“Esta é uma mensagem impopular, mas é um apelo ao pragmatismo, e segue um ditado que temos na Dinamarca: não vendas a pele do urso antes de ele ser morto”. A declaração surgiu em jeito de aviso, da parte do dinamarquês Christian Zinglersen, diretor da ACER, a agência da União Europeia que promove a cooperação entre reguladores de energia. Zinglersen falava sobre a hipótese de tomar medidas precipitadas que mexam com a oferta e procura de energia, em particular de gás natural, já que esse tipo de intervenções “podem causar maior pressão nos preços”.
Zinglersen, falando no Fórum do Banco Central Europeu (BCE) em Sintra, sublinhou que “o choque energético atual é sobretudo motivado pelo gás natural”, cujo aumento de preços “originou preços muito elevados de eletricidade”. E, alertou o diretor da ACER, a Europa ainda vai precisar de gás durante muito tempo, pelo que será prudente gerir com cautela a relação com aquele que ainda é um dos grandes fornecedores deste combustível, a Rússia.
“O gás terá um papel muito importante na União Europeia durante muitos anos”, advertiu Zinglersen, realçando que esse combustível será crucial pela flexibilidade que oferece aos sistemas elétricos, incluindo a capacidade de resposta às pontas de consumo, nomeadamente quando algumas renováveis (como o sol e o vento) não dão garantias de cobrir esses picos de procura.
Christian Zinglersen notou que no curto prazo não há grandes alternativas ao gás russo. “Temos um mercado de gás natural liquefeito apertado, não haverá muita capacidade disponível até 2025 ou 2026”, referiu. O diretor da ACER realçou que mesmo depois desse horizonte “abandonar o gás russo será difícil, a menos que uma das partes quebre os contratos de longo prazo vigentes”. Embora a UE pretenda acabar com a dependência de gás russo até 2027, há vários contratos de longo prazo com a Rússia que perduram para lá desse horizonte, alertou.
Questionado sobre os limites de preços a produtos como o gás natural e o petróleo, Christian Zinglersen não deu uma resposta categórica. Embora as medidas possam aparentemente fazer sentido, por capturarem algumas rendas e redistribuí-las, o responsável da ACER declarou em Sintra que “será difícil concretizar”.
Zinglersen considera que a Europa até poderá ter algum poder negociar em relação aos volumes de gás e petróleo distribuídos por gasoduto, porque a Rússia não terá tanta facilidade em redirecionar esses fluxos de energia, mas nos volumes que hoje a Rússia já entrega por via marítima o poder da Europa será menor, já que continua a haver uma elevada procura de gás por parte da Ásia, que irá em busca de fontes baratas para a sua economia permanecer competitiva.
Mais direta sobre os limites aos preços do petróleo foi Hilde Bjornland, professora da BI Norwegian Business School, que levou ao Fórum do BCE, em Sintra, uma apresentação sobre o impacto económico da subida dos preços da energia. Os limites ao preço do petróleo russo que estão a ser propostos pelo G7 mereceram de Hilde Bjornland um rotundo “não”. “Não creio que o controlo de preços funcione. É uma medida popular, mas só vai alimentar ainda mais a inflação. Não creio que seja uma boa medida”, declarou.
A professora universitária sustentou, na sua apresentação, que “estabilizar a inflação [no contexto de elevados preços de energia] será difícil”, ainda que hoje a política monetária seja diferente da que existia na década de 1970, e tenha mais capacidade de resposta.
“O aumento dos preços da energia é resultado de um conjunto de fatores, como a recuperação da procura [após o impacto da pandemia] e a disrupção da cadeia de abastecimento, amplificada pela elevada volatilidade dos preços. Será desafiante estabilizar tudo isto”, comentou Hilde Bjornland.
A académica defendeu que os choques de preço, em particular no petróleo, estão a ter um efeito mais intenso nas expectativas de inflação do que no passado, amplificando o impacto negativo no produto interno bruto (PIB) que os choques petrolíferos já tinham antes. Segundo a professora norueguesa, na Europa um aumento de 50% na cotação do petróleo provoca em média uma redução do PIB de 2,5%, com impactos mais intensos em alguns países, como a Finlândia (cerca de 3,5%) e menos intensos noutros, como Espanha e França (menos de 2%), ficando Portugal em linha com a média de 2,5%.
Elementos que Hilde Bjornland apresentou à plateia do Fórum do BCE para sustentar a sua declaração inicial de que “as pressões petrolíferas não são acontecimentos exógenos à economia”, com os preços do crude e o crescimento ou abrandamento económico a alimentar-se mutuamente.