Economia

Banco Central da Rússia mantém juros em 20% e só prevê vencer surto de inflação em 2024

Foto: Getty Images
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O Banco da Rússia decidiu, na reunião de política monetária desta sexta-feira, manter a taxa de juro em 20%, uma das mais altas do mundo, e prevê que a inflação só regresse a 4%, ao objetivo de controlo de preços, daqui a dois anos. Admite uma "deterioração" da economia no quadro do que designa por "transformação estrutural de larga escala" em curso

O Banco da Rússia, o banco central, decidiu, na reunião desta sexta-feira, manter a taxa de juro em 20%, a mais alta nos últimos 20 anos e uma das mais elevadas à escala mundial, em face do surto inflacionário e do que designa por "transformação estrutural de larga escala" em curso na economia. Na declaração após a reunião, a governadora Elvira Nabiullina, sublinhou, no entanto, que "esta medida anticrise é temporária". "Quando a situação estabilizar, a taxa descerá", acrescentou.

O banco reafirmou, também, as diversas medidas de controlo de capitais que já tomou desde a crise gerada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. O controlo de capitais foi imposto, disse Nabiullina, "em virtude da possibilidade de uso das reservas internacionais estar muito limitada", em virtude das restrições que foram impostas pelas sanções. O ministro das Finanças russo já avaliou, esta semana, a dimensão do congelamento desses ativos em mais de 300 mil milhões de dólares (270 mil milhões de euros) num total de 643 mil milhões de dólares (585 mil milhões de euros) em ouro, divisas, títulos e outras reservas internacionais existentes em meados de fevereiro.

Apesar do congelamento de divisas, o Tesouro russo conseguiu na quarta-feira pagar aos credores externos os juros de duas linhas de dívida emitida em dólares. O montante de 117 milhões de dólares (106 milhões de euros) em juros fazia parte dos encargos com a dívida em março que somam cerca de 500 milhões de euros (450 milhões de euros). Os bancos norte-americanos envolvidos na operação confirmaram que os investidores receberam os juros devidos em dólares e o Comité de análise da ISDA, a Associação Internacional de Derivados e Swaps, decidiu na quinta-feira que não ocorreu qualquer evento de "repudiação ou moratória" da dívida russa.

Não vai ser imposta regulação de preços

A inflação está acima de 4% (o objetivo de controlo de preços do banco central) desde outubro de 2020 e atingiu 9,15% em fevereiro, o nível mais elevado desde inicio de 2016. Nas previsões avançadas esta sexta-feira a inflação só deverá descer para a meta dos 4% em 2024, daqui a dois anos. A maior pressão tem-se verificado nos bens alimentares (11,5% em fevereiro), com forte incidência nas populações, e nos materiais de construção (22,5% em fevereiro). Apesar dessa pressão, Nabiullina disse que se iria "evitar a regulação manual de preços", pois "o controlo artificial de preços apenas causará escassez e a mais baixa qualidade dos produtos".

A "transformação estrutural" em curso deriva do novo contexto em que se encontra a Rússia sujeita a sanções e envolta numa nova guerra de expansão. O comunicado do banco diz que essa transformação implica que pressões "proinflacionistas prevaleçam" e obriga a economia russa a adaptar-se a "mudanças nas cadeias de produção e de fornecimento" em "virtude das restrições" no comércio internacional e nos mercados financeiros desde fevereiro. A governadora do banco central sublinhou que as "novas condições" abrem, no entanto, oportunidades para substituição de importações em virtude das sanções ou mesmo da suspensão de atividade de empresas internacionais no mercado russo bem como o fecho de alguns mercados externos exige a procura de outros destinos..

Previsões económicas em abril

O banco central reconhece que a economia se vai "deteriorar" e que o PIB se reduzirá "nos próximos trimestres", mas as novas previsões só serão apresentadas na reunião de 29 de abril. Por essa altura, já o Fundo Monetário Internacional terá atualizado as suas previsões de crescimento para a Rússia, com base nos impactos da guerra na Ucrânia e das sanções internacionais.

A subida de 9,5% para 20% na taxa diretora foi decidida a 28 de fevereiro, quatro dias depois da invasão da Ucrânia pelas tropas russas, face a uma queda naquele dia de 18% do rublo face ao euro (e em menor dimensão face ao dólar) e depois da bolsa de Moscovo ter mergulhado 33% no dia da invasão (24 de fevereiro).

O banco central decidiu, aliás, complementarmente, encerrar a bolsa de ações a partir de 28 de fevereiro. E ainda esta sexta-feira se mantinha de portas fechadas, a mais extensa suspensão na vida do Banco da Rússia (criado em dezembro de 1991 com os ativos do anterior Banco Estatal da União Soviética). Na crise financeira e de dívida pública de 1998, a bolsa de Moscovo só esteve encerrada quatro sessões em outubro.

Três semanas de corrida aos bancos, lojas e supermercados

A governadora reconheceu que, depois da queda do rublo e do anuncio de saída de muitas empresas estrangeiras, houve uma corrida a bens duráveis, como eletrodomésticos, carros, eletrónica e mobiliário, o que, também, pressionou os preços. "A febre entretanto diminuiu um pouco", sublinhou. A lista permanentemente atualizada pela equipa de Jeffrey Sonnenfeld da Universidade de Yale inclui já 425 empresas estrangeiras (nomeadamente grandes marcas multinacionais) que abandonaram o mercado russo, ou suspenderam temporariamente atividades ou apenas as reduziram.

A mesma corrida sucedeu com alguns bens alimentares que até são produção russa, como os cereais, o açúcar, a farinha e a massa, disse Elvira Nabiullina.

Referiu, ainda, que depois de uma corrida ao levantamento de depósitos, os russos voltaram aos bancos procurando os depósitos a prazo, em virtude das altas taxas de remuneração.

A governadora reconheceu que a situação do sector bancário tremeu com o défice de liquidez estrutural no princípio de março a atingir os 7 biliões de rublos (48 mil milhões de euros). Entretanto, diminuiu. No pico da crise, os fundos disponibilizados pelo banco central chegaram a 10 biliões de rublos (€69 mil milhões), mencionou Nabiullina na declaração em direto desta sexta-feira que se mantém disponível (em russo) no YouTube.

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