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Cereais: devemos estar preocupados com a segurança de abastecimento? (veja o descodificador)

Cereais: devemos estar preocupados com a segurança de abastecimento? (veja o descodificador)
Juan Silva

Podemos não perder o sono com o assunto, mas vamos perder mais alguns euros para continuar a pôr cereais na mesa. A escassez serve-se fria e a recuperação da segurança de abastecimento vai depender da guerra

Cereais: devemos estar preocupados com a segurança de abastecimento? (veja o descodificador)

Vítor Andrade

Coordenador de Economia

1 - Portugal vai ter falta de cereais?

Não. Mas vai ter de fazer uma gestão praticamente ao dia. A situação ficou muito comprometida nas primeiras semanas de guerra, pois todos os países fornecedores começaram a fazer contas à vida e a olhar, primeiro, para a satisfação das suas próprias necessidades. Mas, entretanto, no caso português, conseguiu-se uma certa estabilização na segurança de abastecimento. As declarações feitas esta semana pela ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, até podem parecer alarmistas, pois referem reservas de cereais “para cerca de um mês”, mas, na verdade, e segundo o sector, Portugal deverá ter os cereais que precisa para se alimentar pelo menos até ao final do ano. “Em stock” [ou seja, armazenados neste momento nos silos do país], realmente pode só haver cereais para 30 dias. Mas há compras efetuadas e navios a caminho de Portugal com o suficiente para o resto do ano.

2 - Os preços vão aumentar ainda mais?

É o mais certo. O mundo vive numa situação de escassez e, como vem nos manuais de economia, se há menos o preço sobe. A Rússia e a Ucrânia respondem por cerca de 30% dos cereais e, de um dia para o outro, o mundo ficou privado daquela quota de mercado. Por um lado porque a destruição da guerra aniquilou toda a logística associada à produção e transporte de cereais na Ucrânia. Por outro lado, porque as sanções à Rússia também estão a impedir que muita da sua produção saia do país. O milho e o trigo têm batido recordes sucessivos praticamente desde o primeiro dia de guerra. Nos mercados mundiais daquelas matérias-primas alimentares vivem-se dias de forte instabilidade e de muita volatilidade de preços. O pão, que já está mais caro, ainda pode encarecer mais e o mesmo se passa com a carne, ovos e leite, pois as rações para os animais são feitas à base de milho.

3 - Como irão reagir os produtores?

É uma incógnita. Por um lado, do ponto de vista da racionalidade económica, se há escassez, deveria haver mais produtores a apostar no incremento da oferta. Mas o que a realidade nos mostra é que, em Portugal, a produção de cereais (sobretudo trigo panificável) este ano vai bater no fundo. Nunca — desde há mais de um século — se semeou tão pouco. Portugal importa a quase totalidade do trigo que precisa, sobretudo de França. Com o milho a situação é um pouco melhor, mas o país também depende muito do exterior — sobretudo da Ucrânia, que suprime cerca de 35% das necessidades. Por causa da guerra, Portugal teve de procurar outros fornecedores mais longínquos, como o Canadá ou a África do Sul. Fontes do sector dizem ao Expresso que, apesar de tudo, a produção nacional não irá sofrer “grandes mudanças”.

4 - O Governo devia ter uma palavra a dizer?

Na verdade, o Governo português aprovou em 2018 um documento chamado ‘Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais’. Pretendia-se, então, “reduzir a dependência externa e consolidar e aumentar as áreas de produção”. O Governo ambicionava, com esta estratégia, atingir, num horizonte de cinco anos, um grau de autoaprovisionamento em cereais de cerca de 40% (correspondendo 80% ao arroz, 50% ao milho e 20% aos cereais praganosos, trigo, cevada, aveia, etc.). Quatro anos depois, não só não resultou como as áreas semeadas diminuíram, tendo aumentado ainda mais a dependência de países terceiros para Portugal pôr comida na mesa. Diz uma fonte do sector que enquanto a terra arável render mais com abacate do que com trigo, “ninguém vai mudar de estratégia”.

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