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Falta de chips vai durar até 2023. Preços de carros e gadgets já estão a subir

General Motors, Subaru, Toyota, Tesla, Volkswagen e Renault foram obrigadas a rever fabrico de automóveis. Apple e Microsoft também confirmam que falta de componentes produziu efeito na produção de telemóveis e consolas

A Volvo confirmou esta quarta-feira que vai suspender durante uma semana a produção de carros nas fábricas que tem em Gotemburgo. A suspensão poderia ser encarada como um drama para a economia local – mas à escala global é apenas mais um “caso” negativo registado nos últimos tempos. General Motors, Subaru, Toyota, Tesla, Volkswagen, Renault e Stellantis, que produz o Jeep Gladiator, também já suspenderam o fabrico de automóveis ou lançaram planos de contingência nos últimos meses. O panorama não é um exclusivo do sector automóvel: também nos telemóveis, eletrodomésticos, computadores e até dispositivos lúbricos há marcas a reverem linhas de produção e preços. O motivo destas mudanças de planos? A escassez de chips e componentes eletrónicos , que deverá estender-se até 2023.

Há gente a gastar montes de dinheiro a expedir coisas, e alguém vai ter de pagar por isso”, descreve Willy Shih, professor da Escola de Negócios de Harvard, EUA, quando questionado pelo Recode.

As palavras do especialista de Harvard já podem ser ilustradas com alguns números apurados recentemente: de acordo com a Strategy Analytics, o preço médio dos telemóveis nos EUA registou um aumento de cinco por cento entre abril e julho. A Edmunds, empresa especializada nos comparativos e estimativas de preços, concluiu que 13% dos consumidores americanos que compraram carros em abril pagaram mais que o valor de tabela original.

Analistas questionados pelo Wall Street Journal referem que, no caso das impressoras HP, há casos de aumentos de 20% nos preços praticados nos EUA. Por fim, um último número: analistas de mercado consultados pela The Economist estimam que a indústria automóvel produza menos cinco milhões de carros em 2021.

É provável que muitos números similares ou até menos animadores se registem igualmente em vários sectores industriais e empresas dispersas pelo mundo. Desde de 2020 que a crise tem vindo a impor-se na indústria da eletrónica – e em boa parte o cenário negativo deve-se à discrepância entre expectativas das marcas e a realidade.

Com quase todo o mundo em confinamento, as marcas de automóveis sentiram a obrigação de rever calendários e linhas de fabrico, como reação à queda abrupta da procura. A medida, tomada de urgência, pode ter sido da maior sensatez para as tesourarias, mas não acautelou o fim da pandemia: à medida que os diferentes países foram levantando as medidas de confinamento, as marcas de automóveis decidiram retomar o fabrico – e foi nesse momento que confirmaram que tinham passado para os últimos lugares da fila das encomendas enviadas para os fabricantes de chips, processadores, transístores e outros componentes eletrónicos.

De súbito, a contingência obrigou a rever metas e procedimentos. Os lucros da Ford Motors registaram uma quebra de 500 milhões de dólares (425 milhões de euros) no segundo trimestre de 2021. Na GM, decidiu-se avançar com a produção e venda de novos veículos sem os sistemas de gestão de combustível avançados e o carregamento de energia sem fios devido à falta de componentes eletrónicos.

A Renault optou por não instalar ecrãs de grandes dimensões nos modelos Arkana para apoio do condutor, e a Nissan avançou com a venda de carros sem sistemas de localização, refere o Recode.

A Tesla confirmou que vai fabricar apenas metade dos sistemas de carregamento de baterias de automóveis, e informou ainda que direcionou equipas de programadores para refazerem os códigos dos respetivos sistemas, a fim de garantir que podem correr em chips que ainda têm nos inventários.

A paragem da indústria automóvel é apenas o mais recente sintoma de uma crise que começou a ganhar forma antes da chegada da pandemia. Ainda sob a presidência de Donald Trump, os EUA declararam a interdição comercial da Huawei, por questões de segurança – e com essa decisão retiraram da lista de fornecedores de tecnologias uma das marcas com maior margem de progressão do sector das tecnologias, que produz telemóveis, e também outros equipamentos de telecomunicações, computadores, routers – e muitos dos chips que agora escasseiam.

Direta ou indiretamente, a interdição obrigou consumidores e empresas de vários países a mudar para marcas alternativas, o que terá sido suficiente para gerar pressão entre os fornecedores.

Mas o pior estava para vir: com os primeiros confinamentos e a adesão em massa ao teletrabalho e à tele-escola as vendas de carros podem ter sofrido uma quebra abrupta, mas a procura de computadores e telemóveis (e também televisores, ambientadores, ares condicionados ou aparelhos de ginásio) registou um crescendo de vendas. O que aumentou a pressão sobre os produtores e fornecedores de chips.

A escassez já levou Tim Cook, diretor executivo da Apple, a confirmar que a produção de iPhones vai acabar por ser afetada, e na Microsoft ninguém esconde que as linhas de produção das consolas Xbox também não escapam às disrupções verificadas no circuito dos componentes eletrónicos. Na Intel, há quem preveja crise mais um ano ou dois.

Todos os intervenientes questionados pelo Recode são unânimes: o atual cenário vai durar até 2022. E uma parte considerável dos fabricantes de chips, carros e equipamentos eletrónicos admitem mesmo que a escassez possa estender-se a 2023.

Perante a escassez generalizada, há quem admita que ficam criadas as condições para a proliferação de chips e componentes contrafeitos. “Se na próxima semana, (uma marca) precisar de 5000 componentes para não fechar a linha de produção, fica numa situação de pressão e acaba por reduzir as salvaguardas”, começa por descrever Diganta Das, investigador do Centro para a Engenharia para os Ciclos de Vida Avançados, dos EUA, para depois apresentar, ao ZDNet, o resultado possível de uma interrupção no fornecimento: “(Devido à escassez) Uma marca não vai continuar a aplicar regras de verificação de fornecedores ou avançar com processos relacionados com testes. E isto possivelmente haverá de ser tornar num grande problema”.

Ainda não há notícias que deem conta de um aumento na venda de chips contrafeitos, mas já há casos de detenção de pessoas que tentam contrabandear chips genuínos. Um dos casos mais ilustrativos desse expediente surgiu descrito em julho, na HKPC, que dava conta da detenção de dois condutores de camião que transportavam sob as roupas e colados ao corpo 256 processadores de topo de gama da Intel, durante a travessia da ponte que liga Hong Kong, Zhuhai e Macau.

O atual cenário acabou por confirmar a necessidade de reforçar a produção de chips e outros componentes com o objetivo de acompanhar a procura nos próximos anos, mas no Ocidente houve outras ilações a tirar: hoje, TSMC, de Taiwan, e Samsung, da Coreia do Sul, têm mais de 70% do mercado mundial dos chips.

Tanto EUA como UE já anunciaram pacotes de investimentos de muitos milhões para reforçar a capacidade de fabrico nas respetivas regiões. Bruxelas e Washington poderão até confessar que o ideal seria terem as novas fábricas de chips a laborar já nos dias que correm, mas entre os especialistas há quem lembre que essas unidades precisam de, pelo menos, 2,5 anos para começarem a produzir.

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