Economia

Inflação subjacente e despesismo orçamental obrigam BCE a não parar, avisa Lagarde

Christine Lagarde, presidente do BCE
Christine Lagarde, presidente do BCE

Com a inflação subjacente (sem energia e alimentação) a subir e os governos da zona euro a não descontinuarem despesas que deviam ser temporárias, a presidente do BCE reafirmou que a subida de juros não vai parar tão cedo

O Banco Central Europeu (BCE) subiu esta quinta-feira os juros em meio ponto percentual e antecipou que tem a intenção muito forte de repetir a dose na próxima reunião em março. Christine Lagarde, a presidente do banco, foi mais longe na conferência de imprensa que se seguiu à divulgação das decisões, e adiantou que não antevê que o ciclo de subidas atinja um pico em março.

“Não, não, não. Não atingiremos o pico em março. Ainda temos muito por fazer”, disse Lagarde, liquidando as expetativas de que o BCE poderia fazer uma pausa depois de chegar em março a uma provável taxa diretora de 3,5% e a uma taxa de remuneração dos depósitos dos bancos - que estão em mais de 4 biliões de euros - de 3%.

Há uma clara resistência do BCE em optar pela estratégia recente do Banco do Canadá ao fazer uma “pausa condicional” nas subidas de juros ou em reduzir o ritmo de aperto como o fez na quarta-feira a Reserva Federal dos Estados Unidos da América (EUA), ao aumentar em apenas 25 pontos-base a taxa diretora.

Lagarde adiantou, na conferência de imprensa desta quinta-feira, as razões fortes para “manter o curso” sem hesitações. Há duas realidades que a levam a torcer o nariz a prematuramente abrandar o ritmo de aperto monetário: a inflação subjacente, que não desce, ao contrário da inflação global (que está em desaceleração desde novembro), e a política orçamental dos governos da zona euro, que merece o desacordo dos banqueiros centrais do euro.

Desinflação ainda não está em curso

A primeira dor de cabeça é a inflação subjacente - o nome dado pelos economistas para a variação de preços excluindo as componentes mais voláteis (como a energia e a alimentação). Esta inflação tem subido nos últimos 12 meses e chegou em dezembro passado a 5,2%, “a mais elevada” na história do euro, frisou Lagarde. Em janeiro manteve-se nos 5,2%, não dando mostra de entrar numa trajetória descendente.

A posição de Christine Lagarde é bem o contrário da de Jerome Powell, o presidente da Reserva Federal, que na quarta-feira se regozijou com o processo de desinflação nos EUA. A palavra desinflação significa que a taxa de inflação se reduz, dando sinal de que o surto inflacionista está a perder gás. Lagarde foi clara: “Não direi que o processo de desinflação está já em curso” (na zona euro). A cautela tem a ver precisamente com o comportamento da referida inflação subjacente.

A presidente do BCE referiu riscos que poderão dar um novo fôlego à inflação: a reabertura da China (com a pressão altista sobre os preços das matérias-primas) e a evolução do aumento dos salários.

Crítica ao despesismo orçamental

A presidente do BCE voltou a uma crítica que já fizera sonoramente no Fórum de Davos. As medidas para mitigar os efeitos do surto inflacionário têm de ser, em geral, “temporárias”.

Os governos têm de “começar já a descontinuar” todas as que não forem focalizadas em objetivos sociais ou de transformação da economia. Têm de “recalibrar” a estratégia orçamental, frisou a francesa. Se o não fizerem, isso obrigará o BCE a um aperto ainda mais duro, avisou. Esta posição foi secundada já em Davos pelo Fundo Monetário Internacional e é uma das recomendações fortes do relatório que a organização publicou a 31 de janeiro, atualizando as previsões para 2023.

Lagarde acrescentou que este ponto foi “extensivamente” discutido na reunião do BCE e que foi tema de conversa com Pascal Donohoe, o atual presidente do Eurogrupo, que reúne os ministros das Finanças da zona euro. O ministro das Finanças irlandês esteve presente na reunião do BCE e teve um jantar com Lagarde, tendo, certamente, registado o “estado de espírito” dos banqueiros centrais do euro. “Um apoio orçamental prolongado pode atrasar o efeito da política monetária”, disse a presidente do BCE.

Se não houver ‘recalibração’ da política orçamental, serão postos em causa os primeiros resultados - positivos, no entender de Lagarde - que o BCE está a começar a ver do ciclo de aumentos que iniciou em julho passado.

A presidente do BCE congratulou-se com o que diz ser a demonstração de uma boa “transmissão da política monetária” para o terreno, com impacto nas famílias e nas empresas. Os bancos dão mostras de refrear os empréstimos. O objetivo maior de “contrair a procura” está a começar a sentir-se.

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