“Quanto tempo é que tenho para falar sobre isso?” A pergunta foi feita por José Carlos Mateus, o administrador financeiro (CFO) do Banco Montepio, no Tribunal da Concorrência, em Santarém, quando questionado pela juíza Mariana Machado sobre qual a atual situação da instituição financeira, no quadro do julgamento relativo à troca de informação sensível entre bancos, caso que também ficou conhecido como o “cartel da banca”.
“O banco tem estado numa trajetória de recuperação, mas uma trajetória frágil, vulnerável, e importa a todo o custo garantir que o banco é sustentável”, afirmou o CFO do banco na sessão desta sexta-feira, 28 de janeiro, do julgamento aos recursos apresentados pelos bancos contra a condenação da Autoridade da Concorrência (AdC) por troca de informação confidencial sobre créditos entre 2002 e 2013, que aplicou coimas no valor global de 225 milhões de euros.
No banco desde 2008, mas na administração apenas desde 2018, José Carlos Mateus lembrou que entre 2013 e 2016 o banco apresentou prejuízos acumulados de 815 milhões de euros (“o banco teve um período muito complicado, foi o impacto da crise financeira”). Apesar de recuperar nos anos seguintes (com “resultados modestos”), em 2020, com a covid, vieram mais perdas. Em 2021, também embalado com o plano de reestruturação, continuaram os resultados negativos (até setembro, prejuízos de 14 milhões, não há ainda resultados do fim do ano).
“Por isso é que a administração pôs em marcha um plano de reestruturação”, disse o CFO em tribunal, referindo-se à redução de pessoal e de agências decidida pela gestão presidida por Pedro Leitão.
“Recuperação mais lenta, mais frágil, mais demorada”
“É importante frisar que no conjunto dos grandes bancos portugueses, o Montepio foi o único dos grandes bancos que, na ressaca da crise financeira, nunca usou as linhas que foram postas à disposição da banca”, frisou José Carlos Mateus, admitindo que exclui dessa lista o Santander – mas também o Crédito Agrícola não contou com as linhas de financiamento da troika.
O Banco Montepio, a designação comercial adotada pela Caixa Económica Montepio Geral, “conseguiu garantir a sua independência e autonomia por meios próprios” por recorrer “ao seu acionista de referência”, que é a Associação Mutualista Montepio Geral. Foram os cerca de 600 mil associados que injetaram capital e emprestaram dinheiro para cobrir os prejuízos.
Tudo isso “refletiu-se numa recuperação mais lenta, mais frágil, mais demorada”, assumiu.
Coima sem “equilíbrio”
Aliás, é pela situação do banco que José Carlos Mateus considera que é exagerada a coima que a Autoridade da Concorrência decretou, de 26 milhões de euros, reduzida a metade, para 13 milhões, por o banco ter aderido ao programa de clemência (foi o segundo banco que aderiu, a seguir ao Barclays, cuja denúncia deu origem ao processo, em 2013).
“Considero que de algum modo não houve um equilíbrio no valor que foi aplicado comparado com os outros bancos”, frisou José Carlos Mateus nas suas declarações em tribunal. “Treze milhões para o Banco Montepio não é o mesmo que 13 milhões para a CGD ou um banco de outra dimensão”, frisou.
“Para o Banco Montepio representa 15 basis points [15 pontos base] nos rácios de capital. Não vou pelo caminho emotivo, em que digo que são menos 13 milhões para a sociedade, que vão afetar a capacidade creditícia do banco. Mas traduz-se em menos apoio à economia. No mínimo, o banco ficará afetado à volta de 200 milhões de euros em concessão de crédito”.
“Terei de ir ao mercado para colmatar [o impacto]. Levantar dívida no mercado, pela qual terei de pagar juros”, alertou o administrador financeiro.
O Banco Montepio foi um dos 14 bancos condenados por, segundo a Concorrência, trocar informação sensível sobre créditos à habitação, ao consumo e a empresas com outros bancos seus concorrentes. Recorreram para o Tribunal da Concorrência, em Santarém.