Têm sido várias as pressões de Berlim para que a Comissão Europeia não alivie demasiado as regras do défice e da dívida pública, ao ponto de se equacionar o adiamento da apresentação das propostas previstas para esta quarta-feira. Porém, não só a reforma das regras orçamentais é formalmente apresentada amanhã, como o executivo comunitário mantém a intenção de flexibilizar o ritmo de redução de dívida.
Tal como defendeu em novembro, Bruxelas deverá propor que a atual regra de redução de dívida desapareça, sendo substituída por uma nova regra e uma nova lógica. Os países com dívidas elevadas (acima dos 60% do PIB) deixariam de ter a obrigação de reduzir a dívida pública ao rimo de 1/20 ao ano – uma regra que, na prática, ninguém cumpre. Em alternativa, a Comissão propõe que o ritmo de redução seja negociado individualmente com cada Estado-membro, tendo em conta a situação de cada um.
Os planos nacionais de redução de dívida implicariam um maior envolvimento do país – fórmula já testada na negociação dos PRR – estabelecendo um caminho para quatro anos, com possibilidade de ser prolongado por mais três. Mas só se o país precisasse desse tempo para fazer reformas e investimentos consentidos por Bruxelas, sempre ligados a áreas prioritárias e estratégica (verde, digital, segurança).
Bruxelas não desiste de reformar a sério a regra de redução da dívida, mas, sabe o Expresso, por causa da pressão alemã, serão também introduzidas variáveis para tentar satisfazer Berlim, nomeadamente ao nível da redução do défice.
Desde que a Comissão lançou a discussão sobre a alteração da regra de redução da dívida, que o ministro alemão das Finanças se mostrou contra a ideia. Christian Lindner tem feito campanha contra, contando com o apoio de outros países, como os Países Baixos.
Esta terça-feira, aumentou ainda mais a pressão, ao publicar um texto de opinião bastante crítico no Financial Times. O timing não podia ser mais oportuno. Quando a Comissão se prepara para apresentar uma proposta formal, Lindner faz já um aviso à navegação: a negociação a 27 não será fácil, sobretudo porque exige unanimidade.
Lindner diz que é fundamental que o resultado final seja o "reforço do Pacto de Estabilidade e Crescimento, não o seu enfraquecimento". O líder do partido liberal alemão (FDP), coligado no governo com o SPD, deixa duras críticas aos planos de redução de dívida negociados entre a Comissão e os Governos, considerando que isso tornaria a "redução da dívida numa negociação política".
"Em vez de procedimentos e negociações bilaterais, precisamos de um sistema funcional de regras orçamentais que conduza a um tratamento igual para todos os Estados-Membros", diz no artigo de opinião, defendendo que "as regras orçamentais comuns têm de assegurar uma redução rápida e suficiente dos défices e dos elevados rácios da dívida".
Lindner vai ainda mais longe, ao insistir que tem de haver "valores de referência numéricos compreensíveis e acordados" e que isso "é um requisito mínimo para garantir a diminuição dos rácios da dívida e a igualdade de tratamento". Para o ministro alemão das Finanças é também fundamental que haja "mais medidas para garantir o cumprimento por parte dos Estados-Membros", rejeitando a "discricionariedade na interpretação e aplicação das regras".
O texto termina com um alerta. Diz que a Reforma do Pacto de Estabilidade e Crescimento só faz sentido se for para introduzir melhorias. "Caso contrário, não é aconselhável mexer nas regras". Ou seja, o sucesso da negociação passa por Berlim.
A reforma das regras orçamentais arrasta-se há vários anos e tornou-se ainda mais necessária depois de pandemia de Covid-19, quando pela primeira vez, houve uma suspensão temporária. Mas as regras não desapareceram: o limite da dívida continua a ser 60% e a linha vermelha do défice mantém-se nos 3%.
São números sagrados, nos quais ninguém quer mexer e que vão regressar em força em janeiro do próximo ano. É por isso que a Comissão e vários países, incluindo Portugal, insistem numa reforma das regras, nomeadamente através de uma simplificação e de uma nova fórmula de redução que não estrangule a margem de manobra dos Governos.
O ideal seria um acordo antes do final do ano, mas todos reconhecem que o dossier é divisivo.
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