Os efeitos do anúncio na semana passada de uma subida das taxas diretoras do Banco Central Europeu (BCE) em julho e setembro continuam a alimentar o disparo nos juros (yields) da dívida pública portuguesa no mercado secundário. Esta terça-feira, no prazo de referência a 10 anos, as yields fecharam, pelo segundo dia consecutivo, acima de 3%, um máximo de cinco anos.
Os juros subiram, no mercado secundário (onde se transacionam os títulos entre os investidores), meio ponto percentual desde a véspera da última reunião do BCE a 9 de junho. E, em relação à taxa paga em abril, aquando do lançamento daquela linha de obrigações a vencer em 2032, já aumentaram mais de 1 ponto percentual: de 1,694% na operação sindicada para mais de 3% agora.
As atenções têm estado, contudo, centradas em Itália, a terceira maior economia do euro e a segunda com o nível de endividamento mais elevado (depois da Grécia, que já acumula três resgates desde 2010). Desde segunda-feira que os juros passaram os 4%, um máximo desde o final de 2013, com o spread em relação à dívida alemã, que serve de referência na zona euro, a subir para 250 pontos-base (equivalente a um diferencial de 2,5 pontos percentuais), o que tem feito soar as campainhas de alarme entre os analistas.
Medina pode esbarrar na linha vermelha
A perceção do risco é ainda mais elevada se tomarmos em conta as previsões para a subida dos juros dos títulos a 10 anos num horizonte de 12 meses. Segundo o algoritmo do portal financeiro World Government Bonds, em junho de 2023, os juros da dívida portuguesa deverão atingir 7,5% e os da dívida italiana estarão próximos de 9,5%. O diferencial em relação à dívida alemã chegará a 250 pontos-base no caso dos títulos portugueses e a 450 pontos-base para a dívida italiana, o que espelha os que os analistas designam por ‘fragmentação’ do espectro da dívida na zona euro.
Para o caso português, o regresso, no verão do próximo ano, a juros acima de 7% traz à memória a famosa ‘linha vermelha’ traçada pelo então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos. Em outubro de 2010, o ministro admitiu publicamente que juros de 7% obrigariam Portugal a um pedido de resgate. A linha vermelha seria ultrapassada em algumas sessões no final de 2010, mas foi a partir de fevereiro do ano seguinte que passou a fechar sistematicamente acima de 7%. O pedido de resgate ocorreria a 6 de abril, quando a taxa já estava perto de 9% no mercado secundário. Dias antes, a 23 de março, o governo chefiado por José Sócrates sofreria o chumbo do PEC na Assembleia, pela coligação negativa de toda a oposição, e demitiu-se.
A persistir a trajetória atual de subida dos juros da dívida, Fernando Medina enfrentará, no verão do próximo ano, a linha vermelha de 7%.
O contexto de 2011 era, no entanto, diferente do atual. O BCE, chefiado então por Jean-Claude Trichet, subiu a taxa diretora até 1,5% em julho de 2011, no que foi considerado um erro de estratégia de palmatória, ao apertar ainda mais a política monetária com a crise das dívidas dos periféricos em pleno gás (com três resgates já em campo). Foi Mario Draghi que, a partir de novembro desse ano, começou a inverter a política de Trichet. Então, a margem de manobra orçamental era inexistente, com a necessidade de Portugal cortar drasticamente o défice que chegara a 11,4% do PIB no final de 2010.
Atualmente, o BCE, em simultâneo com o novo ciclo de subida das taxas diretoras, garante que fará tudo o que for necessário para contrariar a fragmentação. Christine Lagarde, pressionada pelos jornalistas na mais recente conferência de imprensa, recusou-se a dar um número para o limiar vermelho nos spreads em relação à dívida alemã, mas deixou claro que usará toda a flexibilidade ainda disponível na gestão dos reinvestimentos da enorme carteira de títulos que o BCE adquiriu (e que soma quase 5 biliões de euros) e, se necessário, avançará com novos instrumentos “como no passado”. Sem dar, no entanto, detalhes.
A mensagem do BCE para os mercados é que não permitirá uma segunda crise das dívidas e muito menos um ataque especulativo à terceira maior economia do euro, Itália, chefiada, por uma coincidência do acaso, por Draghi, o sucessor de Trichet à frente do BCE e antecessor de Lagarde.
A margem orçamental é, também, diferente. Bruxelas estendeu a suspensão da aplicação das regras de ferro do défice e da dívida até final de 2023, mas exige, contudo, empenhamento na consolidação orçamental dos défices a que o combate à pandemia obrigou em 2020. Portugal partiu para 2022 com um défice abaixo de 3% e prevê menos de 2% este ano.