Confirmou-se a última condenação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a Ricardo Salgado na justiça portuguesa. Porém, em vez da coima única de 1 milhão de euros, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, baixou a sanção para 950 mil euros.
As coimas aplicadas pelo tribunal esta segunda-feira, 10 de outubro, a outros dois antigos administradores do Banco Espírito Santo (Amílcar Morais Pires e Joaquim Goes) foram reduzidas face à decisão administrativa do regulador, sendo que estas, juntamente com a sanção mantida a um outro administrador (Rui Silveira), vão beneficiar de uma suspensão de 20% do pagamento das respetivas coimas.
Houve também lugar a uma admoestação, em que a coma foi suspensa (José Manuel Espírito Santo).
Ao todo, as coimas totais são agora de 2,1 milhões, quando eram de 2,8 milhões quando saíram da CMVM.
Tirando a admoestação, todas as outras coimas são recorríveis para o Tribunal da Relação de Lisboa – e os advogados de defesa já o sinalizaram que vão fazer, pedindo um prazo de 30 dias. Mais do que a juíza Mariana Machado esteve disponível para dar, fixando o prazo em 20 dias, considerando que não há factos novos que justifiquem um calendário adicional.
Alzheimer não impede condenação
A juíza validou a maior parte das infrações detetadas pela CMVM, mas não todas (houve uma infração a cair relativamente a todos os seis condenados na fase administrativa), e isso teve implicações no montante das coimas aplicadas.
A CMVM tinha aplicado uma coima de 1 milhão de euros por cinco infrações a Ricardo Salgado. São quatro aquelas que foi condenado na leitura da sentença. Ao valor, a juíza acrescentou a sanção acessória de inibição de quatro anos.
A juíza Mariana Machado teve em conta o diagnóstico de Alzheimer, mas frisou que não se aplicava à data dos factos, e que isso não impede a condenação. Aliás, enumerou as condenações já transitadas em julgado noutros processos saídos da CMVM e do Banco de Portugal. O não pagamento de coimas nesses processos foi motivo para a aplicação da sanção de uma dimensão próxima à saída da CMVM.
Reduções de coimas
Em relação aos outros gestores, houve genericamente uma diminuição da sanção aplicada. Com quatro contraordenações, Amílcar Morais Pires estava condenado pela CMVM em 600 mil euros, mas caindo uma delas, o cúmulo baixou agora a coima de 500 mil euros.
A juíza deu valor às declarações de Morais Pires em tribunal, lembrou que está a pagar de forma faseada as coimas, o que mostra, disse, respeito pela autoridade da justiça. De qualquer forma, a sanção acessória de inibição de três anos foi aplicada.
Com uma coima de 500 mil euros, José Manuel Espírito Santo foi visado em quatro contraordenações pela CMVM. Continuando a ser condenado com três infrações na decisão do tribunal, a juíza considerou que a sua situação de saúde “mitiga as necessidades de prevenção geral”, por terem passado oito anos e por a sua situação ser “muito distante dos demais”. O facto de as testemunhas por si chamadas terem assumido que o BES estava numa frágil situação aquando do aumento de capital, em 2014, também levou à decisão do tribunal, que retirou a coima e decretou a admoestação, que configura uma condenação, mas sem consequência pecuniária.
Por sua vez, Rui Silveira era visado por duas infrações que renderam uma coima única de 400 mil euros. Caiu uma infração, ficando apenas outra, mas a coima única foi mantida.
Já Joaquim Goes saiu do processo da CMVM com uma coima de 300 mil euros, mas, com a decisão judicial, a coima passa para 250 mil euros. A sanção acessória de inibição não foi aplicada, por não ter antecedentes e por as infrações terem-se revelado num “episódio único”, não recorrente.
Suspensão das coimas e crítica à CMVM
Ricardo Salgado não contou com nenhuma suspensão da sua coima, ao contrário do que aconteceu com os restantes visados. Morais Pires, Joaquim Goes e Rui Silveira beneficiam de uma suspensão de 20% da execução da coima por 24 meses, ou seja, não terão de pagar 20% do valor que foi aplicado.
Para Morais Pires, significa que terá de pagar 400 mil euros, Rui Silveira 320 mil e Joaquim Goes 200 mil euros.
A juíza teve em conta os oito anos passados desde a prática dos factos – aliás, um período de tempo que a levou a condenar fortemente o atraso pela CMVM por só em 2022 o caso relativo a factos de 2013 e 2014 ter chegado à justiça.
Rui Silveira ouviu sentença
Morais Pires e Joaquim Goes tinham estado em audiências anteriores neste julgamento, mas não foram esta segunda-feira assistir à última sessão do tribunal.
De todos estes visados antigos administradores executivos do BES, apenas Rui Silveira esteve em tribunal a ouvir a leitura da sentença, da qual discordou fortemente, com vários abanos de cabeça.
Curiosamente, Silveira foi o único que não viu a coima a ser cortada nesta decisão – todos disso beneficiaram, menos o próprio, ainda que conte com a suspensão de 20% do seu pagamento.
“Ambiguidade e vacuidade”
Em causa neste processo está o facto de no prospeto publicado em maio de 2014, em antecipação ao aumento de capital que viria a captar mil milhões de euros junto de investidores, não constarem informações que podiam ter influência nas decisões tomadas na operação – o BES caiu em agosto daquele ano, levando a perdas totais dos acionistas naquela data.
Na sua decisão, a juíza deixou cair uma das infrações que tinha sido apontada pela CMVM, referente à informação sobre uma operação de financiamento do BES à sociedade Rioforte, mantendo todas as outras que tinham sido apontadas pelo regulador.
As infrações que foram confirmadas pelo tribunal são relativas ao financiamento do BES à sua casa-mãe (ESFG), quando o Banco de Portugal tinha imposto limites, a situação de liquidez do BES Angola, “em resultado da fraude na carteira de créditos e ativos imobiliários” e a subscrição de cartas-conforto a entidades venezuelanas.
Em relação ao BES Angola, por exemplo, a juíza criticou as palavras que constam no prospeto do BES publicado em maio de 2014, dizendo que eram caracterizadas por “ambiguidade e vacuidade”, inculcando a “falsa perceção” de que os créditos concedidos ainda podiam vir a não causar perdas garantidas, quando no fim de 2013 tanto o BES como o BESA já sabiam que o “valor de realização era próximo de zero”.
A juíza contestou um dos argumentos transversais às defesas dos arguidos, que defendiam que a CMVM aprovou o prospeto do aumento de capital em 2014, pelo que o teria validado considerando que a informação era completa. Mariana Machado lembrou que os “destinatários” dos deveres de prestar informação completa e verdadeira são os administradores do banco, e não o supervisor, para além de que, frisou, nada se provou que a CMVM, à data da aprovação do prospeto, tivesse informação sobre o teor das infrações.
Recursos a caminho
Entretanto, os advogados de defesa já sinalizaram que poderão recorrer da decisão (apenas a defesa de José Manuel Espírito Santo não o pode fazer porque não é possível contestar a admoestação). Isto porque apontaram para a lei e disseram que deveriam ter 30 dias para poder apresentar a reclamação, o que a juíza Mariana Machado não validou, dando apenas 20 dias.
(Notícia atualizada com mais informações pelas 16h40)
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