A votação da norma que enquadra a regulamentação das relações laborais no quadro da nova economia, ou seja, nas plataformas digitais, voltou a ser adiada. Na passada semana foi o PSD a requerer o adiamento na Comissão de Trabalho, onde as alterações à legislação laboral estão a ser discutidas. Esta terça-feira foi o Bloco de Esquerda (BE) a fazê-lo e o argumento é comum: a figura do intermediário, que consta das propostas do Governo e do grupo parlamentar socialista, e que os restantes partidos querem ver extinta, sob o argumento de que contraria a proposta de diretiva da Comissão Europeia (CE). A Comissão de Trabalho volta a reunir na próxima quinta-feira.
Em causa está a proposta do Executivo para a regulamentação das relações de trabalho dos profissionais das plataformas digitais em discussão na Comissão de Trabalho, na Assembleia da República. Depois de numa fase inicial ter chegado a prever — em linha com a norma aprovada esta segunda-feira pelo Parlamento Europeu e da jurisprudência internacional — que, se confirmados pelo menos dois dos seis indícios de laboralidade previstos no diploma, os motoristas e estafetas deveriam ser reconhecidos como trabalhadores das plataformas, o documento que o Governo de António Costa levou a votação na generalidade, em julho, e que agora está a ser debatido e votado em sede de especialidade, defende algo diferente. O Executivo introduziu na versão final do artigo 12º-A a possibilidade de o vínculo laboral ser estabelecido não apenas com plataformas como a Uber, Bolt, Glovo ou outras, mas também com uma terceira figura, a do intermediário.
Quem é, afinal, o pai da norma?
A “paternidade” desta alteração não é conhecida. Mas, esta terça-feira, durante o plenário que decorria no Parlamento e onde participava António Costa, a bancada social democrata não perdeu oportunidade de questionar. O deputado Nuno Carvalho classificou o artigo 12º-A como “um artigo mal feito e abandonado” questionando Costa: “quem é o pai deste artigo? Para nós sabermos com quem dialogar”.
Recorde-se que, como o Expresso já tinha avançado, as alterações introduzidas pelo Governo à proposta original levaram os partidos da oposição — entre eles BE e PCP — a acusar o Governo de “ceder ao lóbi das multinacionais das plataformas”, aliviando-as da sua responsabilidade para com os trabalhadores, ao contrário do que determina a diretiva europeia nesta matéria e do que foram também as orientações dos coordenadores do “Livro Verde para o Futuro do Trabalho”, Guilherme Dray e Teresa Coelho Moreira.
E terão sido precisamente as declarações de Costa no plenário, minutos antes de ser votada a proposta na Comissão de Trabalho, a sustentar o pedido do BE para que a votação fosse novamente adiada. Em resposta ao deputado José Soeiro, do BE, que voltou a acusar o Governo de ceder ao “lóbi das multinacionais que procuram, assim, libertar-se das suas responsabilidades”, relembrando ainda que a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, ajudou a travar uma proposta da presidência checa que previa precisamente “a figura do intermediário”, dificultando a presunção de laboralidade, em contradição com o que viria a ser a proposta socialista, o Primeiro-ministro vincou que “o que estava em causa na proposta checa” não é o mesmo que se está a debater em Portugal.
Governo vai rever proposta
”O que está em causa na discussão na Assembleia da República é caracterizar com quem é estabelecida a natureza laboral da relação", apontou Costa realçando que a proposta da presidência checa pretendia “descaracterizar a relação entre motorista e a outra entidade como tendo natureza laboral”. Mas foi o que Costa disse a seguir que levou Soeiro a pedir novo adiamento à votação da proposta, desta vez até com a concordância do grupo parlamentar socialista: "admito que, tecnicamente, se robusteça a proteção dessa natureza laboral, prevendo que essa natureza se mantém ainda que haja um intermediário entre o motorista e a plataforma, e que, nessa circunstância, há uma responsabilidade solidária da plataforma e do intermediário relativamente ao seu trabalhador motorista”, admitiu o primeiro-ministro.
Declarações que levaram os bloquistas a pedir novo adiamento, o terceiro, à votação da proposta: “Queríamos sugerir que não votássemos hoje [terça-feira] o artigo 12-A e que deixássemos essa votação para um momento em que nos permita ponderar realmente a decisão sobre este artigo. Não queremos protelar o processo da decisão, mas permite-nos ponderar elementos novos e a interpretação da resposta do Sr. primeiro-ministro”, argumentou Soeiro, com a concordância dos restantes partidos.
Para 15 de dezembro, quinta-feira, está marcada nova reunião da Comissão de Trabalho, mas o tema pode não ficar fechado. De resto, o Governo já admitiu que a meta de janeiro de 2023 para que a norma entrasse em vigor não será cumprida.
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