Economia

Durão Barroso apela a que governos não se desculpem com Bruxelas e admite apoios extra face à crise energética

Durão Barroso, antigo presidente da Comissão Europeia.
Durão Barroso, antigo presidente da Comissão Europeia.
José Fernandes

Antigo presidente da Comissão Europeia mostra-se favorável à mutualização da dívida para criar medidas que permitam atenuar o impacto da subida dos preços da energia, e apela aos governos que façam o "trabalho de casa"

Durão Barroso apela a que governos não se desculpem com Bruxelas e admite apoios extra face à crise energética

Anabela Campos

Jornalista

Muito preocupado com "a cruel guerra na Ucrânia", José Manuel Durão Barroso, que foi presidente da Comissão Europeia durante dois mandatos e hoje está fora da vida política ativa, afirmou na iniciativa Summer CEmp, a escola de verão da representação da União Europeia em Portugal, que não prevê um desfecho do conflito entre a Rússia e a Ucrânia no curto prazo.

E mostrou-se apreensivo com o seu impacto na Europa, lembrando que o presidente francês, Emmanuel Macron, já avisou que tinha acabado o tempo da abundância. "Estamos no início de uma crise mais funda", lamentou.

"É importante preparar as pessoas para tempos mais difíceis. A Europa na resposta à pandemia fez algo que antes não seria possível. Quando era presidente da CE propus que se avancasse para os eurobonds, como resposta à crise financeira, e alguns governos não aceitaram. Agora na resposta à pandemia foi aceite a mutualização da dívida. E 750 mil milhões de euros foram levantados no mercado. É positivo. Foi um tabu que se quebrou contra a mutualização da dívida. Se fizemos isso contra a pandemia, acho que devemos fazer também como resposta da invasão da Rússia à Ucrânia, até para ajudar os países nos custos da energia, que podem tornar-se insustentáveis para muitas populações", defendeu Durão Barroso em declarações aos jornalistas, depois de ter estado num encontro da SummerCemp, um evento do representação da CE em Portugal, que decorre na Ribeira Grande, nos Açores, e junta 40 jovens e cerca de 80 oradores e mentores.

Assegurando que não queria entrar em questões de política nacional, e sublinhando não ter elementos que lhe permitam comentar o pedido do primeiro-ministro António Costa à presidente da CE, Ursula Von der Leyen, para alargar o prazo de execução dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), Durão Barroso mostrou-se favorável se não houver impedimentos.

"Se se deve ou não prolongar a aplicação do PRR? Não tenho dados para responder. Mas se puder ser feito, não vejo porque não", declarou.

Mas Durão Barroso deixou um aviso: "Se a Europa não deve abdicar das suas responsabilidade, os governos também não. Os governos têm a tendência de quando não estão a fazer as coisas bem feitas, pôr a responsabilidade na Europa. Cada governo tem de fazer o seu trabalho de casa. Europeizar o fracasso e nacionalizar o sucesso é algo com que não concordo. Cada governo que faça o trabalho de casa e não procure pretextos".

Europa a tornar-se mais madura

A UE reagiu no geral "muito bem", atalha. "Houve posições dissonantes, mas não foram suficientes para alterar um consenso geral. Teve coragem, como teve em outras ocasiões. Costumo dizer que a Europa se faz nas crises. E quando há uma crise os governos nacionais estão prontos a ir mais longe. Aprovaram-se programas económicos e militares de ajuda à Ucrânia que eram impensáveis há um tempo. A Europa está a tornar-se mais madura, mais adulta do ponto de vista da geopolítica. A Europa durante uns anos viveu na ilusão que as questões do mercado resolviam tudo. Mas a Europa tem de se dotar de uma política externa e de uma política de defesa mais consequente com os tempos e isso está a acontecer agora. É trágico que tenha sido necessária esta guerra cruel e despropositada para que a Europa tivesse acordado para esta realidade geopolítica", afirmou.


Putin surpreendido pela reação da Europa

"Estou muito preocupado com a situação da Ucrânia, aliás disse-o logo no início. O mundo já não é o mesmo depois do dia 24 de fevereiro. Estamos no início de uma crise mais funda, que está a dividir o mundo, e temos de estar preocupados com o longo prazo. A razão pela qual eu estou preocupado é que eu não estou a ver o desfecho desta situação, e o mais grave é que aqueles que têm alguma responsabilidade e com graus de decisão também não estão a ver", sintetizou.

Elogiando o papel da União Europeia, o também ex-primeiro-ministro português considerou que "até agora a Europa agiu com coragem, com força, com determinação". Uma ação, salienta, "inesperada, e que Putin (o presidente da Federação Russa] não antecipava".

O antigo presidente da CE está convencido de que no curto prazo não vai haver um "desfecho aceitável". "Daquilo que conheço de Putin, e estive muitas vezes com ele, acho que é uma ilusão pensar que ele vai aceitar uma derrota. A Rússia tem muitos meios que ainda não utilizou...", assinalou Durão Barroso.

Durão Barroso diz não ter dúvida de que "se a UE tivesse ignorado [e não tivesse apoiado a Ucrânia] seria uma tragédia para a Europa". "Não só perdíamos o respeito por nós próprios, mas era um encorajamento para que maiores e mais graves ameaças fossem feitas. Hoje em dia é contra um país, amanhã poderia ser contra um país da UE, um país da NATO, com consequências devastadoras", acrescrentou.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ACampos@expresso.impresa.pt

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