Autoridade Bancária Europeia: o que a supervisão fez com o Luanda Leaks não foi suficiente
Relatório da Autoridade Bancária Europeia (EBA) levanta dúvidas sobre atuação dos supervisores no combate à entrada de dinheiro ilícito no sistema. Há riscos que podem nem sequer ter sido identificados. Mas não revela que países falharam
Uma atuação que nem sempre foi eficaz, uma cooperação que pouco existiu, uma reação que falhou: assim se comportou genericamente a supervisão bancária europeia no combate ao branqueamento de capitais ligado ao caso Luanda Leaks, datado de janeiro de 2020 e que tem Isabel dos Santos como protagonista – e Portugal como um centro importante. As conclusões são da Autoridade Bancária Europeia (EBA na sigla em inglês), supervisor do sector na União Europeia, num relatório elaborado a pedido do Parlamento Europeu. Até ao momento, nenhuma entidade de supervisão bancária aplicou nenhuma sanção – só na Alemanha as autoridades judiciais multaram um banco.
“A EBA sublinha que as instituições de crédito com ligações próximas a Isabel dos Santos ou aos seus sócios estavam sob uma monitorização estrita pela autoridade competente antes mesmo da publicação dos leaks, levantando, por isso, questões sobre a eficiência e a eficácia dos anteriores processos de supervisão prudencial e de prevenção do branqueamento de capitais”, é uma das notas deixadas pelo relatório de 18 páginas.
Não é dito qual o país em causa, mas é certo que a situação de Portugal não é muito distinta. Isabel dos Santos é a principal acionista do BIC (marca comercial Eurobic), e foi acionista indireta do BPI até o CaixaBank assegurar o seu controlo, em 2017. No caso do Eurobic, já tinha sido aberto um processo pelo Banco de Portugal, em 2015, que ainda tinha por resolver várias deficiências aquando da eclosão do Luanda Leaks, como noticiou o Expresso no início de 2020. O Expresso integra, aliás, o ICIJ, o consórcio de jornalistas que denunciou as transferências suspeitas envolvendo a filha do antigo presidente angolano José Eduardo dos Santos.
Agora, além de ter bens congelados, a investidora angolana não pode receber dividendos da sua participação no Eurobic. A posição está para vender desde a eclosão do escândalo – o espanhol Abanca é o mais bem posicionado para adquirir o banco, relativamente ao qual foram abertos processos de averiguação pelo Banco de Portugal.
Sem sanções
Sobre o conhecimento de factos passados, o supervisor europeu repete ideias de falhanço, mas mais uma vez sem identificar: “A EBA sublinha que uma autoridade tinha conhecimento de falhas graves em pelo menos uma instituição há muitos anos, mas sem conseguir responder com medidas de supervisão suficientemente eficazes. Houve reuniões entre as equipas da EBA e da autoridade. A autoridade está a trabalhar para resolver a situação, incluindo abrir procedimentos de contraordenação. Apesar disso, não houve ainda a imposição de sanções administrativas”.
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal. Simon Dawson/Bloomberg via Getty Images
Em Portugal não foi ainda conhecida nenhuma sanção aplicada pela autoridade liderada por Mário Centeno na sequência do Luanda Leaks. Mas o Banco de Portugal não está sozinho: até ao momento, não há na União Europeia sanções, segundo a EBA. Houve apenas uma multa pelas autoridades criminais de 150 mil euros a um banco, mais uma vez não identificado no relatório – sabe-se, porém, que houve uma multa nesse montante apontada ao banco de fomento estatal alemão (KfW Ipex-Bank). Em Portugal, há pelo menos uma sanção a uma auditora em Portugal, aplicada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), mas que não parece ser mencionada neste relatório.
Não havendo referências específicas aos países, a EBA faz, no seu relatório, considerações mais generalizadas, sendo que uma delas é, por exemplo, a surpresa por haver uma abordagem tão distinta por parte das diferentes autoridades nacionais relativamente aos riscos de branqueamento de capitais trazidos pelo Luanda Leaks – caso que mostrou que Isabel dos Santos e o seu falecido marido, Sindika Dokolo, detinham (ou tinham detido) 241 empresas em 12 países da União Europeia e um da EEA (que junta UE à Noruega, Liechtenstein e Islândia) – 197 empresas ainda estavam ativas no fim de 2019.
Risco superior ao detetado?
“Mais de metade das autoridades competentes agiram mesmo que as respetivas jurisdições, ou instituições sob o campo de supervisão, não fossem mencionadas nos leaks. Algumas destas autoridades competentes identificaram instituições que tinham ligações a Isabel dos Santos ou aos seus sócios, apesar de estas instituições não serem explicitamente mencionadas pelo ICIJ”, segundo aponta a EBA.
Só que isto levanta um problema: “sugere que há um risco de não terem sido detetadas outras exposições de risco relevantes em estados-membros cujas autoridades competentes não atuaram”. Não se sabe quais as autoridades que não desencadearam tais procedimentos.
Maus exemplos
Sobre a falta de atuação dos supervisores, a EBA foi crítica, e deu até exemplos (embora não dizendo os países em causa), e lembrando que nem todas as empresas de Isabel dos Santos eram do sector financeiro; havia também empresas clientes de bancos.
“Por exemplo, uma autoridade competente indicou que tinha reforçado recentemente os requisitos de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, e que estava confiante que as instituições financeiras na sua supervisão estavam suficientemente preparadas para mitigar os riscos advindos dos leaks. Isto apesar do facto de, de acordo com o ICIJ, esse Estado-membro ter servido como sede para uma empresa de construção que foi detida por Isabel dos Santos”, segundo o relatório.
Há outro caso assinalado (mas não identificado): “Outra autoridade competente indicou que não levou a cabo nenhuma avaliação porque a entidade doméstica listada pelo ICIJ a que Isabel dos Santos estava ligada terminou as suas atividades em 2009”.
Sem cooperação
Além disto, nas conclusões do relatório feito a pedido do Parlamento Europeu, o supervisor europeu (o BCE é o supervisor da zona euro) refere que “nem todas as autoridades competentes” aproveitaram os canais de troca de informação para perceber os riscos existentes nas jurisdições.
Abaixo do esperado pela EBA também ficou a cooperação das autoridades de supervisão com as unidades de informação financeira (que têm de averiguar se houve crimes).
“Isto sugere que o risco de instituições estarem a branquear o dinheiro de corrupção vindo de pessoas politicamente expostas de países terceiros, que apresentam maior risco de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, não está a ser gerido de forma eficaz em todos os Estados-membros”.
Relatório EBA
Nem tudo é mau
Apesar do tom geral do relatório, a EBA, presidida pelo espanhol José Manuel Campa, defende que nem tudo correu mal, e que “há exemplos de boas práticas”, nomeadamente pela implementação de processos para mudar a reação a casos como o Luanda Leaks.
Aliás, há autoridades que são elogiadas por terem tido uma “ação de supervisão robusta”, em contraponto àquelas que dependeram “exclusivamente ou quase exclusivamente” da autoavaliação de cada instituição financeira.
Este relatório resultou da primeira utilização, pela EBA, de uma ferramenta de investigação para avaliar o trabalho feito pelos supervisores – de notar que das 33 autoridades ouvidas, a autoridade quis aprofundar a avaliação a sete delas, sendo que uma mostrou-se indisponível para responder de outra forma que não por escrito. Mais uma vez, não foi identificada a autoridade visada.