"A queima de biomassa para produção de energia ameaça milhares de empregos em Portugal", alerta João Gonçalves, presidente da associação Centro Pinus, considerando que a floresta portuguesa já não produz matéria-prima suficiente para abastecer as necessidades de todas as empresas existentes, da indústria e PME (pequenas e médias empresas) de base florestal tradicional às produtoras de pellets e consumidoras de biomassa para fins energéticos.
E a possível reconversão da Central Termoelétrica do Pego de carvão para biomassa ameaça "aumentar este desequilíbrio de forma muito significativa", diz o dirigente do Centro Pinus, uma associação sem fins lucrativos que reúne os principais agentes da fileira do pinho.
O diagnóstico que faz do quadro atual é claro: “Existe hoje um elevado défice da oferta de madeira e de biomassa florestal residual. Este contexto deve-se, sobretudo, ao declínio dos recursos florestais, mais evidente para o pinheiro-bravo, espécie em que o volume em crescimento registou um decréscimo de 37% entre 2005 e 2019".
Mais: "A situação estrutural da nossa floresta foi agravada por opções de política energética que introduziram incentivos à produção de eletricidade a partir de biomassa que causaram distorções no mercado. Adicionalmente, a falta de regulamentação prevista e a inadequação da existente permitem que alguns operadores queimem madeira e não biomassa florestal residual”, afirma em comunicado.
Assim,"um aumento relevante da produção de energia através da queima, alegadamente, de biomassa florestal residual – como é possível que aconteça com a reconversão de carvão para biomassa da Central Termoelétrica do Pego – irá colocar em risco milhares de empregos criados por este setor da economia, que representa mais de 3% do total das exportações de bens", sustenta.
Défice estrutural de madeira de pinho no consumo industrial já é de 57%
Nas contas do Centro Pinus, o défice estrutural de madeira de pinho representa já 57% do consumo industrial anual, com tendência a aumentar de forma significativa nos próximos anos e impactar a atividade das indústrias da fileira de pinho.
Face aos dados de que dispõe, João Gonçalves conclui que "o consumo atual de biomassa para energia em Portugal é insustentável” e consumir madeira para produzir energia “não faz qualquer sentido”.
“Enquanto material renovável, reutilizável e reciclável, a madeira só cumpre a sua função plena no quadro de uma bioeconomia circular quando se garante a sua ‘circularidade’ em cadeias de valor que cumprem o princípio da utilização em cascata. Só deve ter como destino final a queima a madeira que não pode ter utilização em produtos de maior valor acrescentado”, sublinha,
No atual enquadramento legal, que o Centro Pinus considera incoerente, essa queima é permitida, mas depois da queima "a matéria-prima não pode ser reparada, reutilizada, nem contribuir para uma descarbonização, sob a forma de produtos que são armazenadores de carbono, ajudando assim a atenuar as emissões de CO2", argumenta.
Antecipando as consequências do quadro atual, admite que este défice irá gerar "enormes pressões no mercado da rolaria, dos subprodutos de madeira e da madeira reciclada, contrariando as práticas de economia circular e de uso em cascata.”
Sector emprega mais de 55 mil pessoas
A fileira do pinho emprega mais de 55 mil pessoas em Portugal, representando muitos postos de trabalho no interior do país, e as suas exportações totalizaram 1.725 milhões de euros em 2020 (3,2% do total das exportações de bens) entre mobiliário, madeira, papel e embalagem e painéis derivados de madeira.
Em causa neste sector, destaca o Centro Pinus, está "uma cadeia de valor extensa e com elevadas relações de interdependência através de transações comerciais de produtos e subprodutos, num claro exemplo de economia circular" entre as indústrias da serração, mobiliário, painéis e papel kraft.