Economia

Dívida portuguesa: juros já estão acima de 3%. Medina enfrenta linha vermelha dos 7% daqui a um ano

Dívida portuguesa: juros já estão acima de 3%. Medina enfrenta linha vermelha dos 7% daqui a um ano
MANUEL DE ALMEIDA

Os juros da dívida portuguesa a 10 anos fecharam esta terça-feira acima de 3%, um máximo de cinco anos. As previsões apontam para 7,5% em junho do próximo ano, acima da ‘linha vermelha’ que levou ao pedido de resgate em 2011

Os efeitos do anúncio na semana passada de uma subida das taxas diretoras do Banco Central Europeu (BCE) em julho e setembro continuam a alimentar o disparo nos juros (yields) da dívida pública portuguesa no mercado secundário. Esta terça-feira, no prazo de referência a 10 anos, as yields fecharam, pelo segundo dia consecutivo, acima de 3%, um máximo de cinco anos.

Os juros subiram, no mercado secundário (onde se transacionam os títulos entre os investidores), meio ponto percentual desde a véspera da última reunião do BCE a 9 de junho. E, em relação à taxa paga em abril, aquando do lançamento daquela linha de obrigações a vencer em 2032, já aumentaram mais de 1 ponto percentual: de 1,694% na operação sindicada para mais de 3% agora.

As atenções têm estado, contudo, centradas em Itália, a terceira maior economia do euro e a segunda com o nível de endividamento mais elevado (depois da Grécia, que já acumula três resgates desde 2010). Desde segunda-feira que os juros passaram os 4%, um máximo desde o final de 2013, com o spread em relação à dívida alemã, que serve de referência na zona euro, a subir para 250 pontos-base (equivalente a um diferencial de 2,5 pontos percentuais), o que tem feito soar as campainhas de alarme entre os analistas.

Medina pode esbarrar na linha vermelha

A perceção do risco é ainda mais elevada se tomarmos em conta as previsões para a subida dos juros dos títulos a 10 anos num horizonte de 12 meses. Segundo o algoritmo do portal financeiro World Government Bonds, em junho de 2023, os juros da dívida portuguesa deverão atingir 7,5% e os da dívida italiana estarão próximos de 9,5%. O diferencial em relação à dívida alemã chegará a 250 pontos-base no caso dos títulos portugueses e a 450 pontos-base para a dívida italiana, o que espelha os que os analistas designam por ‘fragmentação’ do espectro da dívida na zona euro.

Para o caso português, o regresso, no verão do próximo ano, a juros acima de 7% traz à memória a famosa ‘linha vermelha’ traçada pelo então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos. Em outubro de 2010, o ministro admitiu publicamente que juros de 7% obrigariam Portugal a um pedido de resgate. A linha vermelha seria ultrapassada em algumas sessões no final de 2010, mas foi a partir de fevereiro do ano seguinte que passou a fechar sistematicamente acima de 7%. O pedido de resgate ocorreria a 6 de abril, quando a taxa já estava perto de 9% no mercado secundário. Dias antes, a 23 de março, o governo chefiado por José Sócrates sofreria o chumbo do PEC na Assembleia, pela coligação negativa de toda a oposição, e demitiu-se.

A persistir a trajetória atual de subida dos juros da dívida, Fernando Medina enfrentará, no verão do próximo ano, a linha vermelha de 7%.

O contexto de 2011 era, no entanto, diferente do atual. O BCE, chefiado então por Jean-Claude Trichet, subiu a taxa diretora até 1,5% em julho de 2011, no que foi considerado um erro de estratégia de palmatória, ao apertar ainda mais a política monetária com a crise das dívidas dos periféricos em pleno gás (com três resgates já em campo). Foi Mario Draghi que, a partir de novembro desse ano, começou a inverter a política de Trichet. Então, a margem de manobra orçamental era inexistente, com a necessidade de Portugal cortar drasticamente o défice que chegara a 11,4% do PIB no final de 2010.

Atualmente, o BCE, em simultâneo com o novo ciclo de subida das taxas diretoras, garante que fará tudo o que for necessário para contrariar a fragmentação. Christine Lagarde, pressionada pelos jornalistas na mais recente conferência de imprensa, recusou-se a dar um número para o limiar vermelho nos spreads em relação à dívida alemã, mas deixou claro que usará toda a flexibilidade ainda disponível na gestão dos reinvestimentos da enorme carteira de títulos que o BCE adquiriu (e que soma quase 5 biliões de euros) e, se necessário, avançará com novos instrumentos “como no passado”. Sem dar, no entanto, detalhes.

A mensagem do BCE para os mercados é que não permitirá uma segunda crise das dívidas e muito menos um ataque especulativo à terceira maior economia do euro, Itália, chefiada, por uma coincidência do acaso, por Draghi, o sucessor de Trichet à frente do BCE e antecessor de Lagarde.

A margem orçamental é, também, diferente. Bruxelas estendeu a suspensão da aplicação das regras de ferro do défice e da dívida até final de 2023, mas exige, contudo, empenhamento na consolidação orçamental dos défices a que o combate à pandemia obrigou em 2020. Portugal partiu para 2022 com um défice abaixo de 3% e prevê menos de 2% este ano.

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