou esta segunda-feira o jantar de abertura do Fórum do Banco Central Europeu, em Sintra, ao apelar para os bancos centrais não vacilarem na subida dos juros. Mas admitiu mais tempo para combater a inflação se for necessário evitar “stress sistémico”

“A inflação está a levar demasiado tempo para regressar ao objetivo. Isto significa que os bancos centrais, incluindo o Banco Central Europeu (BCE), têm de se manter empenhados em combater a inflação apesar dos riscos de um crescimento económico mais fraco”, recomendou, com veemência, Gita Gopinath, a vice-diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), num discurso proferido esta segunda-feira no jantar de abertura do Fórum anual do Banco Central Europeu (BCE), que se reúne em Sintra pela décima vez.

No entanto, admitiu que, para “evitar stress sistémico” financeiro, os bancos centrais podem “tolerar um regresso um pouco mais lento ao objectivo da inflação”. Ou seja, podem moderar as subidas. “Mesmo assim, a fasquia para o fazer deve ser elevada”, logo acrescentou Gopinath.

A intervenção da representante do FMI começou pelo que tem sido a mensagem central da organização para os bancos centrais este ano. Nomeadamente, devem estar “vigilantes" em não caírem na tentação de “abrandar prematuramente” o ciclo de aperto monetário, que visa tornar o dinheiro cada vez mais caro para empresas e famílias. A meta política é desincentivar qualquer tentativa de “sobreaquecer” as economias por parte dos governos. Os juros em termos reais - descontando a inflação - “ainda estão bastante baixos”, assinalou com o apoio de gráficos. É preciso, por isso, que a política monetária “permaneça em território restritivo até que a inflação subjacente esteja num caminho claramente descendente”, acrescentou o braço direito de Kristalina Georgieva no FMI.

Para a responsável do FMI, a persistência da inflação elevada (sobretudo visível na inflação subjacente, sem contar com as componentes mais voláteis como a energia, que desceu significativamente) é a primeira “verdade desconfortável” de que a política monetária está hoje refém. A intervenção de Gopinath focou-se no que ela designou por “três verdades desconfortáveis para a política monetária”. Os bancos centrais têm, por isso, de resistir às “esperanças de desinflação” (redução continuada da inflação) que os mercados “particularmente otimistas” têm difundido.

Há riscos de a inflação voltar a aquecer

Estas expectativas otimistas chocam com a realidade de uma inflação que se tem mostrado “persistente” e com riscos reais de pressões para mais inflação no futuro. Gopinath chamou a atenção para fatores inflacionistas por via de novos choques na oferta, nas cadeias de fornecimento de matérias-primas e outros produtos (como assistimos na pandemia e no inicio da invasão russa da Ucrânia), devido ao protecionismo crescente e aos riscos de fragmentação geoeconómica (por causa das rivalidades geopolíticas), da própria dinâmica da transição climática, ou mesmo da pressão altista nos salários e por parte das empresas que aproveitam o momento para engordar lucros.

Estes riscos são, aliás, mais uma verdade desconfortável, alerta Gopinath. “O BCE - e os outros bancos centrais em situação similar - devem estar preparados para reagir com determinação para conter pressões inflacionistas ascendentes ou face à evidência de que a inflação é mais persistente, mesmo que isso signifique muito mais arrefecimento do mercado de trabalho”, recomendou.

Gopinath avançou ainda com mais uma verdade desconfortável para o BCE. Lagarde e a sua equipa podem ver-se confrontadas com “tensões na estabilidade financeira”, vindas da subida de prémios de risco (spreads) da dívida em países mais endividados do euro ou de problemas massivos de insolvência de devedores (famílias, empresas ou mesmo bancos). São problemas que não cabe aos bancos centrais resolverem, mas sim aos governos, disse ela. No entanto, a responsável do FMI deixou uma porta aberta aos bancos centrais numa situação de “tensão sistémica” desse tipo. O remédio é demorar mais tempo no ciclo de subidas dos juros, ir mais moderadamente na pressão para forçar a inflação a baixar para o objetivo.

As sessões de debate iniciam-se nesta terça-feira com uma intervenção de abertura de Christine Lagarde, a presidente do BCE, e terminam na quarta-feira com um painel de discussão juntando face-a-face Lagarde com Jerome Powell, Presidente da Reserva Federal norte-americana (Fed), Andrew Bailey, governador do Banco de Inglaterra (BoE), e o novo governador do Banco do Japão, Kazuo Ueda. Este painel de fecho concentrará as atenções tendo em conta que o BCE e o BoE decidiram em junho prosseguir o ciclo de subida de juros, enquanto a Fed optou por uma pausa e o banco central nipónico mantém uma taxa negativa - o único caso atual no mundo - desde 2016.

O Fórum anual em Sintra iniciou-se em 2014 por iniciativa de Mario Draghi, então presidente do BCE, e Vitor Constâncio, seu vice-presidente e ex-governador do Banco de Portugal.

No fórum deste ano vão estar presentes todos os governadores dos 20 bancos centrais nacionais do sistema do euro, incluindo Mário Centeno do Banco de Portugal, com exceção do Banco central do Luxemburgo que participará online. É a primeira vez que 20 bancos nacionais do sistema do euro estarão presentes, depois da integração da Croácia no euro desde janeiro.

Fed fez pausa em junho, mas BCE não

O Fórum anual do BCE decorre até 28 de junho em Sintra depois de dois anos em que foi realizado online em virtude da pandemia da covid-19. Este ano tem como tema “A estabilidade macroeconómica num contexto de inflação volátil” numa semana que culmina um mês em que vários bancos centrais de economias desenvolvidas decidiram prosseguir o ciclo de aumento dos juros, com destaque para o próprio BCE.

O BCE optou a 15 de junho por subir as taxas em 25 pontos-base (um quarto de ponto percentual), aumentando os juros para 4% e a taxa de remuneração dos depósitos dos bancos para 3,5%. É a oitava subida consecutiva dos juros desde julho de 2022, acumulando um aumento de 4 pontos percentuais.

Em junho, os bancos centrais da Noruega e do Reino Unido decidiram apertar a política monetária mais do que o BCE, subindo os juros respetivos em meio ponto percentual (50 pontos-base). Uma subida similar à aprovada pelo conselho do BCE foi seguida em junho pelos bancos centrais do Canadá, Dinamarca e Suíça. A Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) optou por fazer uma pausa, mantendo os juros no intervalo entre 5% e 5,25%, mas os mercados apontam para uma probabilidade superior a 75% de uma subida de 25 pontos-base na próxima reunião em 26 de julho.

12 chefes de bancos centrais vão estar em Sintra

Este ano, Sintra acolhe doze presidentes e governadores de bancos centrais fora do sistema do euro. O destaque vai para a presença de Jerome Powell, o presidente da Fed, que na última reunião de política monetária optou por uma pausa (que os mercados anteveem como pontual), o principal banco central do mundo, e ainda para os responsáveis do Banco de Inglaterra e do Banco do Canadá, que subiram as taxas na reunião deste mês.

Estarão ainda presentes os responsáveis dos bancos centrais da África do Sul, Bulgária, Dinamarca, Islândia, Japão (com o novo governador Kazuo Ueda) e Noruega. Participando online, conta-se com os responsáveis do Banco do México, Banco Nacional da Suíça (que subiu os juros em 25 pontos-base na reunião de junho) e Banco da Roménia.

A nível de vice-governadores estarão presentes o Banco Central do Brasil - que mantém os juros inalterados desde agosto do ano passado - e o Sveriges Riksbank, o banco central da Suécia, ainda mais velho do que o Banco de Inglaterra, ambos criados no século XVII.

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