Carlos Costa, em entrevista à CNN nesta sexta-feira, diz que nunca pensou que o livro em que conta as suas memórias se tornasse um facto político relevante. “Fiquei muito surpreendido”, afirmou o antigo governador do Banco de Portugal.
O telefonema, diz, ficou gravado “na minha memória”, e Carlos Costa adianta que aquilo que o surpreendeu mais ”foi que a mensagem do primeiro-ministro mostra que deveria haver uma moeda de troca entre a idoneidade numa instituição (BIC) por outra (BPI)".
O ex-governador reitera a frase em que cita de António Costa em que o primeiro-ministro ter´á dito que “não admitia" que “se tratasse mal a filha de um presidente amigo de Portugal”. E acrescenta que o telefonema, que recorda no livro escrito pelo jornalista Luís Rosa, em 2016, foi feito duas horas depois de se ter reunido com Isabel dos Santos e Fernando Teles (acionistas do Banco BIC Português) para lhes dizer que não havia condições para fazerem parte dos órgãos sociais, “no contexto da União Bancária e nesse momento tínhamos fundamentos de que não havia condições”, para aceitar o nome de Isabel dos Santos.
“Naquela época tínhamos indícios fortes de que a sua idoneidade [de Isabel dos Santos] não estava assegurada”. E por isso tomou a decisão. Nestas questões, “ou se tem idoneidade ou não se tem”.
Ainda assim, Carlos Costa, em resposta à questão sobre se o telefonema foi uma intervenção política no Banco de Portugal, afirma: “Não interveio porque eu tomei a decisão que tinha de tomar. O que não era esperado era ele [primeiro-ministro] disparar para um governador sobre um telefonema”.
O ex-governador afirma estar preparado para se defender caso a ameaça de processo por parte do primeiro-ministro venha a ser concretizada. “Mantenho o que disse e responderei onde quer que seja por aquilo que disse”, garantiu.
Carlos Costa aconselha leitura de um capítulo aos banqueiros
Confrontado com o desinteresse revelado pelos banqueiros relativamente à leitura do livro, o ex-governador afirma: “seria muito interessante que lessem, pelo menos, o capitulo sobre a entrada da troika em Portugal” e o que era proposto. Ou seja, a adesão ao modelo irlandês, que passava pela nacionalização ou venda a investidores estrangeiros.
Carlos Costa diz, ainda, que o PEC IV precisava de um pacote financeiro e que “a presença do FMI foi necessária”. Acrescenta: “não tenho dúvidas” e sublinha a cumplicidade entre ele e o então ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos. “Tínhamos um objetivo comum” e “não tínhamos muito tempo”.
Na entrevista à CNN, Carlos Costa afirma que não teve conhecimento da carta enviada pelo primeiro-ministro para Mário Draghi, presidente do BCE, e para o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker, e que ficou “surpreendido”. Primeiro, porque “a fotografia que fazia do sistema bancário não correspondia à realidade”: “o sistema bancário era acompanhado por Frankfurt e pelo Banco de Portugal e a carta mostra uma grande desconfiança sobre o sistema financeiro”, o que piorou a imagem da banca portuguesa. “Se eles [BCE e Comissão] sentem que há dúvidas, se eles [governo] dizem que está pior do que sabíamos, isso não é bom”.
Depois, a carta tinha, na realidade, uma intenção, sublinha: “uma luta política sobre a dúvida de uma saída limpa. Punha em causa a qualidade da saída" do programa de ajustamento e “causou surpresa”. Nessa carta dizia-se que o Banif estava em pré-resolução quando, na realidade, ainda estava à venda.
Costa, o ex-governador, diz que a banca hoje está “mais robusta do que em 2011, os bancos estão mais fortes e é importante ter uma CGD (banco público) forte”. Dizendo ainda que “respondem bem à análise de risco”. Em conclusão, acrescentou: “espero que não comentam o mesmo erro que cometeram entre 2005 e 2010”.
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