Economia

Mercados. Uma semana para lembrar que as tecnológicas não crescem até ao céu

Foto: Getty Images
Foto: Getty Images

As perdas volumosas de certas cotadas do setor tecnológico norte-americano marcaram uma semana volátil nos mercados acionistas

Foi uma semana de perdas para grandes cotadas do setor tecnológico nos Estados Unidos, a juntar a quebras relevantes desde o início do ano em diversas outras empresas. Está a ser uma época de volatilidade alta nas bolsas norte-americanas, como provam as perdas avassaladoras de empresas como a Meta, dona do Facebook, que se prepara para fechar esta semana a perder mais de 20%, e 30% desde o início do ano, do seu valor de mercado; ou a PayPal, que afundou quase 25% esta semana e mais de 30% desde o arranque de 2022.

As ações-estrela da pandemia, como a Zoom e a Netflix, duas plataformas utilizadas massivamente durante os múltiplos confinamentos em todo o globo, perderam mais de 20% e 30%, respetivamente, das suas capitalizações de mercado desde 1 de janeiro.

As crises nas cadeias de abastecimento, a escassez de matérias-primas e o preço da energia nas nuvens estão a ter impacto ao largo de toda a economia. A taxa de inflação, que dispara nas economias desenvolvidas (7% nos Estados Unidos em dezembro, 5,1% na zona euro em janeiro, em máximos de várias décadas), e a resposta da Reserva Federal norte-americana (que deverá aumentar os juros em março) e do Banco de Inglaterra (que já aumentou a taxa de referência duas vezes, uma em dezembro, e outra na quinta-feira) estão a provocar uma mudança do ambiente nos mercados acionistas, exuberantes enquanto a impressora da banca central trabalhava livremente, e não tanto quando esta começa a desligar-se.

Segundo Henrique Tomé, analista da corretora XTB, estas “fortes correções nos mercados financeiros, sobretudo nas empresas do setor tecnológico” devem-se ao facto de estas terem sido “as mais beneficiadas ao longo do período da pandemia devido ao excesso de liquidez existente no mercado”, sinalizando como o evento causador deste acerto o anúncio da Reserva Federal de que iria começar a diminuir o seu programa de compra de ativos e, mais à frente, reduzir o seu balanço.

Alguns setores, como o tecnológico, têm estado sobreaquecidos.

Henrique Tomé, analista da corretora XTB

“Podemos dizer que alguns setores, como o tecnológico, têm estado sobreaquecidos. Contudo, ainda é prematuro assumir que podemos estar perante uma situação semelhante à de 2019 quando o mercado caiu mais de 20% em menos de 6 meses, embora o setor tecnológico neste momento já tenha caído mais de 12% desde que atingiu máximos de sempre”, comenta ao Expresso.

Entretanto, esta abordagem dos bancos centrais na tentativa de controlar uma inflação alta desconhecendo-se se esta é temporária (devido ao recuperar súbito da procura no ano passado quando a capacidade de produção ainda estava comprometida pela pandemia) ou se já é estrutural, com os mais catastrofistas a compararem a tendência nascente com a inflação dos anos 1970 na sequência do choque petrolífero de 1973.

“A persistência da inflação pelo choque na oferta está a tentar ser corrigida com instrumentos do lado da procura, o que poderá não constituir uma adequada resposta das autoridades monetárias, como os bancos centrais, uma vez que deverá conduzir a um posicionamento mais cauteloso ou mesmo conservador por parte dos investidores e traders“, considera João Queiroz, diretor de corretagem do Banco Carregosa, num comentário ao Expresso.

Os ajustes às taxas de juros, aos programas de compras e à dimensão dos balanços “tendem a fragilizar mais as empresas de elevado crescimento, tomando como referência as tecnológicas e as mega capitalizações [empresas com capitalização bolsista superior ao intervalo 200-300 mil milhões de dólares]”. Segundo João Queiroz, “as elevadas avaliações deste tipo de empresas tecnológicas e mega capitalizações tornam-nas mais vulneráveis a variações do apetite pelo risco, menor complacência perante deceções ou ajustes nos seus resultados, levando às atuais correções de -10% a -30% apenas numa sessão”.

As empresas tecnológicas e com mega-capitalizações estão obrigadas a recalibrar o modelo de negócio e introduzir medidas corretivas.

João Queiroz, diretor de corretagem do Banco Carregosa

Acrescem outros fatores que prejudicam a cotação destas empresas, como a pressão regulatória sobre as tecnológicas feita pela China, o aumento da concorrência no mercado (com o por exemplo o TikTok, da chinesa ByteDance, que já morde as canelas à Meta), as exigências de diversos países em termos de proteção de dados dos utilizadores, e a recente alteração do sistema operativo da Apple que irá limitar muito a capacidade de seguimento da atividade dos utilizadores por parte das aplicações. Só esta medida terá um impacto negativo de 10 mil milhões de dólares no negócio publicitário da Meta, segundo cálculos da própria empresa.

Foto: Meta

“Consequentemente, as empresas tecnológicas e com mega-capitalizações estão obrigadas a recalibrar o modelo de negócio e introduzir medidas corretivas, traduzindo-se numa transitória redução de clientes, subscrições, receitas e margens. O atual momento assemelha-se mais a uma correção de setores e empresas, que absorveram um elevado investimento desde 2020 e que estão saturadas ao nível da exposição”, conclui João Queiroz.

PSI-20 fecha semana em ligeira alta

Lisboa, entretanto, encerrou a semana com ganhos acumulados de 0,37%, contrariando o desempenho semanal de grandes praças europeias e os respetivos índices, como o DAX (-2,57%), o CAC (-0,86%), o IBEX (-0,77%), e o FTSE MIB (-1,33%). O Footsie, de Londres, valorizou, contudo, 0,67% no conjunto da semana. O índice europeu Stoxx 600 perdeu 1,68% nos últimos cinco dias.

O BCP foi a grande estrela de Lisboa nesta semana, crescendo 18,73% desde segunda-feira para os 0,18 euros por título, em máximos de quase dois anos. Nas perdas, destaque para o grupo EDP: a casa-mãe desvalorizou 3,51% no conjunto da semana, e a EDP Renováveis caiu 1,14% nos últimos cinco dias. A Jerónimo Martins, contudo, superou ambas, eliminando 4,79% do seu valor de mercado nas últimas cinco sessões.

O barril de crude WTI, de referência para os Estados Unidos, e o barril de Brent, o que conta para a Europa, cotavam perto dos 93 dólares nesta sexta-feira, o valor mais alto desde setembro de 2014, já bem além da barreira dos 90 dólares, devido a problemas na produção norte-americana devido a condições meteorológicas adversas e com temores relativos a um conflito bélico entre a Rússia e a Ucrânia, que poderá tornar ainda mais escasso o combustível nos mercados globais.

Nas criptomoedas, a semana foi de uma certa recuperação nos tokens mais populares. A Bitcoin, na tarde de sexta-feira, negociava a rondar os 40 mil dólares, numa subida de quase 7% face a segunda-feira, ao passo que a Ether, do protocolo blockchain Ethereum, apresentava um ganho semanal de 13,61%, à volta dos 3 mil dólares.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate