Economia

Concorrência acusa privados da saúde de concertação junto da ADSE (e aplica coima de 191 milhões de euros)

Margarida Matos Rosa, presidente da AdC
Margarida Matos Rosa, presidente da AdC
TIAGO PETINGA/LUSA

Grupos hospitalares e respetiva associação refutam sanções e avançam para os tribunais

A Autoridade da Concorrência (AdC) condenou a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), o Grupo Trofa Saúde, o Grupo Hospital Particular do Algarve (HPA), a CUF, a Lusíadas Saúde e a Luz Saúde “por uma prática concertada, restritiva da concorrência, na contratação de serviços de saúde hospitalares por parte do subsistema de saúde público ADSE”.

No total, as coimas aplicadas ascendem a quase 191 milhões de euros, com os três maiores prestadores privados – Luz, CUF e Lusíadas – a sofrerem as sanções mais pesadas.

A APHP irá impugnar a decisão da Concorrência e, por sua vez, a CUF também vai recorrer à justiça. Fonte oficial do grupo de hospitalização privada indica que “a CUF rejeita em absoluto a decisão, hoje conhecida, da AdC, pelo que irá avançar, de imediato, com um recurso junto das instâncias judiciais competentes”. E acrescenta que a empresa tem presentes “quais são as suas obrigações legais” e que está “convicta do escrupuloso cumprimento das regras da concorrência”. Por isso, a CUF “estranha e lamenta esta decisão, à qual não reconhece qualquer fundamento jurídico e objetividade na descrição dos factos, razão pela qual utilizará todos os meios ao seu alcance para garantir o total esclarecimento da verdade e a reposição da justiça, não se conformando com a forma grave como estão a ser colocados em causa a sua boa conduta e o seu bom nome”.

O Grupo Luz fez igualmente um comunicado em que argumenta que “não cometeu qualquer infração ao direito da concorrência, tal como foi defendido ao longo do processo, pelo que acreditamos que esta decisão da AdC acabará por ser revertida”. É referido ainda que a empresa, detida pela Fidelidade, está “a analisar em detalhe os termos da decisão da AdC e a respetiva argumentação, sendo certo que o Grupo Luz Saúde não deixará de exercer os seus direitos no contexto deste processo, através dos meios legítimos que considere adequados”.

O organismo liderado por Margarida Matos Rosa defende que os grupos em causa “coordenaram entre si a estratégia e o posicionamento negocial a adotar no âmbito das negociações com a ADSE, através e com a participação conjunta da APHP, entre 2014 e 2019”.

Diz a AdC que tal “prática concertada em causa visava a fixação do nível dos preços e outras condições comerciais, no âmbito das negociações com a ADSE” e que existiu também uma “coordenação da suspensão e ameaça de denúncia da convenção celebrada com a ADSE para obstaculizar a regularização da faturação por parte da ADSE relativa a 2015 e 2016”.

Em comunicado, a APHP garante que os contactos desenvolvidos pela associação e o seu envolvimento no processo “apenas aconteceram na sequência diversos pedidos expressos nesse sentido – a convite, portanto –, feitos, formalmente, pelo então ministro da Saúde [Adalberto Campos Fernandes]”. Além disso, a organização presidida por Óscar Gaspar indica que esse convite “foi reiterado sucessivamente pela própria direção da ADSE à APHP, que, aceitando o pedido para ajudar a resolver um assunto fundamental para a saúde dos beneficiários da ADSE, respeitou em todas as circunstâncias o quadro regulamentar e legal em vigor”.

Para a APHP, “o recurso da decisão para o Tribunal da Concorrência e Regulação é o passo natural”, já que lhe será “dada a oportunidade” de apresentar, “pela primeira vez, a sua defesa perante um juiz. E frisa: “A AdC é uma entidade administrativa, não é um órgão judicial”.

Os cinco maiores grupos de saúde privada em Portugal são acusados pela AdC de terem uma “atuação coletiva” em conjunto com a APHP e de, assim, pressionarem “a ADSE a aceitar preços e outras condições comerciais mais favoráveis para aqueles grupos do que as que resultariam de negociações individuais no âmbito do normal funcionamento do mercado”. Em conclusão, adianta a AdC, “atuando em conjunto, obtinham uma redução substancial do poder negocial da ADSE”.

Porém, a APHP lembra que os preços que constam nas tabelas do regime convencionado são “iguais para todos” e “são em todas as circunstâncias fixados administrativa e unilateralmente, para todos os prestadores, pela própria ADSE”. Além de que, sustenta a associação, “é relevante ter em conta que os dados financeiros da ADSE provam que todas as revisões de regras e tabelas se traduziram numa redução de encargos para aquele subsistema público de saúde”.

Relações tensas explodem no final de 2018

A atuação do regulador foi ditada pelas notícias sobre o conflito entre os prestadores privados e a ADSE que explodiu no final de 2018, quando o instituto comunicou aos parceiros que tinham de lhe devolver cerca de 38 milhões de euros relativos a 2015 e 2016. O processo, denominado de regularizações, diz respeito a acertos retroativos de contas à faturação enviada para a ADSE, numa imposição de preços pelo subsistema de saúde em função do preços mínimo praticado pelos diferentes prestadores em alguns casos e, noutros, com base na média obtida de toda a faturação.

Na altura, os cinco maiores privados ameaçaram acabar com as convenções com a ADSE, braço de ferro que só terminou com a promessa da ADSE de rever as tabelas de preços, dado existirem valores sem atualização há largos anos – o que só veio a acontecer no final do ano passado com as novas tabelas a entrarem em vigor em setembro, com o pagamento de alguns atos (como os partos) a ser revisto depois o que fez com que entrassem em vigor apenas em janeiro deste ano.

Concluído este processo, acabaram as regularizações. Porém, persistem divergências relativas não só a 2015 e 2016, mas a todos os anos seguintes até setembro de 2021 (e janeiro de 2022 no caso de alguns serviços). O valor total não está fechado pois a ADSE está a contabilizar de novo todas as faturas relativas a estes anos, um trabalho colossal que estará longe de terminado.

Em julho de 2021 a AdC adotou a nota de ilicitude, “tendo dado a oportunidade a todas as empresas de exercerem o seu direito de audição e defesa, o qual foi devidamente considerado na decisão adotada”.

As coimas aplicadas pelo organismo foram de 50 mil euros no caso da APHP, 6,7 milhões de euros para o Grupo Trofa, 8,8 milhões de euros para o HPA, 34,2 milhões de euros para os Lusíadas, 66,2 milhões de euros para a Luz e 75 milhões de euros para a CUF – os valores são determinados pelo volume de negócios das empresas “no mercado afetado nos anos da prática ilegal e no que se refere à APHP, a AdC considerou o volume de negócios no último ano da infração”.

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