Economia

Relatório do inquérito ao Novo Banco está preso por “ajustes de contas entre governos e governadores”

Relatório do inquérito ao Novo Banco está preso por “ajustes de contas entre governos e governadores”

PSD acusa relatório feito por deputado socialista de tentar minimizar papel de Centeno na venda do Novo Banco. PS faz a mesma acusação, mas relativamente ao Governo de Passos Coelho na constituição do banco. Fernando Negrão espera ainda entendimento entre os partidos

Relatório do inquérito ao Novo Banco está preso por “ajustes de contas entre governos e governadores”

Diogo Cavaleiro

Jornalista

“Lamento mesmo muito que todo o trabalho que fizemos nesta comissão vá terminar numa discussão política que nos ficará mal a todos e não engrandecerá ninguém e muito menos o nosso trabalho”. O lamento é da deputada Cecília Meireles, do CDS, que marcou o início da sua intervenção na sessão de discussão do relatório da comissão de inquérito ao Novo Banco que teve lugar esta segunda-feira, 26 de julho, no Parlamento. Fernando Negrão, presidente da comissão, pediu já um entendimento aos deputados.

“O que temos hoje não é relatório, é uma narrativa, é um ajuste de contas entre dois governos e até entre governadores”, declarou a deputada centrista. O Governo Passos Coelho (PSD/CDS), quando o Novo Banco foi alvo da medida de resolução, e o Governo António Costa (PS), quando o Novo Banco foi vendido à Lone Star, são os executivos em causa. Os governadores são Carlos Costa e Mário Centeno, que era ministro das Finanças aquando da venda.

“Não é segredo para ninguém que o atual governador, Mário Centeno, não apreciava o anterior governador, Carlos Costa. E este relatório, em muitos momentos, parece mais escrito por Mário Centeno do que por outra pessoa qualquer”, continuou Cecília Meireles sobre a versão preliminar do relatório final, da autoria do socialista Fernando Anastácio.

PS acusa PSD...

A intervenção da deputada centrista teve lugar depois das declarações do PS e PSD que se centraram nessa troca de responsabilidades entre os governos que sustentaram. O socialista João Paulo Correia declarou que as propostas de alteração ao relatório inicial apresentadas pelo PSD “tentam ilibar ou aliviar responsabilidades, as falhas graves de supervisão durante a gestão do BES e a própria resolução”.

"O PSD acha que a resolução e a criação do Novo Banco foi tudo da exclusiva responsabilidade da Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia e do Banco de Portugal, isentando por completo o governo da altura", acusou o deputado do PS.

...e PSD riposta contra PS

O social-democrata Duarte Pacheco contou os minutos à intervenção de João Paulo Correia e frisou que a maioria foi ocupada a criticar o PSD e a falar do período da resolução, já tratado na comissão de inquérito ao BES, em vez dos momentos posteriores.

“O nosso entendimento é que há grandes dúvidas sobre o que aconteceu depois da resolução. O PS, para aligeirar responsabilidades dos seis anos de governo que já leva, tentou concentrar tudo no passado e antes da resolução”, criticou.

“Da parte do sr. relator, há um grande objetivo: perante um elefante no centro da sala, vamos olhar para outra realidade que desvia atenções. Procurando evitar, minimizar, relativizar, a responsabilidade do Dr. Mário Centeno enquanto ministro das Finanças”, continuou Duarte Pacheco, na sua intervenção.

Ninguém agradado com relatório

Nos outros partidos, não há dúvidas de que os governos tiveram um papel a desempenhar. “Se se assume que os resultados” de decisões europeias “foram maus”, é certo, disse Mariana Mortágua, que “os governos tiveram poder de decisão nesses processos”. Por isso, têm um papel e há responsabilidades políticas a assacar.

“O relatório que é proposto tem como grande falha a não responsabilização de ambos os governos, de ilibar ambos os governos”, disse o deputado do PCP Duarte Alves, acrescentando que as críticas não podem ser unicamente ao facto de nenhum governo ter sido claro sobre os encargos para os contribuintes das soluções encontradas para o Novo Banco - uma conclusão tirada pelo Tribunal de Contas e que consta da versão preliminar do relatório.

João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, tem a mesma posição: o relatório não faz justiça ao trabalho que foi feito na comissão de inquérito. “É parcial e demasiado preocupado em branquear as responsabilidades políticas do PS”. O PAN, com um deputado na comissão, não participou nesta discussão.

Espaço para conversar

Apesar destas questões, há pontos em comum. Vários partidos, por exemplo, querem deixar escrito que merece censura que o Governo não tenha inscrito, no contrato de venda, que, enquanto precisasse de dinheiros públicos, o Novo Banco não devia pagar prémios aos gestores.

“Há espaço para conversar”, acredita Fernando Negrão, deputado que preside à comissão de inquérito. Fernando Anastácio, o relator, disse que tem abertura para aceitar propostas de alteração, acrescentando que a maior parte até é de clarificação e não de oposição.

A discussão continua na tarde desta segunda-feira. Depois, terá de haver votação. O PSD já disse que votará contra a secção de apuramento dos factos do relatório, deixando apenas abertura para a sua concordância nas parcelas de conclusões e de recomendações.

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