Não é a primeira vez que a Air France olha para a TAP. Já o fez no início dos anos 1990, antes de a companhia portuguesa ter decidido avançar para uma parceria com a SwissAir. Agora, já depois da nacionalização e sob a liderança de Christine Ourmières-Widener, volta a estar na corrida e de forma assumida
O presidente da Air France, Ben Smith, admitiu na sexta-feira que a companhia francesa poderá estar interessada na TAP. É a primeira transportadora a assumir publicamente o interesse na companhia portuguesa, cujo capital irá ser privatizado. A Lufthansa e a AIG, grupo que junta a espanhola Ibéria e a British Airways, também estão na corrida, mas ainda não fizeram uma demonstração pública de interesse.
Não é novidade que a transportadora francesa, parceira da holandesa KLM, está a olhar para a TAP como potencial aquisição, o Expresso já o tinha noticiado em dezembro de 2021, mas a manifestação pública só aconteceu agora.
O grupo está "muito familiarizado com a Península Ibérica" e a TAP poderá ser "uma opção", disse o presidente executivo da Air France KLM na conferência de imprensa da apresentação dos resultados do terceiro trimestre de 2023, na sexta-feira, citado pelo “Eco”.
O grupo Air France/KLM tem estado a negociar a entrada no capital da ITA, companhia italiana criada após a falência da Alitalia - um dossiê que ficou em suspenso com os resultados das últimas eleições em Itália, que deram a vitória ao partido de extrema direita Fratelli d´Itália, liderado por Giorgia Meloni.
O interesse da Air France/KLM fez-se sentir já depois da TAP ter comprado a participação do norte-americano. David Neeleman chegou a negociar a venda de uma participação minoritária da TAP à Lufthansa, e nessa altura o grupo franco-holandês não estava na equação.
Não é a primeira vez que a Air France equaciona entrar no capital da TAP. Pensou fazê-lo no início dos anos noventa, do século passado, antes de a companhia portuguesa ter decidido avançar para uma parceria com a SwissAir- uma operação que acabou por falhar porque a companhia foi à falência. Um passado fracassado, que arrumou por longos anos o interesse do governo português em privatizar a TAP ou integrá-la num grupo.
Se a TAP fosse comprada pelo grupo franco-holandês, juntar-se-ia a um grupo composto por três companhias áreas: Air France, KLM (juntaram -se em 2005) e a Transavia. Juntos têm 537 aviões e transportaram 45 milhões de passageiros em 2021. Voam para a 117 países em 300 destinos. Têm um hub em Paris-Charles de Gaulle e em Amesterdão-Schiphol. Pertencem à aliança Sky Team.
O grupo Air France/KLM tem como acionistas o estado francês (28,6%), o estado holandês (9,3%), a CMA GSM (9%), China Eastern Airlines (4,7%) e a Delta Airlines (2,9%). Os trabalhadores controlam 12% do capital.
Quem quer casar com a TAP?
A 29 de setembro, vinte dias depois do Expresso ter noticiado que o Governo queria acelerar a privatização da TAP, o primeiro-ministro, afirmou que o Estado queria concluir o processo em 12 meses.
Apesar de o processo não estar formalizado, os potenciais candidatos começam a posicionar-se. Os candidatos mais relevantes são, como tem sido noticiado, a Lufthansa, a Air France/KLM e a IAG.
São verdadeiros gigantes ao lado da companhia aérea portuguesa, uma das poucas que se mantém fora dos grandes grupos europeus. A diferença é grande desde logo ao nível da frota, mas também das receitas e do número de passageiros transportados.
As candidatas favoritas Lufthansa e Air France/KLM são entre sete e cinco vezes maiores que a TAP ao nível da frota - o grupo liderado pela companhia alemã tem 713 aviões, mais 176 aeronaves que a sua rival franco-holandesa.
A IAG, grupo que junta a Iberia, a British Airways e a Aer Lingus, tem uma frota mais pequena que os dois grupos concorrentes, mas a curta distância da Air France/KLM, estes têm 537 aviões, e os primeiros 531.
Ao nível de receitas a diferença é bastante significativa, a TAP é dez vezes mais pequena que o grupo Lufthansa e Air France/KLM e seis vezes menor do que a IAG. Valores que espelham os passageiros transportados, cuja ordem de grandeza também é de dez vezes.
Estes números são relativos a 2021, ainda distantes dos números pré-covid. Em 2019, o maior grupo europeu, a Lufthansa transportava 145 milhões de passageiros tinha vendas de 36,4 mil milhões. Nesse ano, o grupo Air France/KML transportou 104 milhões de pessoas em 2019, e a IAG 118 milhões passageiros.
Todas as companhias encolheram, mas continuam gigantes ao pé da TAP, que em 2019, um ano de enorme crescimento e de recordes, transportou 17 milhões de passageiros e tinha de receitas 3,3 mil milhões. Em 2021 as receitas da transportadora portuguesa eram 1,388 mil milhões e o número de passageiros transportados 5,8 milhões.
Ainda a lamber as feridas da pandemia, e com um inverno muito cinzento pela frente, com a pressão inflacionista e os custos dos combustíveis em máximos, as companhias áreas estão atentas aos movimentos de consolidação. E a TAP dada a localização privilegiada do hub de Lisboa e a forte presença no Brasil, é algo que os grandes grupos europeus não querem perder para a concorrência.
Todos têm mercados internos mais fortes e com maior capilaridade, mas cobiçam a TAP pelo seu posicionamento geográfico e as ligações ao Brasil, a África e aos EUA, que podem ser complementares para as estruturas que têm.
A escolha, por parte da TAP, tem de ser pensada estrategicamente, a TAP não se pode deixar anular, nem fragilizar o hub, e um passo na direção errada pode ser fatal, alertam especialistas do setor.
A TAP, já reconheceu várias vezes o ministro Pedro Nuno Santos, não vai conseguir sobreviver muito mais tempo sozinha - a aviação é um negócio cuja rentabilidade assenta na escala, logo é preciso ter dimensão.
Air France/KLM ou Lufthansa, eis a questão
Entre as favoritas à compra da TAP continua a alemã Lufthansa e o grupo que junta a francesa Air France e a holandesa KLM. Se o grupo liderado pelos franceses e holandeses tem ganho adeptos dentro do governo e da TAP, é porque a lógica de fusão tem sido manter as empresas autónomas. E a expetativa do governo é que havendo uma certa tensão entre a gestão da Air France e da KLM, a companhia portuguesa pudesse funcionar como árbitro - mas também é verdade que a TAP seria o elo mais frágil desta aliança, que tem ainda como acionista a norte-americana Delta, que no último verão fez uma grande aposta no mercado português.
O favoritismo dentro do governo tem saltitando entre a Lufthansa e a Air France/KLM, mas não será apenas o Executivo a escolher, as circunstâncias a vontade dos candidatos também pesam. E há um dado novo na equação - a privação da ITA, a antiga Alitalia.
As peças do xadrez estão a mexer-se, e os grandes grupos, sabe o Expresso, não têm estado parados. A Lufthansa, que estudou a possibilidade de se tornar acionista maioritária da TAP quando o norte-americano David Neeleman era acionista, - e chegou mesmo a atribuir-lhe um valor de mil milhões de euros -, mantém-se em jogo. E como já devolveu ao Estado as ajudas públicas dadas no âmbito da Covid, pode avançar para a compra da TAP a qualquer momento.
A gigante alemã foi durante algum tempo um dos parceiros preferidos do Governo - António Costa e Pedro Nuno Santos nunca o esconderam, e deixaram inclusive essa mensagem em Bruxelas no âmbito das negociações com a Direção Geral da Concorrência (DG Comp).
Há ainda um longo caminho a percorrer. O primeiro-ministro, António Costa, disse em setembro que a privatização da TAP é para fazer nos próximos 12 meses. Mas ainda recentemente, na Assembleia da República, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, afirmava que o processo de privatização ainda não tinha avançado.
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