Economia

Preços a disparar 7,1% e crescimento a abrandar 2,3%: o pior cenário do BCE para a zona euro

Preços a disparar 7,1% e crescimento a abrandar 2,3%: o pior cenário do BCE para a zona euro

O BCE reviu em alta as previsões de inflação até 2023, mas cortou na dinâmica de crescimento económico. A guerra na Ucrânia obrigou a preparar dois cenários pessimistas

Os economistas do Banco Central Europeu (BCE) reviram em alta a inflação na zona euro para 2022 e para os próximos dois anos e cortaram nas previsões de crescimento da área da moeda única para este período, no documento macroeconómico que apresentaram esta quinta-feira depois da conferência de imprensa dada por Christine Lagarde, na sequência da reunião do conselho do banco. A inflação deverá situar-se em 5,1% em 2022, quase o dobro da inflação anual do ano anterior, e o crescimento económico abrandará significativamente de 5,4% em 2021 para 3,7% em 2022, implicando uma redução do ritmo de expansão económica em meio ponto percentual.

Mas, atendendo à gravidade da situação que a Europa atravessa, os economistas do BCE apresentaram dois cenários pessimistas para a zona euro, incorporando impactos mais adversos ou mesmo mais severos da alteração geopolítica que a invasão da Ucrânia pela Rússia trouxe. No pior cenário, a inflação anual este ano pode chegar aos 7,1%, um novo recorde anual na história da zona euro e do BCE, e o crescimento pode abrandar para 2,3%, menos de metade do crescimento registado em 2021, o que significaria uma forte redução na expansão económica depois de ultrapassada a crise da pandemia.

As revisões das anteriores previsões apresentadas em dezembro do ano passado já eram esperadas, em virtude do surto inflacionário se ter acentuado em janeiro e fevereiro. Os críticos dentro do BCE já tinham considerado, na reunião de fevereiro do BCE, que as previsões para a inflação estavam claramente subavaliadas. A equipa de economistas liderada por Philip Lane, o economista-chefe do banco, subiu, agora, a previsão da inflação de 3,2% para 5,1% em 2022 e aumentou a inflação em 2023 de 1,8% para 2,1%, já ligeiramente acima do objetivo (de 2%) de controlo de preços pelo BCE. A exigência pelos críticos de uma revisão das previsões de 1,8% em 2023 e 2024, avançada em dezembro passado foi muito clara na reunião de fevereiro. Para os 'falcões' do BCE aquela subavaliação justificava a narrativa de que o surto inflacionário que se estava a observar desde o verão era "temporário" e "transitório".

Revisão em alta da inflação abre caminho a aceleração do aperto monetário

Com a revisão em alta da inflação, o novo quadro macroeconómico justifica a aceleração do aperto da política monetária este ano e no próximo, com a descontinuação das compras de ativos e a subida das taxas de juro do banco central. No entanto, segundo as novas previsões, a inflação desceria ligeiramente abaixo da meta em 2024.

Na sequência do novo quadro macroeconómico e do choque geopolítico, o BCE decidiu esta quinta-feira confirmar a descontinuação no final de março do programa especial PEPP e anunciar o objetivo de descontinuar o programa mais antigo APP durante o terceiro trimestre, encerrando uma período de expansão monetária que começou com Mario Draghi em 2014 e 2015. No entanto, Christine Lagarde, a presidente do BCE, sublinhou que a descontinuação total de novas compras de ativos é "condicional", depende da avaliação da situação, nomeadamente durante o terceiro trimestre. E não significa uma eliminação total dos estímulos, pois continua em vigor o programa de reinvestimentos do PEPP (até final de 2024) e do APP (ainda sem data limite).

A manutenção da inflação acima de 2% em 2022 e 2023 abre, também, a porta ao BCE para iniciar a discussão de um aumento das taxas diretoras - que estão no mínimo de 0% no refinanciamento e de -0,5% na taxa de remuneração dos depósitos dos bancos. Mas Lagarde sublinhou que o BCE deixou uma margem de manobra para tomar esta decisão: a subida das taxas começará "algum tempo depois" da descontinuação das compras de ativos. O "algum tempo depois" é um horizonte lato. A presidente do BCE acrescentou que não foi por acaso que não se optou por comunicar que essa subida das taxas poderia ser "logo depois". "O uso deliberado da expressão 'algum tempo depois' dá tempo para analisarmos os dados", concluiu Lagarde.

A presidente revelou, na conferência de imprensa, que o consenso para as decisões tomadas acabou por ficar a meio de duas posições extremas que se manifestaram entre os governadores nesta reunião: alguns pretendiam deixar tudo na mesma (no ponto das decisões tomadas em dezembro) e outros queriam "ir mais longe".

Dois cenários pessimistas

Mas "o enorme choque" que foi a invasão da Ucrânia pela Rússia, nas palavras da presidente Christine Lagarde, obrigaram os economistas do BCE a preparar dois cenários pessimistas, incluindo impactos diretos e colaterais mais profundos da guerra em curso, nomeadamente a aceleração do surto inflacionário, a redução da confiança pelos agentes económicos e financeiros e as limitações ao comércio externo da zona euro derivados das sanções.

Em nenhum dos dois cenários pessimistas se avança com a perspetiva de uma estagnação económica - o que daria corpo a uma situação de estagflação (estagnação económica com alta inflação) que tem estado muito em voga - ou mesmo de ume recessão como em 2020. Em ambos os cenários pessimistas, o crescimento médio anual entre 2022 e 2024 seria superior a 2%. Luis de Guindos, o vice-presidente do BCE, não perdeu a oportunidade para salientar, numa resposta aos jornalistas na conferência de imprensa, que " a situação não é, de todo, similar há de dois anos atrás, à da pandemia". E justificou que "não há problemas de liquidez nem mesmo no mercado de derivados de matérias-primas e que não se notam perturbações no sistema de pagamentos".

No cenário "adverso" o crescimento reduzir-se-ia este ano para metade do ritmo de 2021 e a inflação anual ficaria em 5,9%, oito décimas acima do cenário-base. Em 2023, o efeito negativo já seria menor, com o crescimento a abrandar para 2,7%, apenas uma décima menos do que no cenário-base. Em 2024, o crescimento desceria para 2,1%, mas mesmo assim acima da redução abrupta para 1,6% prevista no cenário-base. A inflação desceria para 2% em 2023 e 1,6% em 2024.

No pior cenário, batizado de "severo", derivado de um choque de preços energético ainda mais profundo e de maior turbulência nos mercados financeiros, o crescimento em 2022 e 2023 cairia para 2,3% e em 2024 para 1,9%. A inflação, como já foi referido, dispararia para 7,1% em 2022, mas depois reduzir-se-ia significativamente em 2023 (2,7%) e 2024 (1,9%).

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