Economia

Regulação laboral nas plataformas digitais novamente adiada. Governo admite mexidas que atrasarão entrada em vigor da lei

Vínculos dos trabalhadores das plataformas estão entre as várias alterações propostas pelos partidos ao diploma do Governo
Vínculos dos trabalhadores das plataformas estão entre as várias alterações propostas pelos partidos ao diploma do Governo
José Fernandes

Comissão de Trabalho voltou a adiar a votação da proposta de regulamentação de vínculos laborais nas plataformas digitais, desta vez a pedido do Bloco de Esquerda. Em causa continua a estar a figura do “intermediário” que os partidos quem ver extinta, em linha com o que determina a norma Europeia

A votação da norma que enquadra a regulamentação das relações laborais no quadro da nova economia, ou seja, nas plataformas digitais, voltou a ser adiada. Na passada semana foi o PSD a requerer o adiamento na Comissão de Trabalho, onde as alterações à legislação laboral estão a ser discutidas. Esta terça-feira foi o Bloco de Esquerda (BE) a fazê-lo e o argumento é comum: a figura do intermediário, que consta das propostas do Governo e do grupo parlamentar socialista, e que os restantes partidos querem ver extinta, sob o argumento de que contraria a proposta de diretiva da Comissão Europeia (CE). A Comissão de Trabalho volta a reunir na próxima quinta-feira.

Em causa está a proposta do Executivo para a regulamentação das relações de trabalho dos profissionais das plataformas digitais em discussão na Comissão de Trabalho, na Assembleia da República. Depois de numa fase inicial ter chegado a prever — em linha com a norma aprovada esta segunda-feira pelo Parlamento Europeu e da jurisprudência internacional — que, se confirmados pelo menos dois dos seis indícios de laboralidade previstos no diploma, os motoristas e estafetas deve­riam ser reconhecidos como trabalhadores das plataformas, o documento que o Governo de António Costa levou a votação na generalidade, em julho, e que agora está a ser debatido e votado em sede de especialidade, defende algo diferente. O Executivo introduziu na versão final do artigo 12º-A a possibilidade de o vínculo laboral ser estabelecido não apenas com plataformas como a Uber, Bolt, Glovo ou outras, mas também com uma terceira figura, a do intermediário.

Quem é, afinal, o pai da norma?

A “paternidade” desta alteração não é conhecida. Mas, esta terça-feira, durante o plenário que decorria no Parlamento e onde participava António Costa, a bancada social democrata não perdeu oportunidade de questionar. O deputado Nuno Carvalho classificou o artigo 12º-A como “um artigo mal feito e abandonado” questionando Costa: “quem é o pai deste artigo? Para nós sabermos com quem dialogar”.

Recorde-se que, como o Expresso já tinha avançado, as alterações introduzidas pelo Governo à proposta original levaram os partidos da oposição — entre eles BE e PCP — a acusar o Governo de “ceder ao lóbi das multinacionais das plataformas”, aliviando-as da sua responsabilidade para com os trabalhadores, ao contrário do que determina a diretiva europeia nesta matéria e do que foram também as orientações dos coordenadores do “Livro Verde para o Futuro do Trabalho”, Guilherme Dray e Teresa Coelho Moreira.

E terão sido precisamente as declarações de Costa no plenário, minutos antes de ser votada a proposta na Comissão de Trabalho, a sustentar o pedido do BE para que a votação fosse novamente adiada. Em resposta ao deputado José Soeiro, do BE, que voltou a acusar o Governo de ceder ao “lóbi das multinacionais que procuram, assim, libertar-se das suas responsabilidades”, relembrando ainda que a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, ajudou a travar uma proposta da presidência checa que previa precisamente “a figura do intermediário”, dificultando a presunção de laboralidade, em contradição com o que viria a ser a proposta socialista, o Primeiro-ministro vincou que “o que estava em causa na proposta checa” não é o mesmo que se está a debater em Portugal.

Governo vai rever proposta

”O que está em causa na discussão na Assembleia da República é caracterizar com quem é estabelecida a natureza laboral da relação", apontou Costa realçando que a proposta da presidência checa pretendia “descaracterizar a relação entre motorista e a outra entidade como tendo natureza laboral”. Mas foi o que Costa disse a seguir que levou Soeiro a pedir novo adiamento à votação da proposta, desta vez até com a concordância do grupo parlamentar socialista: "admito que, tecnicamente, se robusteça a proteção dessa natureza laboral, prevendo que essa natureza se mantém ainda que haja um intermediário entre o motorista e a plataforma, e que, nessa circunstância, há uma responsabilidade solidária da plataforma e do intermediário relativamente ao seu trabalhador motorista”, admitiu o primeiro-ministro.

Declarações que levaram os bloquistas a pedir novo adiamento, o terceiro, à votação da proposta: “Queríamos sugerir que não votássemos hoje [terça-feira] o artigo 12-A e que deixássemos essa votação para um momento em que nos permita ponderar realmente a decisão sobre este artigo. Não queremos protelar o processo da decisão, mas permite-nos ponderar elementos novos e a interpretação da resposta do Sr. primeiro-ministro”, argumentou Soeiro, com a concordância dos restantes partidos.

Para 15 de dezembro, quinta-feira, está marcada nova reunião da Comissão de Trabalho, mas o tema pode não ficar fechado. De resto, o Governo já admitiu que a meta de janeiro de 2023 para que a norma entrasse em vigor não será cumprida.

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