Economia

Concorrência opõe-se a corte de coimas e quer até agravamento para a CGD, BCP, Santander e Montepio

Pedro Castro Almeida, presidente executivo do Santander em Portugal. Foto: António Pedro Ferreira
Pedro Castro Almeida, presidente executivo do Santander em Portugal. Foto: António Pedro Ferreira

Falta de arrependimento e falta de colaboração para com o tribunal são argumentos para a AdC pedir agravamento de coimas para quatro bancos, aqueles aos quais já foram aplicadas as de maior dimensão

Concorrência opõe-se a corte de coimas e quer até agravamento para a CGD, BCP, Santander e Montepio

Diogo Cavaleiro

Jornalista

A Autoridade da Concorrência (AdC) opõe-se ao corte de coimas sugerido pelo Ministério Público a sete bancos no julgamento ao chamado “cartel” da banca, e até pretende que sejam agravadas a quatro deles: Caixa Geral de Depósitos, Banco Comercial Português, Santander Totta e Banco Montepio.

São vários os argumentos dos mandatários da Concorrência – deixados nas alegações finais esta quarta-feira, 23 de fevereiro, no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém –, desde a postura de alguns dos bancos no julgamento a juntar à falta de arrependimento. Além disso, a AdC rejeita a ideia de que a situação financeira pode justificar a redução.

Os bancos para os quais a AdC pede ao Tribunal que pondere a subida das coimas estão entre os que têm as mais elevadas. A sanção à CGD é de 82 milhões, superior aos 60 milhões dirigidos ao BCP e aos 35,65 milhões aplicados ao Santander Totta. Já o Banco Montepio sofreu uma coima de 26 milhões de euros, mas pela qual só tinha de pagar metade por conta da adesão ao programa de clemência (colaboração com provas para o processo da AdC).

Falta de arrependimento

Há um fator “preocupante” a juntar os quatro bancos, na ótica da AdC, transmitida nas alegações finais do processo em que a entidade condenou 14 instituições por intercâmbio de informação sensível sobre créditos à habitação, ao consumo e empresas (e da qual recorreram 11 bancos).

“Não reconhecem qualquer problema”; “não resultou da prova produzida que tenham dado instruções claras para se pôr termo [à infração]”; houve “uma total indiferença para com esta violação ao direito da Concorrência”: foram os argumentos da AdC transversais a estas entidades bancárias.

Falta de colaboração com tribunal

“A AdC não poderá deixar de dar nota à atuação processual da CGD e Santander”, criticou a mandatária Ana Nogueira, diretora do departamento jurídico da autoridade, na sessão desta quarta-feira, falando em “falta de colaboração” para com o tribunal. Disse que o banco público dificultou processualmente o julgamento, recusando-se a dar os dados pedidos. Já o Santander não facultou dados sobre uma testemunha central, justificando que já não trabalhava no banco e que o banco deixava de ter tal documentação – “não se pode deixar de pôr em causa a veracidade”.

Essa atuação dos bancos ao longo do processo fora também criticada pelo procurador do Ministério Público Paulo Vieira nas suas alegações. O Santander foi inclusivamente identificado, porque lhe havia sido pedido o número de telemóvel de uma trabalhadora – a testemunha que nunca chegou a apresentar-se em tribunal e que poderá ter de responder criminalmente por isso –, que não deu. “Não deram qualquer elemento porque tinha cessado o contrato de trabalho”, explicou o procurador. “São apagados todos os registos? Não faz grande sentido”, respondeu. Já a CGD foi criticada por ter tratado o caso judicial “de forma ligeira”, e por não ter tomado medidas, segundo o representante do Ministério Público.

No final das alegações finais da AdC, a defesa do Santander contestou a ideia da falta de colaboração, deu dados que o provam e garantiu que “sempre prestou a sua integral e inequívoca colaboração com o tribunal”.

Situação financeira não pode justificar corte

Ministério Público quer baixar sete coimas a bancos (sobretudo a do Montepio) e manter a quatro (incluindo os €82 milhões à CGD)

“A AdC não pode acompanhar a possível redução de coimas aos bancos, sobretudo quando a motivação para a redução é a atual situação financeira e o impacto que poderão originar”, segundo apontaram os mandatários da autoridade, contestando aquele que tinha sido o argumento do Ministério Público para possivelmente baixar as sanções aplicadas ao Banco Montepio e para o BCP.

“Seria chegar à conclusão que o crime compensa, sobretudo no sector bancário”, sintetizou Ana Nogueira, diretora da AdC.

Montepio com estratégia censurável

Aliás, em relação ao Banco Montepio, com a coima de 26 milhões cortada a metade pela adesão ao programa de clemência (13 milhões) na fase administrativa, a AdC vê também razão para agravamento pelo facto de ter uma “estratégia processual censurável” no julgamento – onde o seu representante legal disse que não reconhecia ilícitos.

“O tribunal não deixará de valorar negativamente”, espera a diretora da AdC, segundo adiantou nas suas alegações. Ou seja, quer uma coima mais elevada, ao contrário do Ministério Público, que, atendendo à “frágil” situação, sugeriu uma sanção máxima de 4,8 milhões de euros (cortada a metade pela adesão à clemência).

As coimas são determinadas com base em vários critérios (envolvimento, extensão das infrações, etc), sendo que a sanção é determinada consoante o volume de negócios no segmento de mercado afetado (crédito à habitação, ao consumo e a pequenas e médias empresas). Há, depois, um teto máximo de 10% desse volume de negócios – as coimas foram determinadas com base nas contas de 2018, ano anterior à decisão final da AdC.

AdC mantém argumentos

A autoridade não tem dúvidas de que os dados trocados entre funcionários bancários – por e-mail ou via telefónica – eram sobre “intenções futuras” (spreads a mudar na semana seguinte, por exemplo), ou então dados muito recentes (alterações acabadas de fazer), ou sobre o crédito concedido no mês anterior. Assim, eliminava-se, por exemplo, o risco de perda de quota de mercado, aponta a acusação. A troca existiu, mesmo sem se medir os efeitos claros de tal atuação, defende a autoridade comandada por Margarida Matos Rosa.

Esta terça-feira, o Ministério Público pediu o alívio das sanções aplicadas não só ao Montepio e ao BCP, como também ao BES (em liquidação), UCI, BIC e BPI (estes dois últimos de forma “marginal”). Até o Barclays, dispensado de pagar por ter sido o denunciante do caso, veria a coima aplicada reduzida, para o procurador. Já CGD, Santander, Crédito Agrícola e BBVA devem ter as coimas sugeridas pela AdC, de acordo com as alegações finais do Ministério Público.

A sentença do tribunal virá em abril. É à juíza que cabe a decisão judicial de aplicação de sanções, aderindo ou não à proposta da AdC e do MP. Qualquer decisão é recorrível pelas partes para tribunais superiores.

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