De acordo com o inquérito à fecundidade do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2019, 42% das mulheres entre os 18 e os 49 anos – isto é, em idade fértil – não tinham filhos, ao passo que a percentagem entre os homens entre os 18 e os 54 anos era de quase 54%. E não é por falta de vontade: acima dos 30 anos, mais de metade dos homens e mulheres, em todos os escalões etários, tinham menos filhos do que queriam.
A reposição geracional – um número de nascimentos suficiente para cobrir as mortalidades, numa média de 2,1 filhos por mulher – deixou de acontecer, no País, em 1982. Entre 2010 e 2014, anos de grave crise financeira, a taxa bruta de natalidade portuguesa foi a mais baixa da zona euro, tendo recuperado gradualmente até 2019, ano em que voltou a sofrer uma quebra. Tendo em conta séries mais longas, a diferença é abismal entre 1960, altura em que nasciam 24,1 bebés por cada 1000 habitantes, face aos 8,2 de 2020.
Precariedade bate recordes
No documento, que tem como relatora a socióloga Ana Drago, elenca-se um conjunto de medidas para mitigar esta situação. Uma delas passa pela redução da precariedade laboral e da divergência em termos de estabilidade do trabalho entre homens e mulheres: Portugal foi o terceiro país da União Europeia com maior percentagem de trabalhadores com contratos não permanentes, com metade dos trabalhadores por conta de outrem entre os 15 a 29 anos de idade, em 2020, com contratos não permanentes, muito acima da média europeia.
E a diferença de géneros na estabilidade dos vínculos laborais nota-se na precariedade: em 2020, 17,4% dos trabalhadores masculinos tinham contratos precários, ao passo que a percentagem junto dos trabalhadores por conta de outrem do género feminino era de 18,1%.
O CES recomenda, por isso, o desenho de “políticas públicas capazes de cumprir a aspiração civilizacional de redução do período normal de trabalho, à semelhança de outras experiências europeias, como contributo para a conciliação do trabalho com a vida pessoal e familiar e para o aumento de produtividade”.
Propõem também “combater a desregulação dos horários de trabalho”, institucionalizar “mecanismos de participação das trabalhadoras e dos trabalhadores nos locais de trabalho” e promover “o diálogo sobre medidas de conciliação trabalho-família”.
Negociação e contratação coletiva para subir salários
O CES sublinha que, do ponto de vista dos salários, o panorama é igualmente mau. Os trabalhadores por conta de outrem a tempo completo no setor privado, de acordo com um estudo, viram um aumento do salário médio real de apenas 5,2%, depois de ajustado ao valor da inflação, entre 2002 e 2017.
Foram 16 anos de magro crescimento dos salários, que afetou principalmente as gerações mais jovens, cujo salário médio se aproximou do salário mínimo, nesse mesmo período, em 30%. As reformas dos profissionais mais velhos e as suas substituições por mais novos significam que o salário pago é substancialmente mais baixo. Um fenómeno que, com a limitação da negociação coletiva promovida por alterações à Lei do Trabalho, não foi possível de ser mitigado.
Daí, o CES propõe “a dinamização da contratação coletiva” para “investir na valorização salarial, de forma a combater a estagnação salarial ao longo das carreiras profissionais e na estrutura salarial”.
Para limitar as discrepâncias de pagamento entre géneros, os parceiros sociais pedem “garantir o cumprimento do direito a salário igual para trabalho igual ou de valor igual, designadamente através da adoção de metodologias que garantam a avaliação de funções e a determinação salarial sem enviesamentos de género”.
Controlar rendas e preços e investir em casas do Estado
O aumento do preço da habitação nos últimos dez anos é um dos fatores apontados para a menor disponibilidade para ter filhos. O CES sublinha que, de 2015 a 2020, os preços da habitação em Portugal subiram 53%, a maior subida da zona euro, de acordo com dados do Eurostat, devido principalmente à revisão da Lei das Rendas de 2013, à diminuição da construção nova desde a crise de 2008, e à entrada de investimento estrangeiro massivo no mercado imobiliário nacional. Assim, entre os países da OCDE, Portugal tornou-se naquele em que a diferença entre os rendimentos da população e os preços das casas é maior.
A solução para este estado de coisas é, segundo o parecer do CES, habitação a preços controlados “através da reabilitação de património devoluto” e estabelecer quotas relevantes de venda a preços controlados a jovens famílias como condição para licenciamento de novos edifícios nas cidades.
O aumento da habitação pública para arrendamento e um novo planeamento urbano que diminua o tempo nas deslocações e aumente a segurança, “por exemplo, relativas à iluminação pública e ao policiamento de proximidade” são outras propostas dos parceiros sociais para aliviar a crise na habitação em Portugal. Propõe-se também a “alteração do regime do arrendamento urbano, criando medidas adequadas de proteção dos/as arrendatários/as”
Creches gratuitas e aumento dos apoios às famílias
Na conciliação e no apoio à família, o CES recomenda que se garanta o “cumprimento dos direitos em matéria de parentalidade, incluindo no que concerne às licenças parentais” e “garantir licenças de maternidade e de paternidade de igual duração, pagas a 100% e não transferíveis, salvaguardando o tempo único e exclusivo das mulheres”.
É necessário também, para os parceiros, “assegurar a manutenção dos rendimentos das mães e dos pais durante o usufruto dessas licenças” e “garantir que os períodos de ausência ao trabalho por motivos de maternidade e paternidade não penalizam as trabalhadoras e os trabalhadores na avaliação de desempenho, nos bónus de produtividade/desempenho, nas oportunidades de acesso à formação profissional e de progressão nas carreiras”.
Entre as restantes medidas elencadas incluem-se também a gratuitidade progressiva das creches e o aumento da cobertura pública do apoio às crianças, às pessoas dependentes e idosas. O CES considera necessário reforçar os apoios financeiros às famílias, como o abono de família universal, com possibilidade de majoração em função da idade; e a melhoria dos direitos dos chamados cuidadores informais, a prestar serviços não-remunerados, dando-lhes mais possibilidades de conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar.
O CES prevê igualmente que “valorizar e reconhecer profissionalmente as trabalhadoras e os trabalhadores que prestam cuidados, nomeadamente através da garantia de emprego com direitos, com vínculos estáveis, salários dignos e evolução de carreiras, condições de trabalho dignas, e garantindo o acesso à formação e qualificação profissionais”.
No acesso à saúde, as medidas propostas para o aumento da natalidade incluem “apoios para tratamentos de fertilidade, no quadro do SNS”, acesso generalizado a consultas de ginecologia, uma maior humanização do parto, eliminando a violência obstétrica que afeta inúmeras mulheres no País, e “melhorar o acesso a serviços de qualidade em matéria de planeamento familiar, ginecologia, obstetrícia, cuidados materno-infantis e pediatria”.