O futuro do crescimento global, agora ameaçado pelas ruturas na geopolítica europeia, com a invasão russa da Ucrânia, e por uma continuada disrupção nas cadeias mundiais de fornecimento, não pode ficar prisioneiro desta conjuntura. Os decisores políticos e os homens de negócio não se podem distrair e perder de vista as metas globais, foi o aviso do primeiro painel económico desta quarta-feira no World Economic Forum (WEF), o Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça.
“Não podemos deixar que a incerteza provocada, por exemplo, pela guerra, nos distraia das metas globais, como descarbonizar a economia e alimentar mil milhões de pessoas em situação de risco”, disse Jim Hagemann Snabe, um dinamarquês que lidera, como chaiman (presidente não executivo) duas gigantes mundiais, a alemã Siemens e a dinamarquesa Maersk, uma das líderes do transporte marítimo que alimenta o comércio internacional.
O que diz Snabe não são apenas palavras para entreter a audiência seleta de Davos. Ele empurrou a Siemens para ser a primeira multinacional a definir a neutralidade carbónica como compromisso para 2030 e provocou uma ‘revolução verde’ no transporte marítimo avançando com a meta da descarbonização do shipping para 2050, dando passos concretos na Maersk.
Por isso, a principal mensagem que deixou no WEF foi que a descarbonização “é a melhor oportunidade” para o mundo dos negócios. “É preciso que as políticas públicas imponham um preço global ao CO2 e que haja ações concretas para descarbonizar todas as cadeias de fornecimento”, disse o gestor, que arriscou chocar a assistência dizendo, preto no branco, que “os preços altos do carvão e do petróleo são um bom incentivo para quem os consome” procurar mudar de vida.
Mas não basta o ‘verde’. Quando se fala de crescimento é preciso olhar para vários lados e um dos que não podem ser esquecidos é o dos salários reais de quem trabalha. “O problema central quando falamos de inflação é a distribuição. Quem ganha e quem perde. Há diferentes impactos e há diferentes estratégias. A parte do trabalho no rendimento global tem descido”, disse Mariana Mazzucato, a italiana que dá aulas sobre inovação no University College em Londres. Ela tem insistido que a riqueza é “produzida coletivamente”, não é só investimento e tecnologia (olhada em abstrato). “A fonte da inflação atual conta para a política que se define”, acentuou a académica, respondendo a Gita Gopinath, a vice-diretora-geral do Fundo Monetário Internacional.
A académica culpa “a ultra financeirização da governação que temos” e a alteração da estratégia das empresas, que deixaram há muito de considerar o reinvestimento como fundamental. A italiana reclamou que “é preciso reinventar o Estado do bem-estar social” e que as empresas e os governos têm de tornar os objetivos de que falam em “missões” com “ações bem concretas”.
Mazzucato tornou-se uma voz muito ouvida desde a publicação em 2018 de “The Entrepreneurial State” (com tradução publicada no Brasil como “O Estado Empreendedor – desmascarando o mito do sector público contra o sector privado”) e, no ano passado, lançou “Mission Economy: A moonshot guide to changing capitalism” (o que poderia ser traduzido como advogando uma Economia Missionária – Um guia lunar para mudar o capitalismo).
A italiana foi crismada como a académica “que quer salvar o capitalismo de si próprio” e avança com a ideia de que as “missões” para enfrentar os grandes desafios atuais têm de se inspirar no sentido de missão como foi o projeco norte-americano de ida à Lua.
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