A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) propôs para 2022 uma atualização das tarifas de eletricidade que deverá permitir a mais de 900 mil famílias que estão no mercado regulado um alívio de 3,4% a partir de janeiro, face aos preços atuais e em vigor até dezembro.
Esta descida acontecerá depois de duas atualizações trimestrais em alta: cerca de 3% em julho e outros 3% agora em outubro.
A proposta da ERSE também contempla uma redução acentuada das tarifas de acesso à rede, que são aplicáveis a todos os consumidores de eletricidade, incluindo os mais de 5 milhões de famílias no mercado liberalizado.
Acaba por ser um desfecho em linha com o estimado pelo Governo, que se vinha mostrando nas últimas semanas convicto de que os clientes no mercado regulado teriam uma estabilidade de preços em 2022, sendo o único foco de preocupação a indústria. Mas mesmo aí as tarifas agora propostas pela ERSE poderão dar uma ajuda relevante.
No caso dos clientes industriais a redução das tarifas de acesso chega a ultrapassar os 90%, um corte que deverá permitir mitigar grande parte do agravamento da componente de energia das suas fatura.
Na baixa tensão normal (o segmento que diz respeito aos consumidores domésticos) as tarifas de acesso irão baixar 52% em janeiro. Será a partir destas tarifas, conjugando-as com o custo a que adquiram a eletricidade para entrega aos seus clientes, que os comercializadores de energia no mercado livre irão redesenhar os seus tarifários para vigorar a partir de janeiro.
É por isso impossível dizer, para já, se os 5 milhões de clientes com contratos no mercado livre (mais de 96% dos quais são fornecidos por cinco empresas, a EDP Comercial, Endesa, Iberdrola, Galp e Goldenergy) poderão contar com faturas mais altas, mais baixas ou iguais em janeiro.
Como foi possível não aumentar a fatura… com preços recorde?
A proposta de estabilidade tarifária da ERSE acontece no meio de um dos momentos mais turbulentos da história do mercado ibérico de eletricidade, com preços diários muito acima dos níveis tradicionais de preços, principalmente por causa do elevado custo do gás natural, a pressionar os custos operacionais das centrais de ciclo combinado.
Mas com os futuros de eletricidade para 2022 a 137 euros por megawatt hora (MWh), quase o triplo do custo de referência considerado pela ERSE na sua proposta de tarifas para 2021, como é possível que as tarifas reguladas das famílias não aumentem em janeiro?
A verdade é que uma boa parte da estrutura de custos do sistema elétrico nacional é fixa (as receitas reguladas do transporte e distribuição e a remuneração garantida da produção em regime especial, como as eólicas e cogerações, por exemplo), pelo que a flutuação dos preços grossistas influencia apenas uma parte da fatura.
Além disso, o disparo no preço grossista da eletricidade que está a acontecer colocou o preço de mercado da energia num patamar acima da remuneração garantida ao regime especial.
Isso significa que no próximo ano os produtores do regime especial (na sua maior parte eólicos) deixarão de gerar um sobrecusto (que onera as tarifas de acesso à rede, sobretudo as pagas pelas famílias), para passar a gerar um ganho para o sistema elétrico.
Fatores extraordinários também ajudam
Mas não é só o efeito amortecedor da produção do regime especial que joga a favor dos consumidores portugueses em 2022 nesta conjunta de preços grossistas elevados. A verdade é que também há outros fatores a permitir à ERSE não agravar as faturas.
Conforme o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, havia apontado publicamente, no próximo ano deixa e haver o encargo anual de cerca de 100 milhões de euros com o Contrato de Aquisição de Energia (CAE) da central a carvão do Pego, bem como os 100 milhões de euros anuais de custo do regime de interruptibilidade.
A somar a isso, há uma maior transferência para o sistema elétrico de receitas provenientes dos leilões de licenças de emissão de CO2, que passam de 150 para 270 milhões de euros.
E há igualmente uma transferência de saldos de gerência de várias entidades a favor das tarifas de acesso, em benefício dos consumidores industriais, no valor de 135 milhões de euros.